O percurso de Boris Brejcha na música eletrônica é notável, mas sua fundação criativa está enraizada em um evento de infância traumático que ajudou a moldar parte de sua identidade e seu som singular. Longe de ser apenas uma escolha artística, a música se tornou uma espécie de refúgio pessoal após o trágico desastre aéreo de Ramstein, um dos piores acidentes aéreos da história, tendo acontecido frente a um público de 300 mil pessoas em 28 de agosto de 1998. 70 pessoas morreram (67 espectadores e 3 pilotos) e cerca de 500 ficaram feridas devido ao fogo e explosões. Boris, na época com 6 anos, sofreu queimaduras graves pelo corpo.
Nos anos seguintes ao acidente, o DJ e produtor alemão relata ter enfrentado dificuldades de socialização durante a infância. As cicatrizes visíveis e a exposição precoce a um trauma coletivo contribuíram para um período de isolamento, especialmente no ambiente escolar. Em diferentes entrevistas publicadas ao longo da última década, o artista comentou que esse contexto o tornou mais introspectivo e o levou a buscar formas alternativas de expressão, longe das dinâmicas sociais convencionais da época.
O contato primário mais significativo com a música eletrônica aconteceu bem cedo, por volta dos 12 anos, quando um colega lhe apresentou um CD da série Thunderdome. Os sons intensos e pouco convencionais do hardcore e do gabber causaram um impacto imediato na mente daquele adolescente. Boris descreve esse primeiro contato como uma ruptura em relação às referências musicais tradicionais que conhecia até então, abrindo um campo de curiosidade técnica e criativa que o levou a experimentar a produção musical ainda muito jovem.
A partir desse momento, o estúdio passou a ocupar um papel central em sua rotina. Para além de um espaço de aprendizado técnico, a produção musical tornou-se um meio de organização interna e expressão emocional. O próprio artista já afirmou que compor lhe permitia elaborar sentimentos difíceis de verbalizar, funcionando como um processo contínuo de investigação sonora e pessoal — sem que isso signifique uma leitura terapêutica simplificada ou romantizada.
Com o tempo, essa dedicação resultou na consolidação de um vocabulário próprio, que mais tarde seria rotulado por ele mesmo como High-Tech Minimal. O estilo é uma consequência de todos esses anos de experimentação, isolamento criativo, domínio técnico e referências diversas. A relação entre vivência pessoal e linguagem sonora também está presente ali, claro, mas se constrói de forma indireta, fragmentada e não linear.
É nesse ponto de maturidade artística que Boris Brejcha retorna ao Brasil com a Reflections Tour, série de apresentações que espelha a fase atual de sua trajetória na música eletrônica. O artista se apresenta em duas datas no país: no dia 19 de dezembro, em São Paulo, no Vale do Anhangabaú, em um evento assinado pela BOMA; e no dia 20 de dezembro, em Curitiba, na Pedreira Paulo Leminski, um dos espaços mais emblemáticos do país. O evento é uma realização conjunta das produtoras Planeta Brasil Entretenimento, Seven Experience e Entourage, reconhecidas por grandes produções de festivais e shows no país. Duas apresentações que reiteram a relação contínua de Brejcha com o público brasileiro, um dos que acompanha com maior atenção os diferentes ciclos de sua carreira.
Todo esse contexto citado ao longo do texto impulsionou-o em direção a uma paixão que se tornou sua vida e carreira. Boris reflete que, no final, tudo se transformou em algo positivo. A necessidade de se expressar e de inovar o levou a criar seu som particular, garantindo que, mesmo em seus piores momentos, a música permanecesse como um refúgio pessoal seguro. O sucesso mundial de Boris Brejcha, com sua máscara icônica, é um testemunho de como um trauma de infância pode ser canalizado para uma força criativa inesgotável, provando que, às vezes, a música é, de fato, a melhor cura possível.

