Icônica, visionária e um tanto quanto insolente. Três adjetivos que dizem muito, porém, ainda pouco para descrever uma das forças femininas que abriu caminho e desbravou um universo pouco explorado para que outras viessem depois. Essa é Miss Kittin. E a Iconic de hoje é sobre um dos hinos mais emblemáticos das últimas décadas. Mas antes, um pouco de história.
Caroline Hervé é uma cantora e DJ francesa que pode ser considerada icônica por ser uma das precursoras do saudoso Electroclash dos anos 90, estilo que bombou até os anos 00 ao fazer uma mistura entre New Wave, Electro e Techno, resultando em uma fusão suja, rasgada e quase sempre cantada.
Ela também é visionária porque fugiu do padrão e trouxe ideias que carregavam um teor humorístico e algumas cutucadas irônicas às estruturas sociais, criando uma identidade sonora particular. O que já a torna boa só por isso, mas lembre-se que estamos falando dos anos 90. Se hoje ainda é difícil, imagina o engessamento que rolava por lá. Aliás, uma curiosidade é que seu pseudônimo artístico na realidade é só Kittin, mas naquele tempo era de bom tom (risos) colocar a palavra senhorita em frente ao nome das DJs mulheres e, no caso dela, acabou pegando.
Foi justamente nessa década cheia de dedos e resistências para as profissionais mulheres do ramo, que ela se juntou ao produtor francês The Hacker para produzir música. Parceria essa que rendeu a eles dois álbuns em colaboração e uma grande amizade. Naquele mesmo ano eles lançaram Champagne, pela Nobody’s Bizzness, selo da artista, que incluía Frank Sinatra e outro sucesso, chamado 1982. A inspiração deles para a nossa música ícone da semana foi essa aqui:
Ouvir a banda de música eletrônica de Detroit, Dopplereffekt, foi como acender uma lâmpada para eles e voilà: nascia um hit.
Por último, Kitty pode ser considerada insolente porque a letra de Frank Sinatra é um mix de emoções. Logo no início, ela fala sobre o fato do cantor Frank Sinatra estar morto, em uma conversa na área VIP de uma provável festa. Além das atitudes fúteis, imorais e sexuais relatadas, há uma crítica ao comportamento dos artistas em relação à fama e o narcisismo e a superficialidade que existem nesse universo. Tanto a base da faixa, quanto a letra, são repetitivas e combinadas com melodias sintetizadas, no fundo, não há muita complexidade e nem precisa. Muito mais que a letra, o tom blasé talvez seja o ponto alto, depois daquela famigerada risadinha. Esse jeito de cantar em uma cadência anestesiada ou desapaixonada, como quem faz um esforço para abrir a boca – marca registrada da francesa – torna tudo melhor.
A música foi lançada na derradeira dos anos 90 e como você já pode imaginar, bombou sem precedentes e entrou para muitas listas naquele ano e nos anos seguintes. Foi relançada no First Album, dela com The Hacker e no On The Road solo, na compilação Global Underground 010 e usada como trilha sonora de filme. É definitivamente a música que colocou a artista no circuito internacional. Nos tempos áureos do Techno era isso que o povo queria ouvir entre o Hard e o Acid. Reverberou tanto que os próprios criadores admitiram recentemente que se cansaram dela, de tanto que pedem para ser tocada. Faça as contas: estamos falando de 23 anos de existência, uma faixa mais velha que muitos clubbers da vez.
Poucos registros nas internet sobre esse feito. O estilo retrô dos anos 80 misturado ao Techno com letra debochada, criou uma vibração que se cristalizou em um lugar especial das (quase) infinitas prateleiras musicais. Pouco explorado, o Electroclash sempre causa um frenesi quando faz um revival. Frank Sinatra é uma faixa atemporal que sempre revive esses capítulos da música eletrônica. Quase como uma entidade hedonista, ela passeia pelas cases e pen drives desse planeta só esperando o momento certo para aparecer e gerar prazer. Icônica, visionária e um tanto quanto insolente.
A música conecta.