Por Francisco Raul Cornejo
Dentre um seleto grupo que logrou fazer uma transição harmoniosa entre cenas tão marcadas pela militância e bairrismo como o dubstep e o techno, Paul Rose provavelmente foi o que a realizou com mais elegância e consistência. Figura central da inovadora cena que se formou em torno da noite FWD em Londres e de alguns selos seminais como Tempa, Hyperdub, Tectonic e Hessle Audio, ele e seu próprio Hotflush ajudaram a redefinir os contornos da vanguarda musical britânica da época.
Agora como um dos mais celebrados baluartes do techno mundial e capitaneando um dos selos mais sólidos dos últimos anos, ele conversa um pouco sobre sua trajetória e suas empreitadas, ontem e hoje. Sempre um cara afável e generoso, seja pessoal ou profissionalmente, sua perspectiva sobre os cenários futuros e consciência do panorama presente são algo invejável e um tanto alentador em meio a tantas vicissitudes que permeiam a cena face a tanta popularidade que o gênero tem recebido ultimamente. Confira:
1 – Antes de tudo, um curiosidade: como é ter apreciadores mais jovens de seu trabalho que dificilmente devem ter alguma ideia do papel que você e o grupo em torno da Hotflush desempenharam em meio àquelas profundas transformações que ocorreram na música britânica em meados da década passada? Isto é um alívio ou algo de que se ressente em algum modo?
Creio que você se refere ao desenvolvimento do UK Garage em direção ao Grime e ao Dubstep que aconteceu entre 2001 e 2006. A Hotflush foi criada em 2003 então é justo dizer que estivemos envolvidos em tudo aquilo, mas sempre fomos um pouco deslocados do que estava em voga. Sempre fizemos nosso corre e quando me mudei de Londres para Berlim em 2007, já estava bem distanciado da cena inglesa na verdade. O que eu realmente quis conquistar quando me mudei para lá e fui gradualmente em direção a uma sonoridade mais europeia com o selo e minhas produções, era um independência com relação ao rótulo associado à Bass Music britânica, então se os novos fãs do que faço e de meu selo não têm ideia do que fizemos há 10 anos, por mim tudo bem.
2 – A Sub:stance, por outro lado, sempre pareceu fazer um esforço constante em unir diversas gerações de aficionados por baixas frequências. Qual era sua intenção desde o começo?
Fomos extremamente afortunados de poder realizar uma festa no Berghain por cinco anos e que, na verdade, mudou muito no decorrer desse período. Ela começou como um evento de dubstep propriamente dito, mas o tipo de som dentro desse gênero que não era muito conhecido fora do Reino Unido até então. Os americanos o transformaram nunca coisa enorme bem deles que não guardava muita semelhança com o original inglês. O que fazíamos na Sub:stance progrediu disto em direção àquela mistura com o techno que ganhou projeção mesmo em 2009 e da qual era muito empolgante fazer parte. Havia muita música interessante saindo dessa vertente das mãos de gente como A Made Up Sound, Shackleton, F e outros, mas não durou por diversos motivos. Quando chegamos ao fim em 2013, eu estava produzindo bastante house e tocando bastante desse gênero, além de um bocado de techno, então não fazia mais sentido para mim tocar uma noite focada em bass music. Mesmo assim, foi extremamente divertida enquanto durou e pode até voltar em algum momento… quem sabe?
3 – Certamente a vida na estrada traz oportunidades, como tocar em lugares como o D-EDGE no Brasil e em festivais de todos os tamanhos pelo mundo, porém você chega a sentir falta de ter uma residência fixa em um club?
Eu sinto sim um pouco de falta. Em 2016 fiz uma festa semanal por três meses num club de Londres chamado XOYO que foi muito legal. E ainda toco no Berghain umas quatro ou cinco vezes por ano, mas comandar seu próprio projeto é um pouco diferente. Contudo, talvez isso venha a mudar no ano que vem, há alguns planos potenciais em que estou trabalhando que podem vir a ser bem interessantes.
4 – E quanto a conciliar produção musical e turnês? É bem normal que as viagens cobrem um preço alto em termos de produtividade no estúdio, então você tem um método para equilibrar ambos? Você chega a elaborar ou finalizar faixas na estrada?
Este tem sido o maior desafio para mim nos últimos dois anos. Eu me mudei do meu estúdio em Berlim quando finalizei meu último álbum, Claustrophobia. Isto foi em outubro de 2014 e não tive um local de trabalho efetivo após isso até o final de 2016. Muitos DJs contornam esse problema seja fazendo música em seus laptops em trânsito ou mesmo através de meios menos honestos, mas eu não consigo. Eu preciso estar num lugar apropriado para produzir. Assim, passei a maior parte de 2017, até este momento, sem viajar, somente sentado em meu estúdio em Londres fazendo música. Levou algum tempo para me readaptar ao ritmo, mas finalmente estou criando coisas com as quais estou satisfeito e terei novos lançamentos em breve. Nunca mais quero ficar tanto tempo sem um espaço de trabalho real novamente, mesmo que isso signifique tocar menos a cada ano.
5 – Falemos agora da Hotflush então: parece haver um esforço incansável em revelar e promover novos talentos e isso acabou por se tornar um dos maiores trunfos do selo. Em meio a isto, como o primeiro EP da nossa querida Terr veio a se tornar realidade?
Ela é uma mulher muito talentosa, tem um ouvido apurado para melodias e seus vocais são muito singulares também. Nós estamos colaborando em uma faixa na verdade, uma que espero que saia ainda este ano. No que tange ao selo, eu peço demos com certa frequência e passo bastante tempo ouvindo uma por uma. Durante o ano passado encontrei excelentes produtores dessa maneira: Or:la do Reino Unido, TML dos EUA e Blursome, que está criando coisas fenomenais numa pegada quase Ambient no terreno da bass music. Encontrar gente talentosa é uma enorme fonte de motivação e inspiração para mim e mantém o selo revigorado. Também lancei um radio show/podcast este ano, SCB Radio, que tem sido excelente em mostrar novos artistas ao público.
6 – Finalizemos com algo mais próximo a nós. Há algum papel que a música brasileira tenha desempenhado no seu crescimento como artista ou amante da música mais especificamente? Há alguns nomes de nossa tradição/contribuição que possa destacar como tendo exercido influência sobre você?
Bom, na qualidade de guitarrista e metaleiro em minha juventude, Sepultura e Nailbomb ocupam um lugar especial no meu coração. Em especial o álbum Chaos AD, ele foi muito importante para mim na adolescência. Claro que também admiro muito o Amon Tobin e certamente curto bastante as obras do João Gilberto.
A música conecta as pessoas!