Basicamente um piano e uma voz singular, não precisa de muito para se ter uma faixa icônica nas mãos, principalmente quando o ícone em questão é você mesma. Sinnerman pelas mãos da lenda Nina Simone é isso, sem tirar nem pôr. Impecável. Com tanta representatividade adornada em sua aura, sua mensagem reverberou no universo da música eletrônica por motivos óbvios. Hoje falarei de uma das faixas que mais marcou meu começo na trajetória com a música eletrônica nos anos 2000, o remix de Sinnerman de Felix Da Housecat pela Verve Records.
O artista nasceu em Chicago nos anos 70 e é considerado um nomes do alto escalão que surgiu na segunda onda de House em sua cidade. Com uma estética sonora arrojada para a época, ele mistura o Soulful com Electro, Acid, Disco e até Techno. Mas é claro que como artista negro, sua bagagem não conta só com a graça da arte e ter Nina Simone como um símbolo de luta contra o racismo foi e é algo necessário. Logo, conquistar a honra de uma releitura assim é indiscutivelmente um marco na carreira. E foi.
Sua versão é chamada de Felix Da Housecat’s Heavenly House Mix e, como o nome sugere, ele entregou uma visão magistral para as pistas. O produtor sabiamente manteve a linha contagiante do piano. Vocais? Puros como na original, mas seria sacrilégio mexer nessa voz, fala sério. Porém, há recortes repetitivos dessa voz potente que funcionam super bem para compor o ritmo. Até porque, trata-se de uma canção espiritual tradicional afro-americana com uma manifestação emocionante que possivelmente estava ligada às suas próprias crenças religiosas ou ao seu fervor político na batalha de Nina pelos direitos civis. É super importante conhecer mais a fundo sua história e entender que as coisas que ela conquistou foram absolutamente muito a frente do seu tempo.
Então, sem muitas metamorfoses, o produtor de Chicago adicionou uma batida de House sucinta e elementos que transitam sobre a faixa, gerando momentos de expectativa. Há quem diga que ele pinçou bastante da original e pouco mudou, mas é só escutar e entender que, mesmo com semelhança, há uma vibração diferente e nuances de sua identidade também são discretamente imprimidas aqui. Aquilo que soava como um manifesto caloroso, quase que ritualístico, agora tem uma energia mais harmoniosa, ondulante.
Na minha leitura, em 2003, aquilo já era lindo e hoje vejo que certas músicas não precisam ser tão modificadas para se ter um super remix na mão. Às vezes, a beleza das coisas está só em enaltecer detalhes e inserir elementos com sutileza para transportar a ideia central à pista de dança. Obras de arte devem se manter intactas ou quase isso. Felix Da Housecat foi cirúrgico em sua criação e trouxe uma nova ideia de maneira respeitosa. Se você ainda não tinha cruzado com essa, esse é o momento. Deleite-se nesse piano e nessa voz.
A música conecta.