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A música conecta

Papo de Estúdio | Marcelo Oriano preparou um guia de masterização impecável

Por Marcelo Oriano em Papo de Estúdio 16.09.2020

A masterização é o processo final na produção de áudio, seu principal objetivo é otimizar a obra para ser reproduzida nos mais diversos sistemas de som e formatos de mídia. Nesta etapa o profissional deve trabalhar então no equilíbrio entre as frequências da mix no estéreo, limpeza, saturação, dinâmica geral da música ou de regiões específicas do espectro audível e sua loudness (volume percebido), buscando atingir também uma uniformidade entre as obras do release e/ou da gravadora como um todo.

Cada engenheiro de master possui a sua própria “chain” de equipamentos ou plugins para processar o áudio em direção a estes objetivos.  A meta deste artigo é desmistificar cada um dos processos que podem ser necessários nessa chain, explicar as técnicas mais utilizadas e sugerir plugins para que cada um possa construir sua própria metodologia de masterização.

1. Como preparar a obra para ser masterizada?

É claro que quanto maior a resolução do áudio (caso seja digital), melhor, porém o mínimo recomendado é que o trabalho após a mixdown seja renderizado em 44.1KHz de sample rate e 24 bits de dynamic range (bit depth) SEM DITHER. Na música eletrônica feita em home studios, usar valores muito maiores do que estes geralmente é um exagero, uma vez que na maioria dos casos usamos samples de packs que foram gravados nessa mesma resolução ou sintetizadores digitais que também não passam desses limites. 

Se o áudio da sua matéria-prima está em 44.1khz, por que renderizá-lo a 96KHz? 

É importante também lembrar que ao final da masterização a obra quase sempre será comercializada em 44.1Khz e 16 Bits, porém, o engenheiro de master precisa de no mínimo 24 bits para poder manipular a dinâmica com boa resolução. Entenda como uma foto digital: quanto mais pixels por polegada (resolução), mais podemos dar zoom sem prejudicar a qualidade!

Além da resolução, os engenheiros de master pedem o chamado “headroom”, que quase sempre é de pelo menos -6dBFS — por que isso? Este “espaço” de volume é necessário, especialmente em master analógica, para que o masterizador possa fazer equalizações, saturações e expansões sem correr o risco de clipar (passar de 0dBFS).

É claro que em áudio digital existe o chamado “floating point”, que permite que passemos de 0dB sem ouvir distorções, porém este recurso na maioria dos casos sacrifica dinâmica (diferença entre vales e picos de onda), de forma que um headroom adequado também é recomendado em master 100% digital.

2. Como começar a minha chain de masterização?

A primeira coisa a ser considerada é se a track já possuía processamentos no canal master durante a mixdown. Muitos artistas já fazem mix com plugins de saturação, compressores “glue”,  equalizadores, emuladores de fita e de consoles no masterbus. É de suma importância saber reconhecer de ouvido ou ao menos perguntar pro autor da obra se ela já está comprimida ou saturada de alguma forma. Em seguida, basta colocar a track num canal de áudio da sua DAW e iniciar a chain:

3. O primeiro processo: Limpeza

A ordem dos processos na chain costuma variar de engenheiro para engenheiro, com exceção do Limiter e do Dither que invariavelmente são os últimos. Eu gosto de começar pela limpeza, uma vez que todos os processos que forem feitos em seguida já receberão o áudio para ser processado sem o “material indesejado”.

A limpeza mais importante, ao meu ver, é o excesso de low end. Como seres humanos são incapazes de escutar frequências abaixo dos 20Hz, é recomendável colocar um filtro do tipo low cut (ou Highpass) em torno de 30Hz para reduzir o volume de todas as frequências próximas dessa região, evitando assim um excesso de RMS e também o stress dos subwoofers que irão reproduzir a track. 

Para esta tarefa recomendo equalizadores transparentes (que não “colorem o som”) do tipo linear, evitando assim problemas de alteração de fase decorrentes da filtragem.

Exemplos: Waves LinEQ Lowband, FabFilter ProQ (no modo Linear)

O outro tipo de limpeza que pode ser necessário é o de picos em frequências específicas. Sempre que possível, o ideal para esta correção é voltar na mix e arrumar os elementos que estão mal equalizados, porém, sabemos que nem sempre é uma possibilidade. Nesses casos, recomendo usar um equalizador do tipo dinâmico para que a atenuação ocorra somente nos momentos em que o pico aparece, não alterando a obra como um todo.

Sugestão: Izotope Ozone 9 Dynamic EQ, Waves F6

4. A cola

Os engenheiros de master se dividem quando o assunto é em qual etapa da chain usar um compressor (ou emulador de fita) para dar a sensação de “cola” na mix. Na minha opinião, depende muito dos plugins que estão na sua chain, em especial dos saturadores — você deve confiar apenas nos seus ouvidos e nunca em regras!

O compressor mais usado para essa função é o mundialmente famoso SSL Masterbus comp, que ganhou o apelido de Glue Compressor e possui dezenas de emulações digitais, sendo uma delas o plugin homônimo nativo do Ableton Live. Este equipamento está presente no canal master dos lendários consoles de mixagem SSL 4000G e, por isso, muita gente usa suas emulações no masterbus desde a mixdown ou então como primeiro elemento da chain de masterização, reproduzindo o signal flow destas mesas.

Existem muitos outros compressores excelentes para a função mencionada. A maioria dos engenheiros utilizam hardware ou plugins do tipo VCA e Vari MU, mas você pode ousar e obter estéticas diferentes se arriscar usar compressor óptico ou um FET de maneira sutil. Os que mais gosto são: Thermionic Culture Phoenix, Vertigo VSC-2, Manley Variable MU, API 2500 e Focusrite Red 3.

Aqui nesta etapa em geral usamos ataque lento, release rápido ou automático (se o compressor tiver), ratio 4:1 e dificilmente passamos de 3dB de Gain reduction. Mas como eu sempre repito: os ouvidos é que mandam!

5. Compressão Multibanda

Uma vez vi uma entrevista com o Deadmau5, um dos poucos artistas famosos que masteriza suas próprias músicas, onde ele dizia que trabalhava com tanto afinco em seu processo de mixdown, atingindo excelente limpeza, saturação, espaço estéreo e balanço nesta etapa, que na master ele precisava apenas de um compressor multibanda e limiter! 

Isso pode nos dar alguma noção da importância dessa ferramenta, afinal, como o próprio nome sugere, a função de um compressor multibanda é aplicar compressões diferentes em regiões distintas do espectro de áudio. Por que isso seria desejável ou necessário? Vou tentar cobrir alguns exemplos:

Muitas vezes, no processo de masterização de uma música, sentimos a necessidade de amenizar a dinâmica do subgrave de maneira isolada e para isso escolhemos um ataque lento, a fim de não perder o punch do kick, por exemplo. Já numa outra região, como o médio-alto, podemos optar por controlar os picos de um arpeggio com ataque rápido.

Outra situação bastante comum é a de músicas em que quando entram os pratos, o agudo desbalanceia e exige algum controle. Para isso podemos comprimir somente a banda alta utilizando um threshold adequado a só ativar na presença deles. Compressores multibanda inclusive podem ser usados como expanders. Dessa maneira também devem ser escolhidos quando surge a necessidade de aumentar o range de uma região que soa “apertada”.

Meus compressores multibanda preferidos são: FabFilter Pro-MB, Drawmer 1973, Waves LinMB e Tube-Tech SMC 2BM.

6. Colore, Esquenta, dá Brilho?

Muitos são os “apelidos” da saturação ou da distorção harmônica do áudio. É bastante comum, principalmente nas obras produzidas 100% em ambiente digital, sentir a necessidade de colocar algum “calor analógico” na masterização. Saturar uma track como um todo, além do que provavelmente já foi feito canal-a-canal durante a mixdown, pode ajudar também na percepção de cola trazendo uma sensação de unicidade. Ok! Mas como fazer isso?

A maioria dos plugins que emulam hardware analógico vintage já coloca alguma distorção harmônica no som (em especial se trabalhar com input próximo de 0dBFS), de forma que uma das maneiras mais comuns de simular a tal saturação “analógica” no produto da masterização é simplesmente montar uma chain toda feita de VSTs desse tipo. Ainda assim, isso pode não ser o bastante.

Frequentemente alguns masterizadores buscam uma estética específica de “summing”, utilizando emuladores de consoles analógicos, de equipamentos valvulados ou de gravadores de fita para tal finalidade. Outra necessidade corriqueira é a de saturar apenas regiões específicas do espectro audível ou do panorama estéreo. Alguns usos sugeridos (pode ser mais de um): 

  • Um emulador de fita, com atenção para usar uma fita adequada à masterização que está sendo feita e também trabalhar a relação input/output para extrair a coloração desejada. Exemplos: U-He Satin, Waves Kramer Tape, Slate VTM.
  • Um saturador discreto mid/side, para aumentar a sensação de estéreo pode se acentuar mais os sides. Exemplos: BrainWorx bx_Saturator V2, FabFilter Saturn.
  • Um exciter ou saturador multibanda, para dar um brilho total na obra ou discretamente para puxar a presença da prataria se houver necessidade. Exemplos: Waves Aphex Vintage Aural Exciter, FabFilter Saturn, Izotope Ozone 9 Exciter, Softube Abbey Road Brilliance Pack, SPL Vitalizer MK2-T, Softube Drawmer S73.

7. Tratamento Estéreo

Não existem regras na produção musical, mas em geral buscamos colocar os elementos mais graves ao centro da mix e as sonoridades mais agudas soando mais “largas”. Isso é uma herança das limitações do vinil, mas também facilita a qualidade da reprodução em soundsystems e deixa o som de acordo com o que somos habituados.

Nesta etapa, a grande maioria dos engenheiros de master profissionais trabalha com equalizadores mid/side para distribuir as frequências pelo panorama. Porém, com o surgimento de plugins e hardwares cada vez mais modernos, é bastante frequente que se utilize ferramentas exclusivas de “stereo making”. Seja qual for sua escolha, algumas observações importantes:

  • Passar o subgrave para mono: eu costumo colocar o “monomaker” em 180Hz, mas se a música for ser prensada em vinil, deve ter tudo abaixo de 300Hz igual. Esse ajuste é especialmente importante para evitar cancelamentos de fase nos subwoofers.
  • Eu costumo “alargar” somente acima de 2Khz em duas bandas: Uma até 6Khz e outra acima disso, sendo a segunda bem mais “espalhada” que a primeira. Caso opte por trabalhar dessa maneira, fique sempre atento à correlação de cada banda para evitar excesso de material fora de fase! Lembre-se que na maioria dos clubes do mundo sua música será tocada em mono. Mono Compatibilidade é fundamental.

O que gosto de usar para tratar meu estéreo: Izotope Ozone 9 Imager, BrainWorx bx_digital V2

8. Equalização corretiva

Por melhor que seja uma mix, quase sempre surge a necessidade de fazer ajustes no conjunto da obra para obter mais (ou menos) grave, presença, brilho, etc. Ocorre também de percebemos que uma música pode ter deficiências em uma região específica simplesmente por ser minimalista e contar com poucos instrumentos.

Costumo deixar essa etapa para perto do final por dois motivos: o primeiro é porque posso precisar ajustar efeitos colaterais inerentes de algum processo anterior e o segundo é porque gosto da estética de certos equalizadores em situações distintas (conforme a obra pede). Por exemplo: acho incrível o efeito que o SPL Passeq dá nos graves, mas se precisar tratar os agudos, escolho o Manley.

Em masterização recomendo optar sempre por equalizadores passivos, para evitar a formação de artefatos e obter uma sonoridade mais natural. Como estas ferramentas em geral não possuem visualização gráfica das frequências, aqueles que tiverem dificuldade em encontrar os ajustes de ouvido, podem fazê-los com um EQ gráfico (FabFilter Pro-Q, por exemplo) e depois reproduzir os parâmetros no passivo, deletando o duplicado em seguida.

Minhas opções preferidas são: SPL Passeq, Maley Massive Passive, API 5500, Maag.

9. Expandir, Limitar, Maximizar!

A última etapa do que é a masterização propriamente dita é trabalhar a “loudness”, ou seja: dar o volume percebido dentro do limite de 0 dBFS (limiar do clipping). Você provavelmente já ouviu falar em loudness war: uma espécie de disputa entre engenheiros de master do mundo todo para obter mais loudness que a concorrência sem perdas significativas de qualidade. 

Na música popular essa “guerra” foi basicamente encerrada pelos aplicativos de streaming, uma vez que eles normalizam as faixas em LUFS (Loudness Unit relative to Full Scale) para que os clientes escutando no modo “shuffle” não precisem ficar alterando o volume de seus dispositivos entre uma música e outra. Já na música eletrônica, que em geral é comprada para ser reproduzida em CDJs, ainda é bastante comum que cada gravadora tenha seu padrão de loudness bem acima dos -14 LUFS impostos pelo Youtube e Spotify. Como isso funciona?

+++ Papo de Estúdio | Masterização: loudness na era do streaming

Dois áudios à 0dBFS podem nos parecer em volumes diferentes por 2 motivos: o primeiro é devido às curvas de Fletcher e Munson. Um gráfico que ilustra o fenômeno da nossa audição pelo qual percebemos frequências diferentes em intensidades diferentes.

Como você pode ver, somos naturalmente inclinados a perceber como mais altos sons nas frequências entre 1 a 3 Khz do que aqueles entre 3 e 6 Khz, por exemplo.

O segundo motivo é devido à compressão do áudio, que pode diminuir a diferença geral entre vales e picos de onda, tornando a obra mais alta como um todo (após o make-up gain).

Assim ilustrado, fica fácil perceber que uma boa loudness é obtida através de equalização e compressão, certo? Mas como fazemos? O processo básico é sacrificar uma parte da dinâmica em prol de LUFS utilizando um limiter ou maximizer, que nada mais são do que compressores com ratio ∞:1 (infinito para um) e makeup gain. 

Recomendo escolher um que tenha a função true peak e colocar o ceiling/output em -0.2 dB (para evitar clipping em equipamentos mais sensíveis), em seguida basta aumentar o gain ou baixar o threshold até obter a loudness desejada.

Boa parte dos limiters/maximizers do mercado possuem algoritmos diferentes que incluem “colorações” distintas, tratam os transientes de maneira singular e, por tanto, soam dissemelhantes. Você deve escolher um conforme a estética desejada. Também é possível encontrar limiters multibanda, caso seja necessário manter uma disparidade de loudness ou attack/release entre as regiões de frequências num projeto específico.

Os que mais uso: Izotope Ozone 9 Maximizer, FabFilter Pro-L2, Waves L2, Sonnox Oxford limiter V3 e Softube Weiss MM-1.

10. Mas e o Dither?

Master pronta! Porém, antes de convertê-la para 16 bits (ou 8, no caso de vinil), devemos escolher um dither para evitar os artefatos gerados pelo downsampling. O que é o dither? 

O dither é um ruído gerado pelo software que tem fase negativa com as diferenças da onda original para a “downsampleada”, de forma que ao ser adicionado ao áudio convertido deve aproximar o som resultante daquele original. A ditherização deve ser feita sempre somente uma vez, de preferência nesse final de projeto.

Na imagem: a linha verde seria o áudio original, o vermelho sua forma após downsampling e o dither é representado pela linha azul.

A soma dos vetores azuis e vermelhos têm uma resultante muito próxima da verde.

A maioria dos limiters/maximizers do mercado oferece um dither, e por isso recomendo utilizar a ditherização do mesmo software escolhido no passo anterior, alterando apenas o noiseshaping conforme a sua necessidade. É claro que também é possível escolher o dither da sua DAW no ato de renderizar o projeto em 16 bits, sugiro ler o manual para compreender as opções e escolha apenas um.

11. Tem mais alguma coisa na Chain?

A master “per se” já está pronta para ser renderizada após o dither, mas a chain pode ser um pouquinho maior… como assim? Quase todo masterizador coloca depois do limiter algum software para medir a loudness e assim ser mais preciso no gain/threshold da sua maximização. 

É também bastante comum utilizar medidores de balanço, de dinâmica do grave e diversos outros plugins que comparam visualmente aspectos das faixas com outras já masterizadas.

Os que mais gosto: Waves WLM Plus, Mastering the Mix Levels, Izotope Tonal Balance Control 2, Mastering the Mix Reference.

12. Renderizar e testar no carro!
Depois de fazer todos os passos, é hora de renderizar e curtir sua obra! Não esqueça de testar ela em diferentes soundsystems antes de “bater o martelo”: muitas vezes o que soa bem nos monitores, não está tão bom num som automotivo, por exemplo, e pode precisar de alguns ajustes!

Espero ter colocado a compreensão dos processos de uma masterização ao alcance de todos! Que possam estudar, testar e desenvolver suas próprias chains. Lembrando sempre que não existem regras em áudio e não sou o dono da verdade… as escolas são muitas e informação é poder! Se ficou com alguma dúvida, pode me chamar.

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