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A música conecta

5 coisas que talvez você não saiba sobre: as raves no Brasil

Por Alan Medeiros em Notes 26.11.2025

Desde o final da década de 80, festejar por mais de 12 horas ao som de música eletrônica, frequentemente sob efeito de psicoativos (especialmente o ecstasy), tornou-se uma prática comum entre jovens das principais capitais europeias. Inicialmente, até meados dos anos 90, essas festas, chamadas de raves, eram esporádicas, improvisadas e, muitas vezes, ilegais.

Eram realizadas em locais cuidadosamente escolhidos, equipados e decorados, geralmente em áreas verdes marginais de grandes cidades, espaços urbanos abandonados ou em locais mais isolados, como praias e campos. O circuito inicial tinha como referências centrais as ilhas de Ibiza, Goa e as cidades de Londres e Paris. Inegavelmente, a expansão global dessa prática acompanhou a popularização da música eletrônica e da “cultura clubber” em centros urbanos.

No Brasil, muitos estudiosos atribuem que o movimento das raves ganhou seu pontapé inicial em 1991, em Arraial D’Ajuda, Bahia. A primeira festa, gratuita e sem flyer, foi organizada pelo DJ italiano Max Lanfranconi, reunindo cerca de 70 pessoas. A ideia de rave chegou ao país com ares bem tropicais, acontecendo em espaços abertos na praia, e carregava uma linha sonora mais voltada ao Trance e à cultura indiana, inspirada em festas que já ocorriam em Goa.

O conceito rapidamente se consolidou no Brasil como a prática de sair da cidade, se desligar da vida urbana, ir para um lugar legal, em contato com a natureza para dançar intensamente até o dia clarear. A partir de 1995, as raves começaram a acontecer com frequência crescente nas praias baianas e nos arredores de São Paulo. Parte dessa história é bastante conhecida, mas talvez você não saiba (e goste de descobrir) os detalhes dos 5 tópicos que apresentaremos abaixo:

A disputa pela “primeira rave” no Brasil envolveu apropriação da mídia e até patrocínio de jeans

Embora a festa de 1991 em Arraial D’Ajuda seja amplamente considerada o embrião da cena rave, a cronologia das primeiras festas rave no Brasil é marcada por alguma ambiguidade e apropriação precoce pela mídia. A primeira festa a ser batizada com o nome Rave no Brasil aconteceu em 1992, chamada Jeaneration Rave, realizada no estádio do Pacaembu, em São Paulo. Essa festa foi amplamente apoiada pela mídia e por seu patrocinador, uma marca de jeans.

No ano seguinte, a L&M Music, considerada a primeira rave urbana, aconteceu em um galpão na Barra Funda, em São Paulo, e levou nomes internacionais como o aclamado Moby. Max Lanfranconi, um dos pioneiros de Arraial D’Ajuda, inclusive, disse que o termo “rave” não foi muito bem aplicado no país, diferenciando o modelo brasileiro, mais voltado à natureza, das squat parties (festas em prédios invadidos) europeias.

A ponte aérea Goa/Bahia e a “macumba dos gringos”

O movimento inicial das raves na Bahia foi fortemente influenciado por estrangeiros (italianos, ingleses, suíços e alemães) que haviam morado por um tempo em Goa, na Índia. O já citado DJ italiano Max Lanfranconi, que comandou aquela festa em 1991, já havia frequentado festas de trance na Índia. Eles trouxeram consigo as primeiras fitas DAT (Digital Audio Tape), lâmpadas ultravioleta e tecidos psicodélicos com estampas de Deuses indianos.

A decoração era um fator importantíssimo, sendo que a falta de recursos levava ao uso da imaginação, como a pintura de troncos de árvores com tinta fluorescente natural. Foi essa estética exótica, acompanhada especialmente do Trance, que levou os nativos no Sul da Bahia a se referirem às primeiras raves, no início dos anos 90, como a “macumba dos gringos”.

Alguma rave sendo organizada em Arraial D’Ajuda, na Bahia. Fonte: Music Non Stop

Um eclipse solar no Chile, em 1994, funcionou como catalisador para a “invasão” de ravers estrangeiros na Bahia

As raves, que geralmente valorizam a marcação do tempo natural, como as fases da lua (full moon party, por exemplo), tiveram sua expansão no Brasil fortemente ligada a um evento astronômico específico. Após o eclipse total do Sol que ocorreu no Chile, em 3 de novembro de 1994, muitos ravers estrangeiros que acompanhavam o fenômeno foram para Trancoso, na Bahia, para uma rave de Natal.

O DJ inglês Simon Macara, que estava no Chile, chamou muitas pessoas para Trancoso para a chamada “Festa do Fim do Mundo”. Essa chegada maciça de ravers (incluindo uma invasão inglesa) fez com que Max Lanfranconi não reinasse mais sozinho no comando do som, e a cena de raves na Bahia começou a crescer. 

Alguma festa em Trancoso. Fonte: Music Non Stop

Em São Paulo, a cena explodiu entre 1995 e 1996 através de quatro núcleos independentes, mas interconectados

Embora a cena rave tenha se popularizado na Bahia, São Paulo rapidamente se tornou um centro crucial. Entre o final de 1995 e o início de 1996, houve um estalo coletivo com o surgimento simultâneo de vários grupos organizadores. O DJ Dmitri (atuante no circuito paulistano da época) listou quatro núcleos fundamentais para o estouro das festas no Sudeste: a Fusion (de Matt Cullen e Shane Hughes), a Avonts (de Dmitri e Costa Longa), a XXXPERIENCE (de Rica Amaral e DJ Feio, fundada em 1997) e a Oribapu (de Camilo Rocha e Xuetze).

Curiosamente, esses grupos, que representavam a mesma “turma”, compartilhavam a mesma filosofia underground, conectando muitas vezes os mesmos amigos e alugando equipamentos do mesmo fornecedor, que era o mais barato do mercado.

A chegada dos cybermanos por volta de 1998 marcou uma grande segmentação da cena paulistana

O modelo inicial das raves em São Paulo, inspirado nas primeiras edições, era praticamente exclusivo de jovens de classes média alta e alta, muitos dos quais haviam participado de festas no exterior. No entanto, em meados de 1998, ocorreu um momento de inflexão e tensão social. Jovens de classes mais baixas, frequentemente associados à periferia e apelidados de “cybermanos”, começaram a participar desses eventos.

Reportagens da época identificaram esse momento como uma “grande segmentação da cena”. Embora a rave buscasse ser um espaço utópico e de suspensão da lógica ordinária, os ravers paulistanos carregaram as distinções sociais da vida urbana, e a presença dos “cybermanos” fez com que algum nível de segmentação e tensão passassem a ser observados.

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