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A música conecta

Alataj entrevista Márcio Lomiranda

Por Caio Stanccione em Entrevistas 26.05.2021

Quem aqui não sabe cantar de cor e salteado a trilha sonora do clássico da TV, A Grande Família? Ou então nunca se deliciou ouvindo os arranjos que Gal Costa, Ney Matogrosso, Alceu Valença e tantos outros ícones da nossa música tem? Assim como Lincoln Olivetti, outros músicos arranjadores foram responsáveis pela implementação do sintetizador na Música Popular Brasileira e, hoje, o Alataj teve a chance de entrevistar uma dessas peças fundamentais para o que vivemos.

Márcio Lomiranda é tecladista, arranjador, instrumentista, compositor de trilhas sonoras e um exímio conhecedor do som eletrônico que as máquinas podem produzir. Com uma carreira ativa desde a juventude, onde teve bandas e tocou com grandes músicos, foi responsável por arranjar e participar de álbuns de artistas renomados e também ser compositor de trilhas sonoras da TV Globo há mais de duas décadas. 

Mas para você conhecer esse artista que talvez esteja fora do seu radar, confira o bate-papo que tivemos com ele.

Alataj: Olá, obrigado por falar conosco! A música é algo que lhe acompanha desde os primeiros anos de vida, correto? Quais são suas primeiras lembranças envolvendo você e a música? Como tudo começou? 

Márcio Lomiranda: Olá, obrigado pelo convite! Eu nasci em Belo Horizonte mas fui criado em Divinópolis, interior de Minas, onde morei até a adolescência. Quando tinha cinco anos, meus pais me deram de presente um piano. Meio a contragosto, tive aulas de piano desde então. Fui levado principalmente pela minha mãe que era ótima ouvinte e bem persuasiva! Sem saber, ela estava me dando um ofício pra vida toda. Não me lembro de nenhum momento da minha vida em que a música não estivesse comigo.

Pode-se dizer que com sua mudança para Belo Horizonte, onde você cursou Regência pela UFMG, foi um divisor de águas para o caminho que você iria trilhar? Conta pra gente como foi atuar na noite da capital mineira dos anos 70.

Sim, embora tenha frequentado a faculdade de Regência e Composição, não cheguei a me formar. Acabei abandonando o curso pela metade. A coisa da música acadêmica sempre foi deixada meio em segundo plano. Foi uma escolha de caminho natural. Sempre fui mais ligado no ato de criar fora de parâmetros teóricos, procurando novas maneiras de fazer um som. Naquela época, anos 70, equipamentos eletrônicos eram praticamente inacessíveis no Brasil, sobretudo em Minas. A gente ouvia os sintetizadores nos discos e tinha que ficar inventando. Eu gostava de colocar pedais de guitarra no órgão, único instrumento eletrônico ao qual eu tinha acesso na época. Por outro lado, fui pai aos 20 anos e como já tocava em bandas de garagem desde adolescente e participava de conjuntos de baile na minha cidade, a opção de tocar na noite ou eventos veio naturalmente e assim a música foi virando profissão.

Nos anos 80 você acompanhou grandes artistas da nossa música como Ney Matogrosso e Alceu Valença. Conta pra gente como foi se apresentar na primeira edição do Rock In Rio junto a Alceu?

Me considero um cara de sorte pois logo após ter chegado ao Rio no final de 78, meu conterrâneo Tulio Mourão me indicou para substituí-lo na banda de apoio do Ney no show Feitiço e foi um start super importante pra entrar no mercado da música naquela época. A partir  dessa primeira experiência, fui virando músico acompanhante, tecladista e ainda na década de 80, após Ney, vieram Alceu, Luiz Caldas, Sérgio Dias e Rosana e mais tarde, na década de 90 Marina Lima. Participar do primeiro Rock in Rio com Alceu foi inesquecível. Foram duas noites com as maiores plateias que já tinha visto até então. Tocar naquele palco com o equipamento de PA e monitor de altíssimo nível foi um marco para todos os brasileiros que participaram. A partir dali, tudo mudou no showbiz brazuca. As companhias de áudio e luz tiveram que dar um super update e nada mais foi como antes! Foi um marco em todas as áreas, coincidindo com a mudança na lei de importação de instrumentos. Foram mudanças importantes para todo o mercado musical.

Além de acompanhar grandes nomes, você também participou da gravação de muitos discos que hoje são considerados marcos na nossa música. Ser músico de estúdio era uma meta para você ou foi algo que aconteceu naturalmente?

Pois é, músico de estúdio nunca foi uma meta, mas percebi que aquilo seria o meu futuro, foi mesmo por necessidade de sobreviver, meu quarto filho tinha acabado de nascer  e logo após parar de tocar com a Rosana, tirei um ano sabático, sem shows, me dedicando a dominar a técnica de gravação disponível na época e fazendo arranjos e gravações no home estúdio do Sérgio Dias, com quem tive o prazer de tocar e aprender muito. Na verdade, apesar de não ter sido uma meta, isso também me dá muito prazer, afinal tudo o que envolve música me emociona.

Indo para um papo mais geek, como foi se encontrar sonoramente falando nos sintetizadores? É sabido que nem todos gostavam dos timbres vindos de pianos elétricos e sintetizadores no final da década de 70 e início da década de 80. Você chegou a encontrar empecilhos dentro e fora de estúdio por conta do preconceito que os sintetizadores sofriam na época? 

Preconceito contra ferramentas novas de fazer música sempre existiu e acredito que isso foi acabando com o avanço da tecnologia e a democratização do acesso. Claro que muita gente se lambuzou nessa época com a quantidade de novidades e facilidades. Infelizmente nem todos sabem o que fazer com tantas opções e a quantidade de lixo musical também aumentou. Mas eu defendo a liberdade de expressão, de estilos e acho que tem espaço pra todo mundo e quando incomoda é só saber onde fica o botão de desligar e Tá resolvido! Vez por outra, me incomodava com o que era muito comum na linguagem dos críticos “os teclados pasteurizados”, mas no geral, não sofri preconceitos. Nos anos 80, não me sobrava tempo para desenvolver meu próprio trabalho, era todo o tempo voltado para as viagens, os trabalhos dos artistas com quem eu tocava, gravações, enfim… nem tive a chance de ser assim tão criticado.

Qual sintetizador você considera mais importante dentro da sua carreira e por quê? Você ainda o tem?

Meu primeiro foi o Mini Korg 700. Foi se acabando com o tempo e há alguns anos acabei achando outro igual e ainda o uso. Com ele gravei muita coisa do Alceu ,Ney e etc. É um sintetizador monofônico bem aquém do Minimoog, mas é muito bom também. Se tratando de Minimoog eu usava o de Sérgio Dias quando trabalhava em seu home studio. Hoje em dia tenho meu Voyager. 

Junto a Guto Graça Mello, você arranjou e tocou em álbuns de artistas como Milton Nascimento, Gilberto Gil, Ivan Lins para citar alguns. Como se desenvolveu essa parceria com Guto? Vocês ainda trabalham juntos? 

Conheci o Guto por intermédio do Sérgio Dias, e em 1990,  quando comecei a acompanhar a Marina Lima, ele me convidou pra trabalhar com ele em seu home studio, algo que sempre foi genial. Tive o  privilégio de trabalhar por mais de 10 anos aprendendo muitíssimo. Ele produzia e eu arranjava, fizemos uma boa dupla e gravamos nessa época gente de todos os estilos, Cassia, Zélia, Sandy e Junior, Sandra de Sá,  enfim, foram anos de alta produção fonográfica e a lista é muito grande e variadíssima! Com o aumento do meu trabalho na produção de trilhas para TV saí do estúdio do Guto, mudei para meu próprio espaço, mas continuei fazendo trabalhos esporádicos com ele e temos muito carinho e respeito um pelo outro, estamos sempre em contato. 

Casseta & Planeta, Sai De Baixo, A Grande Família e mais uma infinidade de programas da TV Globo tiveram suas trilhas sonoras produzidas por você. Conta pra gente como você foi parar na TV Globo como compositor de trilhas. 

O Mu Carvalho, que já trabalhava como produtor musical na Globo e que já tinha sido meu companheiro de palco nas bandas da Marina e da Rosana, me contou que haveria uma vaga para produtor musical e perguntou se eu queria me candidatar a ela fazendo um teste com o Mariozinho Rocha, diretor musical da Globo na época, com quem eu também já tinha trabalhado. Sob sua produção na Polygram, eu e Paulo Rafael arranjamos duas faixas do disco Profana, da Gal Costa, a faixa Mistérios da Meia Noite, do Zé Ramalho, e o álbum Água e Luz, de Amelinha, entre outros. Isso foi em 1997 e estou no audiovisual há quase 25 anos e é um universo fascinante, onde dá pra misturar o ritmo industrial da TV com a arte. Sempre um desafio novo. Gosto muito de trabalhar com imagens. Acho que minha música sempre foi muito visual e por isso tem funcionado bem. Trabalhar com projetos variados, comédia, drama, suspense e infantil é muito estimulante.

No ano passado você lançou dois singles, Palhaço e Para Sandoval, ambas com personalidades distintas. Podemos esperar algo mais eletrônico num futuro próximo?

Palhaço foi um convite de um amigo de longa data, o Nuno Mindelis, grande guitarrista de blues. Durante esses anos sempre toco alguma coisa em discos dele e regravar Egberto, um de meus mestres, foi uma alegria imensa. 

Para Sandoval é coisa antiga, compus em um quarto de hotel em Havana quando fui com Alceu para o festival de Varadero, em 1985. Após assistir chapado à apresentação de Arturo, esse monstro do trompete, e depois de alguns mojitos, compus o tema inspirado naquele clima da ilha. Guardei  por todos esses anos até que meu filho Pedro Coelho, meu atual produtor, me convenceu a registrá-la. Convidei o Cassio Cunha e o Fernando Nunes, dois grandes músicos e amigos, e ficou muito bom. Mas a onda fusion, Jazz, não é muito minha praia, embora goste de me arriscar de vez em quando em estilos que curto mais ouvir que tocar. Nunca tive preconceitos. Gosto de experimentar! Tenho dois trabalhos eletrônicos prontos para lançamento. Eletroalma volumes 1 e 2, que são a continuação de minhas viagens solo que vem lá do meu CD Verdazul. Música visual, introspectiva, onde procuro mostrar meus medos, alegrias, angústias e a eterna procura de sons e tintas de novas cores! Chamo de meu “lado B” o que na verdade é A FACE mais real de minha personalidade.

Eu e Paulo Rafael, outro grande mestre e parceiro, meu irmão na música, com quem já tive duas bandas de Electro Rock, Rútila Máquina (com Tonia Schubert nos vocais) e Eletro Fluminas (com Taryn Szpilman nos vocais), estamos lançando agora uma série de singles do nosso novo trabalho, Eletro Fluminas 2. Duas faixas inclusive já estão disponíveis nas plataformas: Assum Preto, de Luiz Gonzaga, e Sede, inédita nossa. Esse é um projeto de música instrumental, nossa velha mistura de eletrônica e guitarras com gente querida como Junior Black, Renata Gaspar, Verônica Debom, Tavinho Paes, Anselmo Vasconcellos, entre outros, declamando poemas de uma maneira bem especial. 

Para finalizar, uma pergunta sempre fazemos aos nossos convidados. Qual o significado que a música tem em sua vida? 

A vida não faria sentido pra mim sem a música. É tão vital quanto comer, beber, dormir e respirar. Não me entendo sem ela!

A música conecta. 

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