Ter a possibilidade de entrevistar Kevin Yost é realmente um privilégio. Afinal, pode-se dizer com tranquilidade que trata-se de um gênio da música. DJ, produtor, compositor, colecionador de discos, pesquisador fora da curva, multi instrumentista, multifacetado e daqui pra frente só viriam adjetivos que até poderiam parecer exagerados, mas não, Yost é realmente um gigante e não é preciso se aprofundar muito em sua história e trabalho para perceber isso.
Envolvido com a música eletrônica desde os anos 80, o americano é hoje uma das figuras mais respeitadas do cenário conceitual da House Music por sua precisão enquanto produtor e DJ. i! Records, Lost & found, Mobilee, Dessous Recordings estão entre as gravadoras que já lançaram seus trabalhos, e mais de 25 países ele percorreu levando DJ sets de altíssima qualidade. Kevin também é reconhecido por produzir através de outros nomes, um deles muito reconhecido: Peter Funk, pseudônimo através do qual lançou relevantes faixas que estão até hoje no case dos maiores artistas do estilo.
Colocar perguntas para alguém que se admira tanto não é um trabalho muito fácil, já que a intenção é sugar o máximo que se pode do artista. Um pouco de história, um pouco de trabalho, um pouco de percepções para o futuro e o resultado é uma entrevista engrandecedora e que merece toda a nossa atenção. Mais do que trazer suas ideias, Yost também nos presenteou com um mix para o Alaplay, que já está disponível e apenas confirma sua competência artística. Então aperte o play e boa leitura!
Alataj: Olá Kevin, tudo bem? Muito obrigada por conversar com a gente! Nós sabemos que seu envolvimento com a música e instrumentos musicais provavelmente veio desde muito cedo, pois sua habilidade com eles é impressionante. Conte-nos um pouco mais sobre sua história com a música e quando você decidiu migrar para o universo da música eletrônica.
Kevin Yost: Desde que me lembro eu gostava de música. Comecei a tocar bateria quando era muito jovem e quando fui crescendo, por volta dos 13 anos, fui apresentado ao mundo da discotecagem e comecei a fazer festas de aniversário e bailes na escola. Nessa época também fui apresentado à House Music. Eu conheci um amigo que tinha uma bateria eletrônica Roland 505 e isso despertou minha imaginação para começar a fazer música. Eu estava tão inspirado neste momento da minha vida com tantos tipos diferentes de música que eu estava descobrindo, e a ideia de realmente fazer o meu próprio era um sonho que se tornou realidade. Foi um processo lento. Nunca sonhei que estaria onde estou agora. Na época, eu estava muito feliz por estar vivendo aquele momento.
Recentemente assistimos um vídeo através do Traxsource onde você está fazendo uma Jam em seu estúdio. Essa dinâmica entre instrumentos orgânicos e equipamentos eletrônicos compõe seu workflow a todo momento ou você também trabalha de outras formas na hora da criação musical?
Realmente depende do que estou trabalhando no momento. É sempre bom adicionar um pouco de percussão ao vivo à música eletrônica porque dá um toque mais humano.
A gravadora i! Records acabou se tornando seu mother label, EPs importantes da sua carreira como One Starry Night, Road Less Traveled. além de muitos outros foram lançados por ele. Como esse relacionamento começou? Como você avalia a importância da gravadora para o desenvolvimento de sua carreira?
Depois de anos fazendo faixas de House ,por volta de 1995, finalmente decidi enviar uma fita demo para algumas gravadoras que eu realmente gostava na época. Foi quando a i! Records me contatou e começamos nossa longa colaboração, que continua até hoje. Diz muito o fato da gravadora existir desde o início dos anos 90 e continua sendo uma presença forte na cena da House Music. Definitivamente devo meu sucesso à i! Records.
Além de DJ e produtor musical, você também trabalha compondo trilhas para filmes, que acreditamos possuir um processo criativo diferente. Essa linha do seu trabalho surgiu ao longo dos anos ou trabalhar com trilhas sonoras já era algo que você almejava em sua carreira? Consegue nos contar o que mais te atrai nesse tipo de trabalho?
Música e filmes sempre foram algo que eu quis fazer, mas é difícil dedicar um tempo para me concentrar totalmente nisso porque as coisas estavam muito ocupadas com a House Music. Na indústria da House Music você nunca pode dar um tempo, especialmente com tantas pessoas dançando e fazendo música hoje em dia, você tem que estar sempre se esforçando para se manter relevante. Então a coisa de música para trilha sonora é um novo animal para mim, digamos. O processo é muito diferente e eu consigo usar muito mais cores e ambientes com a música. Quando a pandemia aconteceu, eu realmente decidi dar mais atenção a fazer trilha sonora para filmes. Não consigo explicar em palavras a atração que sinto por isso. Sempre que estou trabalhando em alguma coisa é como ser uma criança no Natal. É algo que gosto muito. Estudei composição de música clássica na escola e finalmente sou capaz de usar o que aprendi ao fazer a trilha sonora de um filme.
Você atende por diferentes aliases, mas um em especial nos chama muito a atenção que é o Peter Funk, não apenas porque é um de seus projetos que mais admiramos, mas também porque percebemos que você também produz através do nome Kevin Yost & Peter Funk. Isso nos deixou curiosos, pois dá a entender que haveria uma segunda persona neste projeto. Conte-nos um pouco mais sobre isso. Você tem planos de lançar mais trabalhos por ele?
Peter Funk era um pseudônimo que inventamos na época para lançar um som mais ousado. Acho que ainda é uma prática comum para produtores e DJs explorar novos sons sem confundir sua base de fãs original.
O universo da música é um ambiente de muita troca e descobertas constantes, desde novos estilos musicais, equipamentos, artistas e assim por diante. A música eletrônica mudou muito nos últimos anos e hoje abrange muitas possibilidades sonoras. Como você avalia o momento em que vivemos agora? Você tem acompanhado novos talentos ultimamente? Se sim, pode nomear alguns?
Eu descobri que se eu seguir a constante mudança e mudança rápida da cena da House Music, isso realmente diminui minha produtividade. Há tanta coisa acontecendo e tantas pessoas fazendo isso que é impossível seguir tudo e para mim ser produtivo é ter novas ideias. Infelizmente, muitas das músicas se tornaram “copia e cola” e menos pessoais, então ficou mais difícil encontrar músicas que realmente me interessam. Há muitos talentos incríveis por aí, mas às vezes isso passa despercebido pelo afluxo de lançamentos e incontáveis nomes envolvidos agora.
Sabemos que você é um grande colecionador de vinis e a arte da pesquisa neste universo é algo apaixonante. Você ainda mantém essa cultura das lojas de discos? Tem alguns em especial que foram marcantes em sua história? Pode nos citar?
Nem tanto House Music, porque minha coleção já é muito grande, mas adoro procurar Jazz, Clássica e minha coleção da New Wave dos anos 80.
Não podemos deixar de comentar sobre o momento em que vivemos atualmente. A crise do Covid-19 afetou os profissionais do entretenimento das mais diversas formas, trazendo momentos de reflexão, criatividade e também preocupação. Como você está lidando com esse momento? Você acha que teremos grandes mudanças em nosso cenário quando retornarmos?
Acho que qualquer pessoa que confia na música para ganhar a vida está familiarizada com os desconhecidos do mundo e não sabe quando o próximo show ou pagamento está chegando. Portanto, desta forma, para mim, sempre vivendo na incógnita, a crise do Covid-19 tem sido um grande choque. Acho que muita coisa vai mudar com a cena e acho que veremos quem estava fazendo isso de coração pelos motivos certos. Espero que muitas pessoas que começaram a se envolver porque estava na moda passem para outra profissão ou pelo menos voltem para a pista de dança quando as coisas voltarem ao normal. Acho que os verdadeiros artistas sempre sobreviverão e estarão aqui, mas estou preocupado que os locais que nos contratam serão capazes de esperar sem falir. No entanto, a melhor coisa a fazer é permanecer positivo e seguro e, quando chegar a hora, podemos reconstruir. Espero que desta vez com mais luzes na pista de dança do que no DJ na cabine.
Mesmo com essa pausa no nosso cenário, temos acompanhado muitos lançamentos que vieram a partir do isolamento e, sendo assim, muito tempo dentro do estúdio. E do Kevin Yost, podemos esperar novos projetos musicais em um futuro próximo?
Estou sempre criando e tempos como esses, por mais desconhecidos que sejam, é o melhor momento para criar. Tenho muitas coisas em andamento, a maioria delas fora do gênero House.
Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?
Bem, a palavra música tem muitas coisas envolvidas. O ritmo é como uma batida do coração, necessária para que eu viva, e a melodia é como me comunico e me expresso. Então, se você realmente for fundo, poderá entender como a música é primordial para mim e para todos. Eu mesmo não veria razão para viver se não fosse por sonhar, criar e ouvir música.
A música conecta.