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A música conecta

Alataj entrevista Hannes Bieger

Hannes Bieger é uma daquelas figuras que sempre está cercada por muitos equipamentos e artefatos complexos, devorando conhecimento. Não é pra menos, já que esse parece ser o habitat natural dos engenheiros de som, que adoram destrinchar esse universo tão técnico e que vez ou outra, somam isso à complexidade de suas mente e acabam por fazer música.

Para quem não sabe, Hannes é um dos engenheiros de áudio mais requisitados da Europa na música eletrônica e possui possui uma vasta lista de clientes, nomes fortes do House e Techno, como: Marcel Dettmann, Ben Klock, Steve Bug, Mano Le Tough, Tale of Us e Gui Boratto e já fez colaborações para a turma responsável pelo Ableton. Not bad.

Não é exagero chamá-lo de gênio. Além de ser uma referência de peso no que faz, Hannes já teve dois projetos musicais no passado: Airmate e Llava. Depois de 11 anos envolvido com mixagem e masterização, decidiu retomar as atividades como produtor e DJ com entusiasmo renovado, sem contar toda a bagagem absorvida ao trabalhar com os grandes nomes do meio.

De cara, já lançou um EP em 2017 pelo selo de Steve Bug, a Poker Flat, e dali em diante iniciou uma sequência de releases todos bem abarcados por gravadoras como a Bedrock, do mestre John Digweed, e Flying Circus, do duo Audiofly, seguindo muito bem avaliado a cada release.

Não demorou muito para trazer toda essa inteligência para um live act, já que nesses anos todos trabalhando no ramo foi adquirindo uma coleção seleta de sintetizadores e possui muita intimidade com eles. Hannes faz tudo isso sem deixar as atividades como engenheiro de som de lado. Conversamos com ele sobre sua história, carreira e muito mais, num papo bem bacana que você confere agora:

Alataj: Olá Hannes, tudo bem? Obrigada pela oportunidade. Bom, você é considerado uma referência mundial em termos de engenharia de áudio e, como nos clássicos começos, você caiu na música muito cedo, tocando em bandas. Como foi essa história com a música até a engenharia de som e como e quando você percebeu que tinha se encontrado na música eletrônica?

Hannes Bieger: Olá! Eu estou bem, espero que vocês também estejam – obrigado por falarem comigo! Eu me interessei por música praticamente toda a minha vida. Felizmente meu pai me deixou mexer em seus discos, então eu passava tardes inteiras com fones de ouvido na frente do aparelho de som quando eu tinha seis anos. Escutava repetidamente. Comecei a tocar guitarra aos dez anos e fiz meu primeiro show com uma banda aos 14 anos. Naquela época eu estava interessado em sons eletrônicos e também em cortar esses sons. Trabalhei feriados para comprar pedais de efeitos como pedal de distorção, wah wah, pedal oitavador, chorus e afins, e fiquei fascinado com o que poderia fazer com eles. Também escutei muito o Pink Floyd e fiquei fascinado com os samples, tape loops, os delays, os synths, mesmo antes de poder nomeá-los ou até mesmo saber como esses efeitos foram feitos. Em meados dos anos 90 comecei a experimentar uns sintetizadores e samplers e ficou claro desde o início que esse era o futuro. Eu entrei no Trip Hop, Broken Beat, esse tipo de coisa. O bassline só entrou na minha vida no final da década, quando me mudei para Berlim.

Depois de algum tempo trabalhando nos “bastidores” você decidiu retomar seus antigos planos e lançar sua própria carreira artística em 2017. O que te motivou e inspirou a dar esse passo?

Meu tempo nos bastidores foi planejado apenas como uma pequena pausa. Eu não planejava ou esperava que fosse tão longo em primeiro lugar. Inicialmente eu só precisava de um pouco de tempo de recalibração porque havia produzido dois álbuns completos em 18 meses em 2005/2006 e me senti criativamente exausto. Mas então fiquei tão ocupado com a mixagem que nunca achei tempo e energia para voltar à produção, embora eu sempre soubesse que isso aconteceria em algum momento. Então um dia adquiri o Moog Modular, que é uma história engraçada por si só como isso aconteceu e, naquela época, o momento “agora ou nunca” estava lá. De repente havia muito potencial criativo bem na minha frente, muito para ignorá-lo, então comecei a fazer as coisas novamente, e então esse potencial criativo meio que aumentou rapidamente …

O que se nota pelas suas conquistas nesses últimos três anos, como por exemplo os lançamentos pela Bedrock e seu EP Chemistry, é que toda bagagem técnica que você adquiriu tornou o processo mais fluido. Você sente isso? A experiência e até mesmo convivência com grandes nomes da música deixou tudo isso mais fácil na sua cabeça?

Claro! Tendo trabalhado com tantos artistas em todo o espectro, de iniciantes a superestrelas e em vários gêneros, não apenas a música direcionada aos clubs, certamente me fez um produtor melhor. Eu vejo isso como uma série bastante interminável de estudos de caso, tantos exemplos de grandes produções ou de problemas que precisavam ser resolvidos de uma maneira que me sinto privilegiado por ter todas essas ideias. Não são apenas os “grandes nomes”; às vezes há mais a ser aprendido no projeto de um iniciante. Mas é claro que é uma indústria de fama no final de tudo e parte disso é ter seu nome por aí, sendo reconhecido. Isso não é bom ou ruim, é apenas como a indústria da música funciona. Tenho certeza de que, além de ganhar conhecimento, isso também me ajudou a ganhar uma reputação mundial como engenheiro. Mas isso também significava que eu queria ser cuidadoso, não queria pôr em risco essa reputação com algumas tentativas pela metade de criar faixas próprias. Muitos amigos da indústria estavam constantemente me pressionando e me pedindo para criar novas faixas e eu sabia que haveria alguma expectativa uma vez que eu me jogasse no ringue novamente. Tentei me libertar disso o máximo que pude, mas certamente senti alguma pressão.

E quando você vai para o estúdio criar suas músicas, o que te traz inspiração? O que você escuta e gosta na música eletrônica e fora dela?

Eu tento ser influenciado pela música eletrônica o mínimo possível! Às vezes, o jogo é muito auto-referencial e se concentra demais no que está quente no momento e qual será o próximo hit. Este é um cálculo simples no final e é muito chato para mim! Prefiro criar algo que realmente me inspire. Eu faço música por razões muito egoístas, se você quiser colocar assim, porque eu amo música e o sentimento de alegria quando a faço. Esta é a minha força motriz e é a maioria das minhas faixas que criei a partir de um diálogo com meus instrumentos. O ciclo de feedback entre o artista e o instrumento sobre o qual Bob Moog (o inventor do sintetizador Moog) falou realmente é uma interessante! Comecei a ouvir e tocar rock, tenho uma enorme coleção de vinil composta principalmente por jazz, soul, bossa nova, algumas trilhas sonoras de filmes, principalmente da época entre o final dos anos 50 e meados dos anos 70. Eu amo reggae, roots reggae, o tipo que é basicamente soul com um groove diferente, e muito mais além disso. Eu amo o Techno porque é tão hipnótico – se é um Techno de qualidade – mas essa é realmente apenas uma parte do meu espectro musical.

Recentemente você lançou o EP Poem for the Planet com a Ursula Rucker. A faixa tem 11 minutos de pura intensidade. Essa é a linha de som que mais te satisfaz em termos de criação ou você flerta com outros mundos também?

Às vezes é difícil colocar minha música em categorias porque muitas vezes está na “terra de ninguém” entre o House e o Techno. Às vezes eu tento fazer Techno e depois me concentro mais nos sintetizadores do que na bateria e de repente as pessoas dizem que é House Progressivo e não Techno. Não gosto quando House é obviamente muito funky e não gosto quando o Techno é muito forçado, áspero ou dark. Eu acho que, muitas vezes, você pode ouvir quando os produtores estão tentando empurrar suas músicas em uma direção em que a própria música não quer ir. Eu tento evitar ao máximo que posso e deixar a própria música decidir para onde ela quer ir — é o que você ouve quando ouve minhas faixas. Nesse sentido, Poem for the Planet é um bom exemplo do que estou fazendo: possui elementos de House e Techno, possui muitos sons de sintetizador ousados, é orgânico, não é seguro e tem vocais incríveis. Eu acho que esses aspectos definem meu som muito bem em geral, embora eu tenha feito uma faixa que é bem Deep House este ano e também outra que é bem estrondosa num Techno a 129 bpm. Simplesmente me recuso a restringir demais meu espectro, embora exista um certo ponto ideal que eu acrescentaria ao meu set ao vivo e essa categoria provavelmente seja melhor descrita como Melodic House & Techno de fato…

Você sido bastante ativo em suas redes com mensagens positivas de conscientização sobre esse processo que estamos vivendo. Você usou a frase “The crisis doesn’t change who you are, it reveals who you are”. Esse processo tem sido mais profundo para você como ser humano?

Bem, como um ser humano que pensa e se sente, não há escolha! Te afeta de alguma maneira, quer você queira ou não. Postei essa citação e é uma variação do ditado de Michelle Obama. Ela disse originalmente: “A presidência não muda quem você é, revela quem você é”. Tive a sensação de que se encaixava muito bem nessa situação e, desde então, provou ser muito mais do que eu pensava no começo. Tanto no nível profissional como no pessoal, experimentei os dois lados, embora deva dizer que o lado positivo vence até agora, por uma margem esmagadora. É ótimo ver quantas pessoas estão alcançando, em um nível pessoal, o quanto elas se importam, e talvez isso acabe gerando mais entendimento mútuo, uma sensação melhor de todos nós estarmos juntos no mesmo barco.

Acompanhando suas redes, vimos que você está elaborando uma série de vídeos com o nome “Hannes’s Homework”, onde tem falado sobre diversos temas que englobam o mundo da produção. Como surgiu essa ideia? Tem algum conselho que você daria aos nossos leitores que estão começando sua carreira como artista?

Por conta do COVID 19 fiquei preso em outro país durante minhas viagens e queria aproveitar ao máximo a situação. Eu também pensei que haveria muitas pessoas por aí com mais tempo que elas pensavam que teriam e, ao mesmo tempo, espero que toda essa situação aumente a criatividade. Minha ideia era ajudar um pouco as pessoas ao longo do caminho. Estou fazendo masterclasses o tempo todo, tanto no meu próprio estúdio quanto como parte da minha agenda de turnês, e sei o quanto as pessoas parecem valorizar minha opinião por todas as mensagens que recebo constantemente. Acho que temos uma responsabilidade um pcom o outro e eu estava plenamente ciente disso, não apenas desde o início da crise do corona. Vindo de Berlim, sair em turnê nunca significou para mim que eu desceria da “Mekka do Techno” para outras partes do mundo, ganharia meus cachês, os elogios e depois retornaria para minha torre de marfim. Não é assim que deve funcionar! Sempre foi importante para mim compartilhar meu conhecimento e levá-lo também para lugares que podem ser um pouco mais remotos no mapa internacional da música. Por exemplo, fiz duas longas turnês de masterclass pela América do Sul e a primeira delas antes de começar a tocar novamente. Como agora estou de castigo, como todos os outros, pensei que “Hannes’s Homework” seria uma ótima oportunidade para tentar apoiar as pessoas e animar um pouco as pessoas nas minhas redes sociais. Acho que até agora funcionou lindamente!

Este momento de reclusão provavelmente trará algumas mudanças no cenário da música eletrônica, até mesmo na maneira de enxergar música. De alguma forma estar recluso já te impactou pessoalmente ou profissionalmente? Quais são os planos, ou talvez novos planos, para Hannes Bieger em 2020? 

Acredito que sim! Até agora ainda estou tentando me organizar com a situação, conversando com minha agência, adiando shows, me estabelecendo na nova realidade. No momento ainda estou em quarentena obrigatória e em casa. Por causa das minhas viagens recentes, tenho que ficar aqui dentro e nem posso ir ao estúdio. Mas, em algum momento, espero poder retomar à música no mesmo nível em que estava no ano passado. Em 2019 terminei mais de 20 novas faixas, então já há muitas coisas em andamento, incluindo meu álbum no Awsome Soundwave, que será lançado em maio. Tenho certeza de que lançarei outro álbum agora, será uma colaboração, mas não direi com quem até que tenhamos os primeiros resultados. Eu também mudarei meu estúdio no verão e isso significa que eu terei que construir um novo estúdio. Isso será empolgante e, se tudo correr como planejado, será ainda melhor do que o meu espaço atual.

Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?

Simplificando, é uma das poucas constantes na minha vida que sempre esteve e sempre estará lá!

A música conecta.

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