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A música conecta

Alataj entrevista Gabto

Por Laura Marcon em Entrevistas 26.03.2021

“Quando vejo um set, eu espero que o DJ me surpreenda e me leve para lugares diferentes”. Esse é o desejo de Gabriel Andrade como ouvinte e sua proposta como artista, tanto enquanto DJ ou produtora. Mais conhecido como Gabto, o gaúcho radicado na grande São Paulo compõe o time de nomes em ascensão no cenário da música eletrônica contemporânea brasileira e a previsão é de aceleração constante em sua carreira.

Particularmente como produtor, Gabto imprime em suas criações as experiências vividas dentro da cultura eletrônica e inspirações sonoras dos anos 80 e 90. Seu último lançamento deixa essa marca ainda mais evidenciada. O EP Alegrias Inesperadas é um conjunto de quatro faixas originais com uma forte conexão com o Breakbeat, baterias marcadas, linhas Disco, Acid e mais, mostrando, acima de tudo, uma gama ampla de referências musicais e muita habilidade para realizar uma conversa entre estilos de forma harmônica.

O EP foi lançado pela também gaúcha GOMA Rec., gravadora que tem sido um grande expoente de talentosos e emergentes artistas brasileiros e que possui uma parceria carinhosa com Gabto há alguns anos. Conversamos com o artista sobre sua história com a música eletrônica, o processo criativo desse trabalho, novos projetos e mais. O resultado foi um bate-papo muito interessante e que você confere agora.

Alataj: Oi Gabriel, tudo bem contigo? Obrigada por conversar com a gente. Você mora em São Paulo mas é natural de Porto Alegre. Foi lá que a sua relação com a música eletrônica começou, certo? Quando você decidiu que gostaria de fazer dela sua profissão?

Gabto: Oi oi. Eu que agradeço pelo espaço. Minha relação começou na verdade em São Paulo, em 2007, quando morei aqui durante um ano e cursava o 3º ano escolar. Um colega me mostrou um som do Shpongle em um MP3 player e aquilo me bateu instantaneamente. Quando retornei para Porto Alegre foi através de uma comunidade do Orkut que achei um produtor independente de Dark Trance para me dar duas aulas experimentais de como mexer no Cubase e o básico do básico sobre o que compõem a produção musical eletrônica: desde o que é um bassline até VSTs, samples, DAWs e afins. A partir daí isso virou uma paixão muito profunda. Levava um fone de ouvido quando ia para um bar para mostrar para os amigos os progressos e experimentos que eu estava fazendo, de tanto que me empolgava [risos]. Porém foi só em 2014 que comecei a discotecar música eletrônica (nessa época, já discotecava Disco e Funk há um pouco mais de um ano) e me dei conta que realmente queria fazer isso para o resto da vida.

Nós acompanhamos um movimento muito intenso vindo de Porto Alegre, com festas independentes, labels e artistas fora da curva e muita coisa tem mudado e evoluído nos últimos anos. Como você avalia o trabalho que tem sido feito por lá?

Acredito que se não fosse a pandemia, Porto Alegre estaria vivendo o seu melhor momento em relação a cena independente. Hoje existe uma integração e troca muito maior entre os núcleos produtores e DJs da cidade, sem falar de toda uma nova leva de DJs e finalmente produtores – coisa que não tinha muito quando a minha geração começou. A música e o público circulam melhor. Porto Alegre já se mostrou bastante bairrista, mas acho que esse sentimento vem se quebrando com a maturidade que esse movimento está atingindo nos últimos três ou dois anos.

Entre os projetos do RS, um dos que mais nos chama a atenção é a GOMA Rec., por onde você lançou o EP Alegrias Inesperadas. Como rolou o relacionamento com essa turma? Qual a sua opinião sobre o impacto do trabalho deles no cenário independente do RS e do Brasil?

Todos da GOMA são parceires querides de outras datas. Já dividimos inúmeras pistas e começamos nesse movimento em épocas bem semelhantes, apesar de iniciarmos em coletivos e núcleos diferentes. Acho que a GOMA tem um papel bastante conciliador e agregador nesse cenário atual de POA, não só pela expertise dos profissionais da label pela capacidade de diálogo e poder de circular em diversos núcleos. Admiro e, como companheiro de cena, tenho bastante orgulho da consistência do trabalho de todos ali.

Sobre o EP em si, conte-nos um pouco como foi o processo criativo dele. Soubemos que tem muitas referências ravers de sua vida, é isso mesmo?

Esses três tunes foram feitos da forma como normalmente surgem os tunes que consigo finalizar: começo a estudar algum VST ou algum sample, acabo me empolgando com alguma melodia ou loop. Quando vejo tô naquele estado quase meditativo da criação e sem me dar conta o tune tá praticamente pronto. Alegrias Inesperadas é só uma forma singela de nomear esses acontecimentos.

No meu processo criativo acabo sempre recorrendo de alguma forma a duas sonoridades que guardo na minha memória afetiva: a música dos anos 80/90 e toda essa estética raver psicodélica. Foi nas grandes raves open air que eu fui introduzido à música eletrônica e à pista. Acho que de alguma forma isso ficou muito preso lá dentro da minha cabeça, e nesse EP consigo enxergar várias sonoridades que me remetem a aquele momento da minha vida. É curioso pensar e analisar isso dessa forma, porque na maioria dos casos, durante o processo de criação eu não penso nisso de forma tão consciente.

As faixas são bem marcadas pelo breakbeat, inclinações ao Acid e também House Music. Como se deu esse processo de produção e essa linha sonora que resolveu seguir?

Como DJ é muito difícil para mim apresentar um set que percorre apenas uma vertente musical. Gosto muito de jogar com estilos diferentes e buscar reações diferentes do público. Acho que isso também reflete nas minhas produções. Apesar do meu processo de pesquisa ser bem consciente, o momento de produzir é onde todas essas diferentes referências se encontram de forma espontânea dentro de um tune de seis minutos. É muito comum eu começar um projeto que inicialmente parece um House e eu pensar “opa, isso daria um ótimo digi reggae se eu adicionar um órgão e baixar o BPM”. E assim essas linhas vão se misturando. Vai muito do que eu possa estar escutando mais no momento. Essas tracks foram todas produzidas há no mínimo um ou dois anos.

Tive o prazer de ver uma apresentação sua com sua parceira de cabine e vida Carlim, na Gop Tun, em 2019, e achei muito legal o dinamismo e diversidade sonora que vocês levaram à pista. Conte-nos um pouco sobre essa partilha musical e profissional com a artista. 

Nossa relação começou trocando música pelo Spotify. Todo dia o que um encontrava ia lá e mostrava para o outro. Por nossos gostos serem muito parecidos, esse foi um hábito que se mantém até hoje. A Carlim é a única pessoa com quem divido os decks com total segurança porque, além das nossas infinitas afinidades, confio totalmente no senso musical dela. Nosso dia-a-dia ainda é repleto dessas partilhas musicais de tudo que é tipo de gênero, tanto que em breve vamos iniciar uma transmissão quinzenal para compartilhar essa troca e também dançar um pouco (algo que eu sinto uma falta enorme), mesmo que no nosso estúdio.

Considerando o que ouvi naquele dia na Gop, quero fazer uma pergunta sobre sets e versatilidade: como trazer diferentes referências e estilos para um set e mesmo assim trazer uma certa coerência nessa construção?

Acho que a resposta prática seria prestar atenção na energia que cada música tem e nos elementos em comum que ela pode ter com outras músicas. Duas músicas de gêneros diferentes podem trazer a mesma energia, ou uma timbragem semelhante que faz com que essa transição seja mais sutil. Para mim no final é um eterno teste e erro, e uma vontade de arriscar também e ver o que funciona. Quando vejo um set, eu espero que o DJ me surpreenda e me leve para lugares diferentes. É um pouco o que busco fazer.

Não podemos deixar de mencionar este período conturbado que estamos passando. Um ano sem eventos e o panorama não é positivo ainda para nós. Como você lidou com esse ano que passou? De alguma forma isso impactou sua rotina no estúdio e criatividade?

100%. O que no início achei que poderia ser um momento de me concentrar mais na música pelo aumento do meu tempo livre acabou durando um mês. O primeiro ano não foi tão criativo assim e as horas no estúdio acabaram servindo mais de terapia e meditação do que produção. Produzi muitas coisas aleatórias mas que totalmente fugiram da minha proposta sonora. Acho que foi uma maneira de passar o tempo e segurar a ansiedade no meio de problemas financeiros, etc. Hoje já me encontro em um estágio um pouco diferente, retomando as pesquisas e conseguindo retomar a produção dentro da rotina.

E para 2021, teremos mais novidades?

Certamente. Além de algumas produções com Gabto, ainda estou desenvolvendo um outro projeto para explorar outras sonoridades. Junto com isso, desenvolvo um projeto chamado Paloma com outro produtor, o Ccccchaves, numa pegada bem House com forte influência dos anos 90. Tem um álbum que era para ter saído a 1 ano e que estamos penando para finalizar, mas ainda este ano sai.

Para finalizar, uma pergunta tradicional do Alataj: o que a música representa em sua vida?

No presente momento, a música é uma enorme saudade e um dos únicos alívios.

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