No final de setembro do famigerado ano de 2020, um vídeo viralizou, sem precedentes, no jovem Tik Tok. No vídeo, um homem anda de skate pelas ruas de sua cidade, pleno que só ele, tomando suco direto da embalagem, ouvindo música e cantando. A música em questão? Dreams, do Fleetwood Mac, um clássico dos anos 70. O efeito tiktoker foi tão surreal que colocou o álbum Rumours (1977) de volta às paradas da Billboard, entre os dez melhores daquela semana. Os criadores da música nem mesmo puderam acreditar nisso. Todo mundo recriou o vídeo, todo mundo postou essa música no stories e os números bombaram nas plataformas de streaming. Parabéns, Tik Tok, pela potência e Nathan Apodaca pela sacada. Mas a verdade é que o Deep Dish chegou bem antes. Nos anos 2000, para ser mais exata.
Ok, isso nem mesmo é uma competição, até porque muita coisa muda em dez anos, basta olhar os números. E em minha humilde opinião, eis uma música que precisa ser revivida de tempos em tempos. Inclusive, é o que me trouxe aqui hoje e como a Iconic é uma coluna mística, eu diria que essa pauta, prevista há meses, caiu como uma luva para o meu estado de espírito atual. Coincidências não existem. A verdade é que o conhecimento se entrelaça aos sentimentos, tudo se mistura, então segue o fio.
Sim, Dreams é um musicão e a letra dela é um tapa de luva, falaremos disso mais para frente. Um ícone tanto na versão original, quanto em sua remodelação feita pela emblemática dupla, que fez o revival décadas depois, confirmando, mais uma vez, porque temos aqui um projeto que ditou o rumo das coisas para a música eletrônica no mundo. Quem viveu esse frenesi sabe bem do que estou falando. Aliás, vamos resgatar um pouco sobre esse projeto antes de falar da faixa.
O Deep Dish, formado por Dubfire e Sharam, surgiu nos anos 90 e bombou na virada para os anos 00, outros tempos, outras pistas, mas para aqueles moldes, foi um verdadeiro meteoro. Vários hits, topo das charts, várias apresentações imensas, sold outs e incontáveis prêmios como os melhores do mundo (na época isso ainda não era brega – risos risos risos). Era a dupla ticket seller da época. O Warung que o diga. Teve que fazer dobradinha de datas de tão rápido que foi o sold out. A mistura dos americanos com descendência iraniana, funcionava muito bem, obrigada. Como um caminho do meio entre mainstream e underground (ainda que os mais xiitas dirão que não), Dubfire segurava a corda de um lado e Sharam de outro. Era ali que cada um podia colocar sua identidade sonora e transitar entre o Techno e sons mais minimalistas e cerebrais com o House e momentos de clássicos e catarse na pista. Tudo bem misturadinho. Foram muitas produções marcantes e um Grammy no currículo, até que em 2006, cada um decidiu seguir seu caminho.
Houve alguns reencontros posteriores, sempre bombásticos, porque todo mundo ama essa soma (admita, você ama), mas ambos artistas foram precisos e inteligentes na hora de seguir carreira solo. Usaram essa força propulsora gigante e hoje, são como são: grandes medalhões, cada qual com seu perfil, mas o Deep Dish sempre será aquele nome que marcou uma fase de ouro da música eletrônica. Tears.
E por falar em lágrimas, voltamos para Dreams. Foi em 2005 que a remodelação chegou ao mundo pela D:Vision, com os vocais regravados por quem assinou a original há quase 30 anos, Stevie Nicks. Mas vamos mais a fundo na história porque merece. Os produtores, que se diziam entediados musicalmente naquele período, criaram a melodia para uma faixa chamada Bored e decidiram mostrá-la para um amigo que instantaneamente cantou Dreams. Dubfire contou para a imprensa que na hora tudo fez sentido e quando testou o vocal improvisado pela cantora Anousheh Khalili sobre a melodia, tudo se encaixou perfeitamente. E aí vocês já sabem o que aconteceu.
O Deep Dish tinha como objetivo inicial ligar a música eletrônica ao Rock, então para eles foi mesmo o destino. Um passo ainda mais forte para elevar a música eletrônica ao reconhecimento mainstream na época. Como disse antes: outros tempos, outras pistas. A faixa apareceu no álbum George Is On e adivinha só, virou um hit, de novo. A versão deu tão certo que entrou para o álbum Crystal Visions – The Very Best of Stevie Nicks (2007). No videoclipe, a modelo e atriz Winter Ave Zoli atua como protagonista. Sim, teve clipe e tudo. Além disso, ainda rolou uma série de remixes como os de Axwell, Miami Calling e Tocadisco que gravou a guitarra para compor seu rework.
Na original temos um tempo mais lento do que veríamos para o Deep Dish e um retrabalho fiel sobre a melodia. Uma versão suave, com uma batida sutil e uma simples percussão. Porque o incrível nem sempre precisa ser complexo para ser. Pelo contrário. Aqui, a história é justamente sobre uma sensação muito comum, que todos nós vamos experimentar na vida, cedo ou tarde. É mais ou menos assim: aquela pessoa que vem, como um furacão, bagunça sua vida na maior intensidade que pode, mas curiosamente clama por sua liberdade e vai embora. O que fica então? O caos. Não é à toa que todo mundo canta com aquele mix de dor e superação: players only love you when they’re playing. Mas, por mais melancólico que isso possa soar, a música fala sobre superar-se através da dor, porque é ali que a mágica acontece na experiência humana. Limpar-se, catar os cacos, esvair o caos e entender o que aconteceu: pessoas vêm e vão, você fica. Trata-se bem. Deep Dish, Nathan Apodaca, Tik Tok, você, eu: não deixemos essa música sumir.
A música conecta.