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A música conecta

Alataj entrevista Rick Wade

Por Laura Marcon em Entrevistas 07.04.2020

Considerado um dos maiores representantes do cenário de Detroit e especialmente do Deep House na história do gênero em sua história e até hoje, Rick Wade é um oásis para os ouvidos, tanto como DJ como produtor. Sua trajetória é tão suave e natural quanto sua capacidade criativa, sua contribuição com a música carrega o prestígio dos nomes e labels mais respeitados da cultura eletrônica.

Quando falamos em contribuição também ressaltamos seus trabalho enquanto fundador e administrador de duas gravadoras, Harmonie Park também Bass Force, as quais, cada uma em seu gênero, mostram um trabalho consistente quanto ao seu objetivo de difundir boa música, a que vem do coração. É neste sentido que ele também atua como produtor, já que como ele mesmo nos conta, trabalha livremente em relação às suas criações. Prova disso é sua nova faixa Techcreep, que será lançada no dia 10 de abril de 2020 pelo selo Moteur Ville Musique e conta com remixes Christian Burkhardt, Jay Tripwire e J Gabriel & Silent Revolt.

Com tantos anos de estrada, Rick definitivamente tem muitas histórias e ensinamentos para passar pra frente. Essa era nossa expectativa quando o convidamos para esta entrevista e foi exatamente o que ele nos entregou, uma conversa sincera, de boas memórias, momentos marcantes e arrependimentos ao longo de sua carreira, um prato cheio para quem gosta de conhecer mais sobre grandes lendas da música eletrônica.

Alataj: Olá Rick, é um grande prazer falar contigo. Você é sem dúvidas um dos grandes nomes do cenário de Detroit, cidade realmente importante para a cultura eletrônica no mundo. Conte-nos como foram seus primeiros passos com a música. Quando você percebeu que poderia fazer dela sua profissão?

Rick Wade: Quando comecei a fazer House Music, não era com a intenção de lançar ou vender essa música, eu estava simplesmente fazendo faixas para incluir nos shows que eu estava fazendo na rádio naquela época. Foi Dan Bell quem me convenceu a começar a lançar as minhas faixas em vinil. Dan e eu estávamos na minha casa, apenas relaxando, ouvindo um dos meus shows de mixagem e minha faixa “Nothing to Fear” começou a tocar. Dan pediu de quem era a faixa e eu disse a ele que era apenas algo que eu fiz para o show e Dan disse que ela era muito melhor do que o ghetto-tech que eu estava tocando na época e que deveria me concentrar em criar e lançar House Music.

Eu disse a Dan que não sabia nada sobre o negócio e ele me disse que eu poderia apenas me concentrar na criação da música e ele cuidaria do lado comercial da concepção de uma gravadora. Foi nesse momento que a Harmonie Park Records nasceu. Quando o primeiro lançamento chegou às prateleiras das lojas ele recebeu uma ótima recepção e prensamos cerca de 4.000 unidades em sua execução inicial. Foi então que pensei comigo mesmo que seria capaz de ganhar a vida tocando e lançando House Music.

São quase 3 décadas dedicada à música e dentro dessa história você deve ter passado por muitas situações que lhe renderam grandes aprendizados. Tem na sua lembrança um erro e um acerto que cometeu que leva até hoje consigo? Quais são?

Um arrependimento meu é que antigamente eu não entendia nem apreciava o impacto internacional da minha música. Acredito que a falta de entendimento, desde o início, atrapalhou significativamente o meu crescimento na carreira. Por exemplo, esse primeiro lançamento foi muito popular no Reino Unido e na Austrália e eu recebia pedidos de bookings o tempo todo desses dois países, mas eu sempre ignorava os pedidos ou simplesmente ignorava as pessoas.

Tenho vergonha de admitir, mas naquela época eu tinha a mentalidade americana estereotipada da cidade pequena. Os Estados Unidos era o fim de tudo no mundo e eu não tinha vontade de visitar outro país ou me envolver com outras culturas fora do país. Como resultado, houveram muitas oportunidades perdidas, não apenas na carreira, mas também nas amizades. Ainda me peso até hoje quando penso em como eu costumava pensar de forma ignorante.

Você é apontado como um soldado do Deep House, emplacando diversos hits ao longo da sua carreira dentro desse estilo. Como aconteceu seu primeiro contato com a vertente? Quem são suas maiores inspirações?

Eu sempre gostei de música, mesmo quando criança. Lembro-me de assistir aqueles velhos policiais e programas de ação dos anos 70 com meu pai e simplesmente adorei as trilhas sonoras. Meu pai apenas sorria e ria se divertindo assistindo esses shows e acho que foi isso que solidificou meu amor pelas músicas de jazz no estilo disco e pelo Fender Rhodes. Além disso, eu cresci em uma pequena cidade do interior, não muito longe de Chicago, então eu tinha todas as estações de rádio e TV de Chicago e todos os dias eu me sentava com o velho rádio transistor da minha mãe ouvindo os programas de mixagem no WBMX e WGCI. As faixas de deep e disco que essas duas estações tocavam eram literalmente música-para-meus-ouvidos! LOL!

Num avanço rápido de alguns anos para meados dos anos 80, a House Music começou a aparecer nos mix-shows e eu instantaneamente me apaixonei por ela. Tarde da noite na sexta-feira, enquanto ouvia um mix-show, “Never No More Lonely”, da Fingers Inc. (Larry Heard) apareceu na rádio e até aquele momento eu nunca tinha ouvido uma faixa tão bonita. Tudo sobre ela, a melodia, as palavras, apenas ressoaram. Aquela faixa parecia um amigo próximo falando comigo. Foi realmente uma experiência que mudou a minha vida. Foi nesse momento que eu decidi que queria ser um DJ de mix-show e produzir música que ressoasse com as pessoas e provocasse o mesmo sentimento de alegria e companheirismo que eu estava experimentando sempre que ouvia aqueles mix-shows de Chicago.

Sua biografia conta que você tem uma relação muito profunda com o Hip-Hop, que foi crucial no início da sua carreira. Qual o impacto desse estilo musical com o house que você produz e é mundialmente conhecido hoje?

Além de incorporar algumas das técnicas de samples e sequenciamento em minhas faixas de disco, sinceramente não acho que tenha tido tanto impacto. Dito isto, pode haver um impacto no meu subconsciente.

No dia 10 de abril você irá lançar a faixa Techcreep pela gravadora Mouteur Ville Musique que possui uma atmosfera mais sombria se comparada a outras de suas criações. A track ainda vem acompanhada de 3 remixes. Como se deu o processo criativo dessa faixa e a escolha dos artistas para os remixes?

Quando criei essa faixa, comecei com a intenção de fazer uma produção “Rick Wade” no estilo fender rhodes. No entanto, quando começou a tomar forma, ela continuou me puxando em uma direção diferente, mais para o lado do techno. Assim o nome “Techcreep”, porque parecia que elementos do techno estavam lentamente entrando na produção. Quanto à escolha dos artistas para os remixes, essa foi uma decisão tomada juntamente com a label. Vou dizer que fiquei agradavelmente surpreendido com os remixes. Eles são todos muito bons e funcionarão bem em um set.

Você comanda duas gravadoras, sendo uma delas a Harmonie Park e também Bass Force. Qual é a distinção de sonoridade entre as duas? Trabalhar em um âmbito mais mercadológico da música mudou sua forma de enxergá-la ou produzi-la?

O Harmonie Park é um estilo de faixas deep e disco, enquanto o Bass Force traz um estilo Ghetto-Tech e Eletro. Com relação ao aspecto de marketing, isso não afetou minha maneira de produzir faixas. Minha filosofia sempre foi simplesmente produzir coisas que eu pessoalmente gostaria de ouvir. Não faria sentido para mim fazer o contrário.

Além da música, você também trabalha com artes visuais muito interessantes. Conte-nos um pouco mais sobre esse seu outro projeto. Essas duas expressões artísticas se entrelaçam na hora da criação?

Eu gosto muito de arte 2D e 3D, e também sou um grande fã de animes e videogames, portanto, quando não estou trabalhando com música, crio obras de arte e animações no estilo anime. Até criei e tive algumas das minhas músicas licenciadas especificamente para uso em anime japonês há algum tempo.

Também estou trabalhando em meu próprio projeto de videogame. Muitas vezes há uma interseccionalidade entre minha música e arte visual. Normalmente a música me inspira a criar imagens ou animações específicas que se encaixam na vibração da música ou são representações visuais reais da própria música.

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Tendo acompanhado o cenário de Detroit há muitos anos, você também presenciou muitas mudanças na cultura da música eletrônica em todos os seus aspectos. Como você enxerga essas transformações? Tem saudade de algo específico dos tempos passados?

Infelizmente a maior mudança que já vi foi a influência de relações públicas e marketing sobre a cena como um todo. O talento real tornou-se um “bom de se ter”, mas não uma “necessidade” no cenário atual. Uma pessoa pode se tornar uma “estrela” na cena musical simplesmente pagando pelo relações públicas e por algumas opções de redação e capas de revista. Quanto dinheiro uma pessoa pode gastar em relações públicas e fake likes é o maior fator determinante do sucesso.

Uma coisa que sinto falta do passado é a cultura da loja de discos. As lojas de discos eram mais do que apenas um lugar para comprar música. Eles eram um lugar de camaradagem, um lugar onde os DJs (independentemente de gênero ou experiência) socializavam, compartilhavam conhecimento e dicas do mercado sobre novas músicas, contavam piadas. Foi inestimável.

Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que é música para você? 

Ah, é aqui que eu vou dar uma resposta profunda e atenciosa. LOL! Infelizmente, isso é algo que nunca pensei. Para mim, a música é uma coisa linda que me faz feliz e me mantém sóbrio!

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