Tama Sumo (Kerstin Egert) e Lakuti (Lerato Khathi) são figuras de enorme valor cultural na cena house e techno global. Parceiras na vida e na música, vivem atualmente em Berlim. Tama Sumo iniciou sua trajetória como DJ na capital alemã no começo dos anos 1990, com foco em deep e soulful house, estabelecendo residências em locais reverenciados como Globus/Tresor, Café Moskau e Panorama Bar. Lakuti, nascida em Soweto, na África do Sul, tem mais de duas décadas de atuação no underground, trabalhando como DJ, promotora, agente de bookings e fundadora da Uzuri Recordings. Ambas compartilham a paixão por vinis e uma dedicação plena à dance music.
Enquanto Lakuti chegou a Berlim após 15 anos em Londres, Tama Sumo sempre viveu na Alemanha. Ainda assim, elas desenvolveram uma filosofia de trabalho totalmente compartilhada. Juntas, idealizaram a festa Your Love, concebida como uma celebração da riqueza e diversidade musical. Seu compromisso coletivo vai além dos decks: ambas atuam ativamente para impulsionar a cena e fortalecer a comunidade, “em direção à luz e à positividade”. Tama Sumo é residente do Panorama Bar há quase duas décadas, e Lakuti também passou a integrar o time de residentes do Berghain/Panorama Bar, consolidando a dupla como uma das vozes mais influentes da cultura clubbing.
Juntas, elas têm percorrido o mundo dominando pistas que figuram entre as mais emblemáticas do circuito de clubs e festivais. Embora não seja inédita, a presença delas por aqui é rara, mas felizmente volta a acontecer nesta reta final de ano, quando retornam ao Brasil para duas datas: dia 29.12 no Mareh NYE Festival e dia 31.12, na oitava edição do RÉVEILLON TROOP em Florianópolis. Nós tivemos a oportunidade de assisti-las ao vivo uma vez, no primeiro DGTL realizado no Brasil, em 2017. Grandes memórias dessa noite que nos inspiraram a aprofundar uma pesquisa em torno da jornada de ambas as artistas até chegar no resultado deste novo Raio X do Alataj.
Confira a seguir 4 pontos que ajudam a entender a história de Tama Sumo e Lakuti na música eletrônica:
A cena como uma espécie de família
Uma força central na trajetória de ambas é a criação de ambientes acolhedores e comunitários na pista de dança. Crescendo em Joanesburgo durante o apartheid, Lakuti sentia-se deslocada por ser queer — e encontrou na house music e nas festas uma “família fora da sua própria”, onde pôde se sentir aceita e em paz. Essa vivência moldou seu desejo de criar espaços seguros e afetivos, longe da realidade de viver sob um sistema corrupto. Tama Sumo também se reconheceu nesse impulso, especialmente ao frequentar o Ostgut — antecessor do Berghain —, onde notou uma energia familiar e um nível de liberdade que permitia às pessoas serem quem quisessem, contanto que houvesse respeito mútuo.
Diversidade como força de transformação
Lakuti e Tama Sumo sustentam uma visão sociopolítica clara sobre o clubbing, acreditando que a composição do público em um evento pode moldar o progresso social. Elas celebram o sucesso de espaços como o Panorama Bar por conseguir reunir comunidades diversas, misturando pessoas LGBTQI+ e heterossexuais sob o mesmo teto. Lakuti também valoriza a troca intergeracional — a convivência entre jovens e veteranos — como um dos pilares de força para um club. Ainda assim, elas lamentam a crescente segregação da cena atual, cada vez mais voltada para os ricos, o que contradiz os valores que as atraíram inicialmente, baseados na aceitação e inclusão.
DJing como troca profunda
Mesmo com décadas de carreira e uma vasta coleção de discos, os sets da dupla são essencialmente guiados pela espontaneidade e pelo diálogo com a pista. Lakuti está sempre em busca de músicas novas, mas seus momentos favoritos são aqueles em que tudo é completamente espontâneo e os discos parecem “se escolher sozinhos”. Tama Sumo, admite que se prepara um pouco mais, mas sempre improvisa ao tocar. Ambas buscam sentir a energia do momento e se conectar com o público. Para Lakuti, a essência da música está na “comunicação e no desejo de tocar as pessoas de maneira profunda”.
Críticas às estruturas de poder
O engajamento político da dupla se manifesta tanto em ações concretas quanto em críticas às estruturas injustas. Após o massacre de 2016 em uma boate de Orlando, ambas assinaram uma carta aberta rejeitando a islamofobia, posicionando-se firmemente contra qualquer forma de preconceito. Para elas, o verdadeiro inimigo está no capitalismo e nas políticas de austeridade, que penalizam os mais pobres e desviam a atenção para grupos vulneráveis. Tama Sumo alerta para a presença de racismo estrutural mesmo em cidades tidas como abertas, como Berlim. Lakuti defende que as minorias não devem isolar suas lutas, pois a união os torna mais fortes. Para haver avanço, é preciso uma sociedade mais aberta, disposta a ouvir e a ter empatia com as demais pessoas.