Uma das melhores coisas sobre escrever na Iconic é saber que será possível viajar no tempo e visitar prateleiras de lembranças incríveis. Além disso, as chances de haver uma coleção de momentos com a mesma música sempre é alta. Afinal, um ícone reverbera pelo tempo e é capaz de marcar a vida de muitos. Momentos felizes compartilhados com as pessoas que você ama e voilà: você se pegará sorrindo, curtindo o efeito “lembraça”. Que dádiva, não?
Recortes de memória atrelados à música tendem a ser os mais vívidos, dizem. Isso porque a associação é uma das chaves mais poderosas para abrir esse baú. É por isso que os memorizadores decoram sequências bizarras: eles associam. Pois bem, associar Lady do Modjo, é assistir um filme na minha cabeça. Primeiro porque estamos falando de uma faixa lançada no famigerado ano 2000, uma virada marcante para todos nós. Segundo porque foi justo nesse momento, com 12 anos de idade, que minha cabeça começou a se organizar em relação à música. Eu sabia que gostava de ouvir coisas mais estimulantes e que me faziam querer dançar. Ficava dançando no quarto, me imaginando em festas. Quem nunca?
Essa e tantas outras músicas dessa safra eram destaque na Jovem Pan e davam as caras também na MTV, duas fontes excelentes para pesquisa naqueles tempos. A música, que tem uma introdução crescente inconfundível, é o single de estreia da dupla francesa, escrita e interpretada pelo vocalista Yann Destagnol e pelo produtor Romain Tranchart, que, curiosamente, cresceu no Brasil. Ela foi lançada no álbum homônimo do projeto que tem várias músicas legais, mas essa se tornou um grande sucesso, liderando as paradas no mundo. No Reino Unido ficou em primeiro por duas semanas e se tornou um dos single mais vendidos naquele ano. E “para a nossa alegria”, caiu aqui no país.
Um corte de House tão bom, que eu ouvi pela adolescência inteira, até que fui para as pistas e tive a benção de ouvi-la muitas vezes também. Mas se justo hoje, nesse inverninho pandêmico round 2, você se encontra em uma energia mais introspectiva, tudo bem, eu te entrego a versão acústica:
E o sample? Esse mexe mais ainda com o nosso coração musical: a guitarra foi pinçada de Soup For One executada pelo Chic, escrita por Nile Rodgers e Bernard Edwards. Músicas icônicas tem disso também: podem ter um sample tão inteligente que você fica chocado quando descobre. Além disso, vira um ícone tão encantador que acaba sendo honrada por quem fez a original. Explico: o Chic colocou Lady em seu repertório, em 2011, fazendo um mash-up com Soup for One. Além dessa energia Disco, trata-se do clássico french flavor e isso explica muita coisa.
A faixa recebeu reformulações feitas por Harry Romero, Roy Davis Jr, Danny Tenaglia, Kaytranada e vários outros não-oficiais, além dos muitos mashups e covers. Incrível perceber como ela se espalhou, mas a original é única e por essa razão está em diversas listas de “melhores alguma coisa de todos os tempos”. Um exemplo forte é a classificação da Mixmag, que colocou ela na lista dos maiores hinos de House. E ai de quem quiser tirar ela de lá, nem vem geração Z.
E como naquela época era moda, o clipe também foi lançado (clipe é cringe?). Filmado no Canadá, o vídeo detalha as várias travessuras de três adolescentes, uma menina e dois meninos, e tem toda a energia dos anos 90.
O Modjo mesmo não durou tanto como sua obra-prima e em 2003, o projeto parou as atividades. A música não. Na última década, tivemos um revival importante: a adaptação de Austin Mahone ao lado de Pitbull reviveu a faixa que voltou a ser ouvida em maior volume:
Teve também a colaboração entre Daddy Yankee, RedOne, French Montana & Dinah Jane, chamada Boom Boom e que traz uma perspectiva mais latina para a original francesa:
Para a redatora aqui, fora toda a importância durante minha formação musical e que colaborou cirurgicamente para eu estar escrevendo sobre ela 21 anos depois, é uma dose alta de recordações que se desdobraram: as festinhas em casa, alguma balada aleatória que me fez dançar abraçada e pulando, o sorriso dos amigos e amigas quando essa é mixada por mim…e por aí vai. É como disse, o efeito-lembrança quando te pega é imbatível: sorrisinho no rosto e aquela nostalgia gostosa de dias felizes que estão guardados em locais especiais da memória, com música, para ficar ainda mais vivo.