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A música conecta

Alataj entrevista Ae:ther

Por Alan Medeiros em Entrevistas 23.04.2019

Em fevereiro de 2017 o EP Solaris ganhava a luz do dia pela agora consagrada Afterlife. O release, apenas o terceiro no catálogo da gravadora, apresentou ao mundo três faixas originais e inéditas fruto da colaboração entre o duo Mind Against e Ae:ther, dois projetos italianos com base atual em Berlim.

Nascia ali o alter ego Ae:ther para mundo, projeto que com pouco mais de dois anos de existência, já coleciona sucessos por gravadoras como Fabric, Crosstown Rebels e, claro, Afterlife, marca que pode ser considerada a principal apoiadora de seu trabalho até aqui. Sua habilidade ao explorar melodias e ritmos hipnóticos é apontada como um ponto de partida para a ótima resposta que a comunidade internacional de dance music tem dado a sua música.

Entrevistamos também o duo Adriatique, outra grande aposta da Afterlife em seu catálogo de lançamentos.

É justamente essa importante característica que ele explora no recente remix para Damian Lazarus. A versão do produtor italiano para All I Need To Get High teve uma espécie de premiere extra oficial no set do Artbat para Cercle no Rio de Janeiro e foi lançada oficialmente este mês. Pouco mais de 10 dias após o release, a faixa já ocupa o segundo lugar entre as suas produções mais vendidas e comprova a ótima fase vivenciada por Ae:ther. Aproveitamos o momento para bater um papo com o DJ e produtor italiano. Confira:

https://www.youtube.com/watch?v=9m7gmJFEM3c

Alataj: Olá, Ae:ther! Obrigado por falar conosco. Impossível começar essa entrevista sem citar sua consistência de estúdio nos últimos meses. Como tem sido produzir e organizar tantas ideias diferentes em um relativo curto espaço de tempo?

Olá! Trabalhei em tantos gêneros e projetos diferentes nos últimos 4 anos que desenvolvi a habilidade de compor música em poucos dias ou horas (depende da faixa, é claro). Tenho pastas divididas em meses e anos. Fico entediado rapidamente e é por isso que inicio um trabalho atrás do outro. Meu cérebro está sempre desejando mais coisas, até que tudo colide, como um círculo ou loop.

Outro motivo foi a viagem para o meu local de trabalho na época: eu precisava de uma nova trilha sonora para ouvir no trem todos os dias, o que também me ajudou a relaxar e me entender. Agora é como um quebra-cabeça, só preciso juntar as peças, dar algum sentido e tentar entender com meus parceiros e amigos quais são as faixas mais poderosas. A maioria delas nunca verá a luz do dia. Por exemplo, tenho um projeto de techno com Mind Against com algumas músicas inéditas, vamos ver o que pode acontecer com elas no futuro.

Após emplacar uma série de lançamentos no formato Original Mix, você teve a oportunidade de remixar Damian Lazarus em All I Need To Get High. Como foi desenvolver sua própria versão em torno desta bela faixa? Você teve alguma dificuldade específica no processo criativo?

Isso foi algo grande para mim. A arte de criar música é mais ou menos como construir uma escultura ou pintura. Você só tem papel em branco e, dia após dia, precisa extrair a essência do que vê. Tive a ideia do vocal com uma espécie de linha de baixo meditativa/acid/psicodélica e uma atmosfera deep no fundo. É algo que já testei no passado e tentei fazer de novo com os sons que tenho hoje.

Como sempre, não tive um bom sentimento sobre isso no começo, tipo: “isso nunca vai funcionar”, mas no fim funcionou bem. Fiz a primeira versão com meu synth, depois tirei, estava muito pesado. Então acabei com a ideia de uma versão dub com o vocal como o momento de pico.

O duo Tale Of Us pode ser apontado como um grande apoiador de sua carreira, visto que boa parte de seus releases ganharam a luz do dia pela Afterlife. Em quais aspectos Matteo e Carmine foram decisivos para o seu desenvolvimento pessoal e profissional?

Eles me apoiaram ainda mais me ajudando com a qualidade da minha música e também a empurraram quando e onde podiam. Tive diferentes conversas com eles sobre os aspectos técnicos ou como manter o frescor na composição e estratégias. Eles basicamente me ajudaram a ficar mais confortável comigo mesmo com força e animação. Sempre apoiaram totalmente minha ideias, me deixando da melhor forma possível, sem dizer nada contra as minhas produções. Vou trabalhar em algo novo para eles muito em breve.

Você nasceu e cresceu em Roma, porém possui um relacionamento bem bacana com Berlim, correto? De que forma cada uma dessas cidades impactou na formação artística de seu projeto musical?

Acho que um artista precisa estar no ambiente certo e cercado pelas pessoas certas para encontrar estímulo e a experiência certa. Em algum momento da minha vida eu entendi que Roma não era o lugar ideal para desenvolver o meu progresso musical. Eu tinha alguns projetos e colaborações na época, mas não estava bom. Você raramente encontrava alguém que conseguisse entender sua identidade, ideias ou sonhos. As pessoas me viam como um cara louco, andando por aí com cabos, teclados ou dispositivos de áudio falando sobre coisas que quase ninguém era capaz de entender. Tinham promoters nos clubes que fingiam ser DJs e perguntavam coisas como: “Você quer tocar? Ok! Quantas pessoas você consegue trazer?”. Era tudo sobre o sucesso comercial e financeiro. Muito triste, porque nasci como músico e não como promoter, então ficou entediante.

Lidar com o tipo de mentalidade que só vê o dinheiro ou o aspecto da indústria eletrônica. Talvez eu tenha conhecido as pessoas erradas, quem sabe, mas eu não via muito potencial para artistas emergentes, eu precisava mudar de ambiente. A cena de Berlim é completamente diferente. Minha vida mudou muito de forma acelerada. É isso o que um artista precisa: uma cidade barata, não muito grande e não muito rica, assim não elimina oportunidade para os artistas promissores.

É fácil conseguir novas inspirações aqui, também porque tem essa atmosfera industrial que inspirou meus projetos musicais antes de Ae:ther. Quando estou fazendo um DJ ou live set aqui, sinto a sensibilidade certa, é definitivamente selvagem. As pessoas estão se divertindo muito, se você souber onde ir. É um pouco parecido com Londres, quando eu morei lá. Berlim me ajuda a alcançar a estabilidade certa, é calmo e inspirador o suficiente para fazer música, talvez seja isso que eu sinto por mim mesmo.

Você estudou sound design no Europeo di Design (IED) em Milão, certo? Ter uma base técnica de alto nível pode ser considerado um fator fundamental para o seu atual sucesso e rápido desenvolvimento?

Eu diria que é 50/50, porque sound design não é sobre música eletrônica, apenas adaptei a parte teórica. Sound design te dá a possibilidade de criar seus próprios sons e atmosfera usando sintetizadores digitais e analógicos, instrumentos e o conhecimento de como criar um som específico o mais rápido possível, se necessário. Isso com certeza me ajuda agora. Consegui adquirir a habilidade de entender música de uma forma diferente do que você entenderia só por ouvi-la. Estou treinando os meus ouvidos para ouvir a música não como ouvinte, mas sim como um sound designer. Toda vez que ouço uma música de qualquer gênero, eu estou analisando, para mim é como um estado de espírito agora. Tento extrair todos os elementos da música enquanto está tocando e entender o processo de criação, estrutura e porquê tipos específicos de instrumentos foram usados e como eles poderiam ter sido gravados, etc.

Além disso, ao estudar a história da música e do cinema, aprendi como o processo de produção era no passado. Muitas vezes me inspiro no passado quando faço algo novo no presente. Isso dá a habilidade de criar música para filmes, desenhos animados ou celulares sem packs de samples, apenas a partir de seus próprios samples. Agora posso dizer que tenho uma grande biblioteca de sons de fora, natureza, orgânico, acid, ficção científica, etc. Gostaria de voltar ao sound design para filmes e fazer trilhas sonoras um dia. Então, tudo isso me ajuda a aprender como criar sons, mas não como produzir faixas de dance music.

Em sua bio, você cita uma certa proximidade com os rapazes do BICEP enquanto morava em Londres. O que você pode nos contar a respeito disso?

Eles eram meus vizinhos de estúdio naquela época. Era a porta ao lado da minha, acho que Jamie xx tinha um estúdio no mesmo prédio. Geralmente encontrava um deles na vizinhança tomando café, enquanto falava sobre essas coisas. O que eu mais lembro é da incrível variedade de música deles e de ver uma coleção de sintetizadores impressionante. Um dia eles desapareceram, provavelmente se mudaram para outro lugar.

Como você enxerga e vislumbra o atual momento da cena artística de Berlim? Residir na cidade oferece a você um ambiente mais propício e fértil para a criação?

Existem muitas cenas diferentes aqui. Às vezes é meio caótico. Essa cidade está mudando constantemente e eu me sinto sortudo por ter a chance de viver como músico aqui, o ambiente certo que está me ajudando processo musical de entender a cultura. Muito da história da música eletrônica aconteceu e ainda está acontecendo em Berlim. Isso realmente me regenerou.

Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?

Música é uma obsessão para mim. Constantemente trabalho em minhas emoções que são expressadas nos sons e ideias que tento desenvolver. Acho que isso é o mais importante ao fazer qualquer tipo de expressão artística de si mesmo.

A música conecta.

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