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A música conecta

Radiosfera | Episódio 2: TóIN, um sinal de Belém

Foram muitos os lugares em que a música eletrônica floresceu em seu segundo grande momento no começo dos anos 2000. Agora não mais circunscrito às grande metrópoles do sul e sudeste e muito menos um cenáculo compartilhado entre uma elite de entendidos, o panorama em franca expansão se espraiava por lugares que, até então, sequer possuíam contato direto com esses centros disseminadores. 

+++ No primeiro episódio da Radiosfera falamos sobre a Rádio Flight, criação de Julinho Mazzei

Era muito alentador poder testemunhar uma quebra naquele Efeito Mateus que acabava por determinar as vagas e vogas que pautam a dinâmica desses processos culturais e resultava num enfadonho e uníssono coro que exaltava muitos dos mesmos nomes e estilos. É e meio a esse cenário de ampliação de destinos e diversificação de origens, em muito fomentado pela popularização da internet e de seus recursos comunicacionais.

Foi bem no cerne dessas mudanças que coletivos começaram a pulular país afora, cada um imbuído de certas características, anseios e objetivos moldados e informados por suas respectivas cenas, agora não mais em estado de gestação, mas em pleno desenvolvimento. E é este o contexto no qual o núcleo paraense Cotonete se formou e conseguiu levar sua proposta musical então inovadora para a principal emissora da região.

O grupo formado Michelli Byanka, Jamille Pinheiro e Benjamin Ferreira compunha esse coletivo que se tornou um dos principais condutores de novidades da então crescente cena local. Um feito que em muito foi fruto do alcance de seu programa TóIN, transmitido pelos anos de 2001 e 2002, no auge da expansão global das sonoridades brasileiras, pela Cultura FM de Belém.

Aqui temos uma oportunidade bem especial de conversar com dois de seus criadores e animadores que, eventualmente, vieram a fazer parte dos corres que ajudaram a enriquecer o cenário paulistano e, no caso de Benja, tornaram-se parte do contingente dos grande seletores que a cidade pode se gabar de abrigar.

O que vemos a seguir é a história oral de um onomatopeia que se tornou um sina que ecoou tão longe quanto pôde, mas cuja contribuição ressoa até nossos dias.

Foto: Tereza Maciel

Jamille Pinheiro | A presença da dance music em Belém é historicamente significativa, algo que precede a realização de raves e outras festas de música eletrônica underground em clubes a partir do final dos anos 1990. Corona, Ice MC e Double You, por exemplo, tocavam muito nos anos 1990, mas o vínculo de Belém com a música de pista, tanto nas rádios como nas casas noturnas, é mais antigo, remetendo à disco, ao soul e ao funk dos anos 1970. 

Antes do Cotonete, Belém teve a residência do grupo eletrônico 11:11 ORG no Roxy Bar. Houve também a Eletrolounge, outra iniciativa pioneira de produção de festas de música eletrônica na cidade, que se deu mais ou menos na mesma época. Fizeram uma festa linda no Solar da Beira do Ver-O-Peso, com a Ana (PETDuo) e o Calibre.


Benjamim Ferreira | Tudo começou com o fanzine homônimo e, por volta de 2000, começamos as fazer festas em Belém voltadas para o tipo de som que gostávamos. O nome mesma era uma tirada meio meio pretensiosa e até ressentida com o status quo, pois não tínhamos espaços para curtir nossas músicas, fosse nas rádios ou na conjuntura da vida noturna de Belém da época.

Rave do Cachorro Doido (Belém, 1999)

Foi aí que um casal que acompanhava nossas atividades entrou em contato nos oferecendo a oportunidade de um espaço na Rádio Cultura, onde tinham certa influência, pois ele era um dos locutores, o Ian Mavahuel. Ele e a Dani Franco trabalhavam com comunicação e nos convidaram, então fizemos um projeto e levamos para lá essa emissora cuja programação era primordialmente focada na MPB e na música regional. Tudo foi bastante inusitado e acabamos fazendo um piloto que foi bem recebido.

Jamille Pinheiro | Eu tinha 17 anos e estava ainda no ensino médio quando conheci o Benjamin Ferreira, a Michelli Byanka e me envolvi com o Cotonete. O Benjamin é uma enciclopédia musical e um grande DJ. Conhecê-lo representou uma expansão de horizontes. Eu havia desenvolvido, com a chegada da internet a Belém, um gosto por investigar selos, produtores e DJs, por ler e escrever a respeito; nós três tínhamos isso em comum. 

Claudio Manoel, Benjamin Ferreira e Michelli Byanka em São Paulo (2003)

Em 2001, com o TóiN Eletro Cultura, criamos um espaço para compartilhar essas afinidades entre nós e com outras pessoas interessadas da cidade. O Ian Mavahuel, a Dani e o Marcus Ayres também participaram e colaboraram de formas variadas. Comecei o curso de Letras na Universidade da Amazônia, a UNAMA, e no programa atuava sobretudo como redatora, além de pensar o repertório conjuntamente. Encontramos o apoio do Toni Soares, importante cantor, compositor e pesquisador da cena musical de Belém, que acreditou e apostou no projeto. O programa durou oito meses e era semanal, transmitido aos sábados pela Rádio Cultura FM (93.7 MHz). 

Benjamin ferreira | O programa estreou no dia 27 de outubro de 2001 e ia ao ar todos os sábados às 18h tendo uma hora de duração. Lembro-me até hoje da primeira música a ser tocada na primeira edição: Sambassim do Patife com a Fernanda Porto.

Dentro daquela uma hora de que dispúnhamos, segmentávamos tudo em três blocos: o primeiro de quinze minutos, com músicas sendo apresentadas fora do formato mixado; depois vinha um mix de meia hora que usualmente era de autoria de algum DJ convidado com o qual gravávamos uma entrevista; e finalizando tínhamos mais quinze minutos com faixas soltas. 

Jamille Pinheiro | O público podia ligar para participar de promoções. Um dos programas mais felizes para mim foi quando o Eloy Iglesias, de Pecado de Adão, telefonou e ganhou um prêmio. Lembro de um momento bastante triste também, que foi receber a notícia, na noite do programa do dia 29 de dezembro de 2001, quando tínhamos acabado de transmitir o programa na emissora, do falecimento repentino da Cássia Eller.

Benjamim Ferreira | Eu procurava desenvolver uma pesquisa com outros DJs do Brasil, o que em muito foi intensificado através de nossa relação com o rraurl, o principal portal para os amantes da música eletrônica no país durante um bom tempo. Mas começaram a surgir algumas diferenças entre os colaboradores do programa e tudo acabou por volta de sete ou oito meses…

A única vertente, por assim dizer, que enfatizávamos eram as produções brasileiras. Mas, fora isso, tudo cabia ali: Trip Hop, Breakbeat, Drum & Bass, Techno, House… Não levávamos convidados para o estúdio, mas trazíamos os CDs gravados que nos enviavam – entre eles gente como Andy, Camilo, Mau Mau, Wagner J, Mimi e muitos outros — e escrevíamos o texto que o Ian, nosso locutor, iria ler no ar.

Jamille Pinheiro | Fiz o site do Cotonete, que existia no endereço http://sites.uol.com.br/cotonete.belem. Um pouco antes do início do TóiN, eu tinha ido estudar inglês em Londres por alguns meses, o que me possibilitou conhecer casas como o The End e a Fabric, frequentar raves, garimpar discos e ter uma vivência mais intensa em pista de dança. Naquele mesmo ano, comecei a colaborar com o rraurl.com, fazendo entrevistas e redigindo resenhas. 

O trabalho naquele site me levou a mudar para São Paulo no início de 2005, após uma temporada de dois anos em Curitiba, onde fui uma das apresentadoras do Poperô, outro programa de rádio de música eletrônica, ao lado do Soundman Pako e do Rafael Araújo

Alguma festa do Cotonete (2004)

Benjamim Ferreira | A internet e todos os recursos inovadores que ela trazia para nossa rotina sem dúvida alguma ajudaram nessa integração mais ampla de uma cena nacional. Foi aí que pude vir com a Byanka pela primeira vez para São Paulo em 2002 para cobrir o festival Skol Beats diretamente para o programa. 

Era tudo ainda meio autônoma e heroica, já que mesmo que tenhamos sido credenciados através da emissora, nossas despesas foram pagas por nós mesmos. Para mim foi um momento de inflexão, pois foi aí que conheci Camilo Rocha, Renato Lopes… e o resto da história acho que já é de conhecimento público.

Jamille Pinheiro | O programa em que transmitimos ao vivo entrevistas com DJs durante o Skol Beats de 2002 foi marcante. O drum’n’bass nacional tinha um certo protagonismo no programa, com produções de Patife e Fernanda Porto, Xerxes, Marky e Ramilson Maia. Mas houve ocasiões em que transmitimos faixas de techno bem na linha do Tresor, tipo Surgeon, James Ruskin

Era um tanto inusitado e revolucionário estarmos compartilhando essa cultura musical com uma audiência de rádio em Belém naquele contexto, naquele momento, o me dava uma sensação de prazer e liberdade.

Benjamin tocando no Juke Joint, Rebordose (After Skol Beats 2003)

Benjamim Ferreira | Claro que tudo era interligado e houve algum efeito positivo do programa na frequência das festas, mas acho que também tivemos pouco tempo para poder aferir isso. A audiência era boa e isso podíamos aferir por conta das promoções que fazíamos no decorrer do programa. 

Eram sorteios que envolviam todo tipo de premiação que conseguíamos através de parcerias: CDs, tatuagens, ingressos, coisas assim… tanto que é divertido para mim ouvir de pessoas hoje em dia que têm uma tattoo que ganharam em alguma promo do TóIN. Essas ações serviam para fidelizar o público, mas também nos ajudavam a mensurá-lo.

Jamille Pinheiro | Acredito que o programa também nos ajudou a formar um público para as festas que produzimos, como as que foram realizadas no Zeppelin Club, e a Amazônia Celular Eco Party, uma rave que aconteceu no Parque dos Igarapés em 2002.

Na época, recebemos em Belém DJs como Murphy, Cleber Portaro, Spiceee, Christian Fischer e Hartmut Kiss. Quando penso em retrospectiva, acho que realmente pudemos construir juntos — no Cotonete e para além dele, com a participação de outros coletivos e outras pessoas que curtiam dançar e tocar em Belém — uma cena que fez diferença na cultura musical da cidade.

Benjamin Ferreira | Infelizmente não encontramos até hoje nenhum registro de qualquer episódio do programa online, mas temos estes dois mixes aqui que eu fiz com faixas marcantes da sua história. Fiquei ouvindo ele ontem e agora notei que eles são uma declaração de amor a essas músicas que foram tão importantes pro Cotonete ao longo da década passada.

E é engraçado ver como o papel do coletivo foi fundamental ao longo desses anos, mas como a ideia do coletivo não parece mais ter lugar nos dias de hoje. Não que as parcerias não existam — elas continuam existindo e sempre serão fundamentais. Mas a existência de um coletivo formal como tínhamos, eu não consigo ver funcionando mais. E tento entender os motivos.

Vejam também, o documentário sobre o Pragatecno, projeto mais longevo  e amplo que surgiu dos esforços do Cotonete nos anos seguintes: 

A música conecta. 

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