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A música conecta

Alataj entrevista Teto Preto

Por Alexandre Albini em Entrevistas 28.10.2019

Foto de capa por Marcelo Mudou

A banda Teto Preto, um dos destaques da cena underground paulistana dos últimos anos, nasceu como uma espécie de jam session que rolavam na Mamba Negra. Formada por Laura Diaz (cantora), Loic Koutana (performance), Pedro Zopelar e Savio de Queiroz (sintetizadores, bateria eletrônica) e William Bica (percussão, trombone), resulta numa mistura desenvolvida na pista como ritual coletivo, que expressa uma identidade ácida, política e libertária.    

Com dois releases até aqui, conquistou importantes menções em listas de melhores de 2018, como APCA, Crack Magazine, BeeHype e Azoofa. De Gasolina para o álbum Pedra Preta, a banda teve a saída do produtor L_cio (que focou na carreira solo), o que acabou por definir Loïc de vez como um dos integrantes. Francês de origem costa-marfinense, é um show à parte, proporcionando um espetáculo de dança e performance no palco, que instiga o público.

Essa junção de elementos mais que interessante possibilitou ao grupo a oportunidade de se apresentar nas edições brasileiras do Dekmantel, DGTL e Boiler Room; eventos nacionais relevantes como Bananada, Rec Beat, Meca, Subtropikal, CCBB – Música e Performance (SP); além de ter tocado em diferentes continentes nos últimos meses, e sido uma das únicas bandas selecionadas para representar a cena musical de São Paulo no festival francês Les Escales 2019. 

Às vésperas do MADA, festival que aconteceu nos dias 18 e 19 de outubro, Laura Diaz recebeu nossa equipe para um bate-papo exclusivo. Confira abaixo – perguntas por Alan Medeiros:

Alataj: Olá, Laura! Tudo bem? Obrigado por nos atender. Teto Preto é, indiscutivelmente, um grande fenômeno a nível internacional. Esta forte atuação no exterior sempre foi um dos objetivos do grupo ou as coisas aconteceram naturalmente?

Teto Preto: O TETO PRETO é uma banda brazyleira, da latino-america, da MAMBA NEGRA, de São Paulo e do mundo. Português é a nossa língua mãe e sempre vai ser. Tanto o EP Gasolina (2016) quanto o LP Pedra Preta (2018) foram produzidos e prensados no Brasil, lançados pelo selo  independente MAMBAREC. Se há poucos exemplos de discos nacionais feitos inteiramente no Brasil, acho que isso já diz muito sobre o nosso foco. 

Quem diz que não quer atingir o circuito internacional está mentindo. Esse nunca foi o nosso foco, mas é fruto do nosso trabalho e insistência. É conseqüência também do trabalho que a MAMBA, que a Cashu, Badsista, Pininga, Jup, que a Linn e as manas da Batekoo têm feito internacionalmente.

Além de tudo, existe uma lógica degenerada corrente no mercado nacional de música que muitas vezes só valoriza seus artistas depois de elxs terem ido para fora do país. Então sim, foi um ano de experiências inesquecíveis e intensas devorando e apavorando o estrangeiro. No fundo, a gente só quer conseguir ser e fazer o que quiser no nosso lugar com xs nosses.

Teto Preto na ODD – Foto por: Felipe Gabriel

Há uma evolução significativa de Gasolina, já lançado em excelente nível em 2016, para Pedra Preta, 2018. Você destacaria alguma mudança no grupo em termos de processo criativo e/ou conceito geral?

Dentro das composições do TETO, existem vários processos e meios de compor. Na primeira formação da banda, tínhamos o L_cio como integrante. O EP Gasolina foi a cristalização de um primeiro ciclo de identidade da gente, foi um disco praticamente composto nas 3 diárias que tivemos de estúdio descobrindo o que íamos fazer, re-escrevendo melodia, testando harmonias. Começamos como uma jam eletrônica e assim permanecemos tocando juntes por uns 2 anos.

Em 2017, no 3º ano de banda e no primeiro LP, passamos pela mudança na formação com a entrada do Sávio de Queiros que representou o encerramento de um ciclo incrível com o L_cio e, ao mesmo tempo, espaço e energia para novos processos que se abriram a partir dali. Sentimos a necessidade de compor um espetáculo, nossas músicas, um show, de nos expressarmos realmente com todas as potências que existem na banda nesse momento que vivemos. Nos dedicamos muito para continuar expressando nossa identidade através de videoclipes, identidade visual, figurino, performance, intervenção, canção e composição.

Nosso processo criativo permanece bastante integrado ao que acontece com a gente e com as nossas vidas.

De toda discografia do Teto Preto, Já Deu Pra Sentir é minha preferida. Como exatamente as coisas rolaram para que essa gravação se tornasse possível?

Em outubro de 2015, L_cio recebeu uma ligação do Red Bull Studio falando que tinha 4 dias livres lá no estúdio entre a Elza e o Criolo, e se ele gostaria de usar pra gravar. Na época, Gasolina já existia com a ANGELA CARNEOSSO, fazia 2 dois anos com uma letra que se transformou e atendeu sempre à realidades do momento. Chamamos o Filipe Massumi pra gravar com a gente e virou isso.

Já Deu pra Sentir é uma música do Itamar Assumpção. Tem uma gravação muito bonita que começa numa bossa com o Arrigo conduzindo e depois, Itamar entra com os dois pés transformando em reggae swing. É uma música que diz sobre muita coisa. Entre todas elas, diz sobre o porquê do TETO PRETO existir nascendo e sendo uma pista de dança e resistência: sentir, livrar-se da letargia…

O Teto enquanto iniciativa artística, também possui um forte perfil político e atuante neste sentido. Por se tratar de um grupo, como exatamente vocês debatem e decidem essas questões internamente?

Atuamos num contexto bastante próximo no circuito independente das festas em SP e no Brasil. Estamos alinhadxs por estarmes compartilhando perspectivas de vida, de trabalho e de respeito através e além do TETO.

Ganhamos igual, tentamos dividir os trabalhos que temos e as responsas que cada um pode puxar para si. Fazer as festas, tocar, estar em tetour, dedicar tanto tempo e energia nas coisas dá um retorno, que é ser de verdade.

No momento, esse retorno está bem longe de ser financeiro, mas queremos conquistar também meios de realizarmos nossos projetos e não só responder à urgências e demandas.

Você enxerga uma iniciativa como o Teto Preto possível sem o movimento que aconteceu na cena eletrônica de São Paulo ao longo desta década? Uma cena promissora impulsiona novos artistas ou novos artistas impulsionam uma cena promissora?

Não faz muito sentido essa pergunta, porque o TETO é parte de dentro desse movimento. As mulheres, xs pretes, as LGBTQ+ conseguirem criar espaços de respeito, protagonismo, trabalho, afeto e produção é, em si, promissor.

Essa cena independente de festas em São Paulo e no Brasil inteiro é a expressão de uma geração. Claro que cada uma individualmente é uma artista talentosa, mas somos mais fortes ainda por estarmos num contexto de muitas manas y monas cheias de talento e prontas para conquistar o mundo.

Sempre fui muito curioso sobre o workflow de uma banda de música eletrônica. Como isso funciona pra vocês?

Não temos muito tempo pra ficar experimentando ou só tocando. A gente só produz na fogueira, tocando de lá pra cá, arranjando um espaço para fazer jam. O TETO deve ter ensaiado mesmo umas 4 vezes na vida toda só.

Para o Pedra Preta a gente tirou algumas tardes aqui e ali pra fumar maconha e escutar músicas que curtíamos ou nos inspiravam, pra falar de filmes, de clipes, de gente. O primeiro LP foi um pouco a materialização de um começo do TETO em longa narrativa. Algumas músicas já existiam de jams, de letras e melodias que eu já tinha, que compus em cima de bases que o Zopelar montou com o Sávio, ou com melodias com as quais o Bica sonhou.  Esse ano nos dedicamos bastante a tocar e fazer a Pedra Preta chegar longe no Brasil e no mundo. Agora já estamos com as cabeças no que vai ser o processo do segundo disco.

O Teto Preto está escalado para o Festival MADA em Natal. Pra você, o que representa se conectar com diferentes regiões do país através da sua música? [pergunta feita antes do festival]

Estivemos muito pouco no Nordeste do Brasil (nos amados Rec Beat e Coquetel Molotov), no Norte vamos pela primeira vez semana que vem no SeRasGum em Belém do Pará e já estamos respirando por aparelhos. 

Voltar assim para o Brasil é muito emblemático e especial. Tivemos que dar a volta ao mundo para abrir portas de conhecer a outra metade do Brasil que não acessamos. É um privilégio, sempre muito aguardado entre nós, de poder conhecer e articular com manas y viadas muito guerreiras que nunca erram. 

É um momento para nos reencontrarmos nas batalhas do aqui e agora e também para enfiar as cucetas na cara da sociedade.

Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?

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