Quase 20 anos de trabalho com a música eletrônica e uma grande experiência em terras distantes faz de Gabriela Mariano uma personagem que tem muito a acrescentar no cenário. Sua trajetória enquanto DJ iniciou nos clubs pioneiros de São Paulo, participando dos primeiros movimentos do Techno na capital paulista. Após alguns anos, ela se mudou para a Europa e por lá permaneceu por um longo período, amadurecendo não apenas como artista, mas vivenciando diferentes culturas, aprendizado que trouxe ao Brasil quando do seu retorno.
Hoje, através de seu projeto Sheefit, ela tem alçado vôos cada vez maiores em sua carreira enquanto produtora. Prova disso é seu mais novo EP intitulado SELF CONFIDENCE, lançado pela MEMNTGN e distribuído pela gigante KOMPAKT, que traz uma mensagem profunda e íntima sobre sua vida e períodos sensíveis que viveu quando das mudanças que passou desde que retornou ao país. Nós batemos um papo muito legal com ela sobre esse novo trabalho, sua história, carreira, próximos passos e muito mais. Confira!
Alataj: Oi Gabriela, tudo bem? Obrigada por falar conosco. Você já tem uma relação longa com a música eletrônica e passeou por diferentes roupagens do Techno. Conte-nos como se deu esse início de carreira. Houve algum desafio em especial que marcou sua vida?
Sheefit: Obrigada pelo espaço! Comecei em 2001, como parte de um projeto duo com meu ex. A primeira apresentação profissional foi no clube Play, pioneiro nas noites de Techno e outras vertentes de música eletrônica underground na região, a qual éramos frequentadores de carteirinha – inclusive ajudamos a pintar e limpar o local antes da abertura. Éramos todos amigos, e logo nos unimos para fazer festas na região. Depois ficamos apenas como residentes no famoso club Kraft aqui da cidade, depois nos lendários clubs a Lôca e Lov.e em São Paulo, onde passamos a morar por alguns anos. Até que veio a oportunidade de ir para Europa pela primeira vez em 2007 se não me engano (já faz tempo, rsrs), e na segunda tour já fomos para morar em Barcelona. Lá ficamos até o 2013/14, quando voltei ao Brasil para recomeçar sozinha.
Você passou uma longa temporada na Europa e grande parte da sua carreira foi construída lá, principalmente com seu projeto Motormorfoses, live act com hardwares apenas. Retornando ao Brasil, você hoje foca em seu projeto solo, Sheefit. Como foi essa mudança em sua vida? Algo que você sente falta do cenário de lá e que não encontra por aqui?
Foram 13 anos juntos e uns seis anos vivendo de Techno em Barcelona, realmente não foi nada fácil reconhecer a mudança, abrir mão de tudo isso. Mas o tempo passa, as pessoas mudam e fases terminam para que outras se iniciem. Foi triste, mas bonito ao mesmo tempo, foi natural, necessário. Eu precisava de um cenário de Techno mais amplo, mais aberto a novas roupagens. Nada melhor que o do Brasil. Do cenário de lá sinto mais falta da diversidade cultural, muitas pessoas de vários países sempre transitam pelas festas e pelas ruas também, sinto falta dessa troca entre pessoas tão diferentes e semelhantes ao mesmo tempo. Mas sou muito fã da cena nacional, da artes dos flyers, do posicionamento político, da inclusão social, além da criatividade com pouco recurso.
Retornar também significa recomeçar, certo? Sendo assim, deve ter sido uma fase de grandes mudanças, adaptações, e não apenas externas. Isso de alguma forma influenciou na música que você cria/apresenta hoje?
A transição pra mim foi muito difícil, voltei com uma mão na frente e outra atrás, peguei o primeiro emprego que encontrei aqui, fui encarando e retomando os trilhos. Com a cena também fui me re-aproximando, aos poucos, estava bastante insegura depois de tudo.
Eu sabia de certa forma que algumas coisas muito importantes ficam como experiência, mas pesava demais todo o tempo que passou e que eu sentia não ter mais o suficiente pra recomeçar. Isso é algo que venho tratando mais recentemente, e está totalmente refletida na minha música atualmente.
Você acaba de lançar seu novo EP SELF CONFIDENCE e o nome não poderia indicar mais claramente sobre o que você quis transmitir através das faixas. Conte-nos um pouco mais sobre o processo de criação desse projeto.
Esse trabalho tem marcado muito essa minha fase de tratar, entender e melhorar minha auto estima. Quando comecei a produzir as tracks eu não era tão consciente. Só depois de que elas foram escolhidas entre outras pelo selo, com o trabalho de mix e arranjo que fizemos no estúdio do L_cio, na hora de nomear o EP é que eu olhei mais a fundo sobre as tracks e percebi o quanto era latente o assunto pra mim. Elas falam sobre aceitação, sobre não existir tentativa inútil, cada uma já é um progresso.
O EP foi lançado pela MEMNTGN e distribuído pela KOMPAKT, que dá um bom suporte para o lançamento em nível global. Como se deu o contato com as gravadoras? Geralmente quando há esse encontro, a música vem antes da parceria ou acontece através de um convite?
Meu contato inicial foi com o Tessuto, mandei músicas pra ele antes pois sabia que o L_cio só faz live, mas depois mandei pra ele também. Primeiro mandei umas já lançadas pra ver se ele gostaria de tocar, ele tocou em festivais grandes e disse que foi muito bem, e então me convidaram pra lançar no selo. Eu já tinha a Senses em progresso e a If eu já fiz pensando no selo. Eu não sei como é com outros selos, mas no meu caso sempre é ou eu mando o trabalho pra quem não conhece, ou o convite chega por já conhecerem meu trabalho.
É impossível não citar o momento em que estamos vivendo hoje. O coronavírus obrigou o mundo do entretenimento a parar e isso impactou todos os profissionais do mercado, cada um de uma forma. Como você está lidando com este momento? O que acha que muda pós-pandemia?
Desde que voltei ao Brasil eu sofria muito por não conseguir sobreviver da música. Continuo trabalhando como designer e hoje me considero muito sortuda por isso. Viver de arte sem pandemia já um desafio diário num país como o Brasil, então eu realmente fico na dúvida se isso pode trazer algo positivo depois que acabar. O que eu espero é ver uma mudança na política econômica, que a maioria possa ter se dado conta de que esse capitalismo não funciona, e que elejam mais progressistas.
A pausa tem feito grande parte dos artistas passar um bom tempo no estúdio, mas não deixaram de pensar em projetos quando da retomada das atividades. Quais são seus próximos passos em sua carreira?
Eu não to conseguindo ter pausa por conta do trabalho, tem sido um desafio dividir o tempo com a música. Meu objetivo é poder voltar a me dedicar somente à música quando tudo isso passar. Tenho planejado meu próprio selo, tá em construção.
Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?
Realização. Não existe nenhuma outra coisa que me faça sentir isso. É onde me sinto mais à vontade, qualquer outra coisa me faz sentir perdida ou impostora.
A música conecta.