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A música conecta

Raio X | Abrão

Por Marllon Eduardo Gauche em Notes 01.12.2025

Abrão Levin carrega uma das vozes mais distintivas da música eletrônica brasileira, mas sua trajetória revela muito mais do que podemos ouvir em suas produções atemporais. Nos anos 80 e 90, integrou bandas fundamentais do underground paulistano como Kafka, Jardim das Delícias, CPSP e seu projeto Abraham & The Lincolns. Hoje, sua voz ecoa em colaborações com Red Axes, Glowal, Polo & Pan, 8Keys, Luca Saporito e diversos outros nomes da cena global em lançamentos assinados por labels como Correspondant, Frau Blau, Watergate e Disco Halal.

No final de novembro, Abrão participou do novo lançamento da gravadora brasileira Melodic Therapy. A colaboração com o produtor grego The Gosha resultou na faixa-título Iluminado Apagado, onde ele novamente demonstrou toda sua potência vocal. A faixa tem uma energia misteriosa e atmosférica, carregando um caráter quase onírico que constrói tensão sem pressa. Synths e linhas de piano quase que cinematográficas ajudam a criar uma atmosfera dramática que se encaixa perfeitamente na abordagem de Abrão. 

Por trás da voz reconhecível e das inúmeras colaborações, a história de Abrão revela aspectos que muitos nem imaginam sobre sua história de reinvenção artística e espiritualidade na música. Quatro pontos fundamentais explicam como ele construiu uma “segunda carreira” após declarar sua própria “morte” artística depois de um episódio marcado por excessos e comportamentos autodestrutivos no fim dos anos 90.

Este é o Raio X do Alataj.

A ressurreição através da geografia espiritual

Após declarar seu “fim” artístico em 1992 por conta de alguns episódios conturbados em sua vida pessoal, Abrão iniciou uma jornada geográfica que se tornou também espiritual. Morou dois anos na Índia, onde um sábio brâmane lhe ensinou sobre transmutação: “primeiro deve-se viver o que a vida traz para depois transformar”. Essa filosofia o levou a Israel, seguindo suas raízes familiares — seu avô nasceu em Jerusalém. A mudança geográfica serviu como uma busca por reconexão com sua essência artística através do deslocamento físico e espiritual. A distância do Brasil permitiu que processasse suas “cicatrizes” e encontrasse novo propósito na música.

O ciclo kármico das colaborações

A parceria com Red Axes nasceu de uma coincidência que Abrão interpreta como karma. Há 11 anos, conheceu a banda Red Cotton e produziu seu primeiro disco, identificando-se com o som post/punk que faziam. Uma década depois, eles se tornaram Red Axes e retribuíram produzindo o disco dele. Essa reciprocidade criativa reflete sua filosofia de que relacionamentos artísticos autênticos transcendem transações comerciais. Abrão vê suas colaborações como “ciclos kármicos” onde energia criativa circula entre artistas em momentos apropriados, não forçados.

A voz como ponte entre eras musicais

Abrão desenvolveu uma técnica vocal que funciona tanto em contextos orgânicos quanto eletrônicos, sem soar forçada em nenhum dos dois. Sua experiência nos anos 80 e 90 criou uma maturidade vocal que se adapta naturalmente à produção de música eletrônica contemporânea. Suas letras vêm de “universo profundamente emocional e autobiográfico”, estilo que se conecta com diferentes gerações. A voz dele se tornou referência no cenário Melodic e Indie atual, influenciando um estilo que catapultou o Red Axes globalmente.

A música como instrumento de cura

Abrão trata a música não como carreira, mas como instrumento de cura e uma espécie de “remédio para o futuro”. Após anos trabalhando apenas como produtor técnico, sem se expressar artisticamente, ele compreendeu que sua essência está no autoconhecimento através da música. Essa filosofia se reflete em seu processo criativo atual: combina voz, piano e keyboards para compor, tratando cada música como parte de seu “desenvolvimento da alma”. É uma abordagem que prioriza o propósito espiritual, resultando em trabalhos que carregam profundidade emocional verdadeira.

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