Ao longo de três décadas, o Subculture construiu uma trajetória singular no subsolo do Sub Club, em Glasgow. O que poderia ser lido como uma história de celebração de marcos ou feitos acumulados, revela, na verdade, um modelo de sustentação oposta ao glamour, com foco na continuidade curatorial e no cuidado com a experiência coletiva. Não há auto celebrações vazias, apenas a manutenção de uma lógica interna que sobreviveu ao tempo e ao mercado. Tivemos a oportunidade de uma conversa exclusiva com dois dos residentes do club, Harri e Stevie Cox, e o resultado dessa troca são alguns insights que você confere na sequência do texto.
A ideia de resistência nunca foi vocalizada com veemência pelos fundadores, mas aparece com naturalidade no relato dos atuais residentes. Stevie Cox, por exemplo, observa que “muitos eventos hoje dependem do tamanho do perfil no Instagram para vender ingressos. O Subculture não é assim”. A frase, direta, ajuda a localizar um dos eixos que definem a noite: um distanciamento consciente da lógica de marketing como critério de seleção. A escolha por artistas alinhados ao espírito da noite – e não à sua projeção digital – revela um tipo de resistência que se comprova na prática.

Outro elemento que sustenta essa coerência ao longo do tempo é o papel dos residentes. “Subculture sempre teve um foco real na comunidade, nos residentes, no espaço físico e na música”, completa Stevie. Ao lado de Harri, Domenic e Telford, ela faz parte de uma equipe que agora atua em um novo formato: este ano, as noites passaram a ser conduzidas de forma bimestral, com cada residente assumindo a curadoria de forma independente. A mudança amplia o campo de possibilidades e gera maior autonomia artística, sem perder o fio condutor que conecta os quatro.
Essa reorganização interna é percebida como um ajuste natural. “Há um fio comum entre todos nós musicalmente, mas também diferenças”, explica Stevie. “Alternando as noites, conseguimos convidar uma variedade maior de artistas, sem precisar encontrar nomes que agradassem a todos ao mesmo tempo.” Há aqui uma lição importante sobre como projetos históricos podem se adaptar sem se descaracterizar, uma reinvenção pautada pela busca interna de soluções de uma operação complexa.
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Nas entrelinhas da entrevista, percebe-se também uma crítica à crescente espetacularização da cena. Stevie comenta que “bastou uma noite no Subculture para mudar minha percepção sobre como uma noite poderia ser”. Enquanto boa parte da cultura noturna caminha para se tornar conteúdo, o Subculture reafirma o espaço do club como um lugar de experiência, longe dos holofotes da exibição.
Harri, por sua vez, evita qualquer leitura heróica do passado. “Não faço ideia… isso é para outras pessoas dizerem”, responde ao ser perguntado sobre o legado do projeto. Sua recusa em construir uma narrativa grandiosa reforça a atmosfera do próprio club: há algo de cotidiano, quase doméstico, na forma como tudo se sustenta. A grandeza, se existe, está na consistência com que o simples foi mantido ao longo de 3 décadas.
Talvez seja por isso que a palavra “unidade” aparece em seu depoimento ao descrever o que uma boa noite representa. “A ideia é que algum tipo de unidade seja criado naquele ambiente.” Essa ideia, aparentemente discreta, carrega um significado central. Em um cenário onde a fragmentação é cada vez mais observada, a capacidade de gerar vínculos talvez seja um dos maiores méritos do Subculture.

A convivência entre gerações também ocupa um lugar importante nessa nova fase. A relação entre Harri, Domenic, Stevie e Telford é descrita com naturalidade e afeto. “Todos nós já circulávamos juntos e tocávamos uns com os outros há algum tempo”, diz Harri. “Essa transição pareceu apenas uma evolução natural.” Para Stevie, que se refere a si mesma como “a caçula da família”, o sentimento é de gratidão. “Sempre posso contar com os mais velhos para me apresentar artistas que nunca ouvi.”
O futuro, nesse contexto, não tem a missão de apresentar grandes promessas. “Espero que essa mudança evolua gradualmente para algo novo e interessante, que continue em sintonia com nosso público”, conclui Harri. Uma frase sem ambição retórica, mas com sentido claro: seguir cuidando daquilo que faz sentido, mesmo quando o mundo lá fora muda de direção.