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A música conecta

Soul Beats | 25 anos de Drumagick: um projeto de drum and bass desenvolvido em família

Por Redação Alataj em Soul Beats 30.06.2017

Por: Lucas Portilho de Faria Cunha

O Drumagick é um projeto de drum and bass composto pelos irmãos Junior Deep e Guilherme Lopes. Com mais de duas décadas de estrada, a dupla começou a profissão de DJ e produtor musical em uma rádio pirata própria chamada Alternativa FM e em festas particulares de amigos e familiares. Com um editor de áudio instalado no computador, o trabalho inicial dos irmãos era de criar vinhetas e desenvolver sonoplastias. Estimulados pela curiosidade, Junior e Guilherme pesquisaram as nuances da produção musical através de experimentos. Com a prática, descobriram formas de produzir house, techno e, mais tarde, as batidas quebradas.

Entre 1995 e 1997, os irmãos se uniram com Márcio Luiz (que hoje em dia se dedica à montagem de sons automotivos) e tiveram a oportunidade de conhecer Ramilson Maia: uma referência na música brasileira e um dos fundadores do Kaleidoscópio. Entre conversas e trocas de conhecimento, Ramilson foi o responsável por apelidar (e, porque não, batizar) o trio de Naboapodre. A justificativa do apelido é a fisionomia “good vibes” do grupo e o fato de produzirem músicas “podronas” (ou seja, envenenadas, hardcore, pesadas). A aceitação do apelido pelo trio foi tão positiva, que o primeiro projeto artístico dos irmãos ganhou o nome “proposto” por Ramilson.

Com um ritmo 4/4 predominante, o Naboapodre se dedicava, inicialmente, em produzir sonoridades que possuíssem uma estética que se aproximava do house e do techno. Por terem sido “formados” em uma “escola” do sampling, era inevitável o interesse dos irmãos e do Márcio pelas batidas quebradas. Por este motivo, samples, recortes e loops de discos foram utilizados para a composição das primeiras músicas. Dentre as faixas produzidas, Ramilson observou que as características de um trabalho específico chamaria a atenção de um amigo: Xerxes de Oliveira (XRS). Segundo Guilherme, “o Xerxes desde aquela época (1996) já conhecia muito de MIDI, de síntese e a gente ainda estava no editor de áudio”, comenta sorrindo.

A relação dos irmãos com os artistas Ramilson e Xerxes foi fundamental para o surgimento do projeto de drum and bass Drumagick. No primeiro contato com o XRS a dupla havia proposto um curso de MIDI com o artista. No entanto, com o encerramento do curso e o aumento do contato entre os produtores musicais, uma amizade se firmou. A dupla faz uma analogia de um “sarau” para contextualizar os primeiros encontros com XRS e Ramilson: uma reunião festiva para se ouvir música, conversar e trocar experiências. “Nós mostrávamos as coisas que tínhamos feito, o Xerxes mostrava e o Ramilson mostrava as ideias dele. E muitas coisas técnicas nós solucionamos ali. ‘Olha, eu fiz isso aqui para poder tirar esse som’”, exemplifica a dupla. Este mesmo clima de “sarau”, permitiu que, por volta de 1998, o brazilian drum and bass surgisse e perpetuasse ao longo dos anos. Sendo assim, DJ Marky, DJ Patife, Fernanda Porto, XRS, Drumagick e Ramilson foram um dos principais embaixadores do subgênero musical no país.

Na vida de Junior e Guilherme, o drum and bass surgiu como um despertar. Junior conta que, no começo da carreira, pesquisava e tocava: rap nacional e hip hop internacional. Naquela mesma época [1991-92], destaca o produtor musical e DJ, “o artista fazia o baile todo. Tocava-se todas as sessões musicais e não era segmentado musicalmente”, explica. Com a intensificação da pesquisa musical, os irmãos começaram a traçar o que realmente interessava para a dupla. Até que o hardcore eletrônico e o jungle como, por exemplo, Prodigy e SL2, fez a cabeça de ambos “girar”. O rítimo da pesquisa era tão intenso, que Junior gastava boa parte do salário de bancário em discos. “O primeiro salário que eu peguei, foi para pagar a primeira parcela dos meus tocadiscos. Eu fiquei seis meses trabalhando para pagar as parcelas que era justamente o que eu recebia no banco”, detalha Junior.

Imersos em um clima de estudos, observação, novas técnicas e amizades, os irmãos inauguram o Drumagick. Aliado a pesquisa musical, o projeto começou a produzir as suas primeiras faixas, atividade que, em 1997-98 culminaria na primeira demo do projeto. Assumindo a “identidade” de Drumagick, Junior e Guilherme investiram em equipamento de gravação e manufatura de CDs para que pudessem divulgar os trabalhos em desenvolvimento. É importante lembrar que em 1997-98, o acesso a internet era inimaginável para muitos brasileiros, portanto, era exigido dos DJs e produtores um alto nível de pesquisa, divulgação em festas e investimento financeiro para que as produções alcançassem o público.

Devida a necessidade de mudança de pseudônimo com a saída do Márcio do projeto Naboapodre, o nome Drumagick se consolidou através de uma conversa informal entre irmãos. Parte da inspiração foi uma compilação do DJ e produtor alemão Bassface Sascha chamada Bassface Sascha And Crew ‎– The Unreleased Dubplate Selection; outra parte foi um reflexo da afeição da dupla por linhas de bateria (drums); mais outra foi a realização de um sonho da adolescência se tornando realidade; e, por fim, a questão estética, propondo, portanto, o acréscimo do “K” ao final do nome do projeto.

Lançamentos de sucesso | Questionados sobre os momentos mais marcantes da trajetória do Drumagick, a dupla comenta sobre a presença do projeto no CD disponibilizado mensalmente na revista DJ World. A cada edição, a revista compilava o trabalho de diversos artistas nacionais e internacionais que estavam fazendo “barulho” na cena eletrônica. A música Mó Revolta foi a primeira aparição do projeto de drum and bass na compilação e “quem é fã do Drumagick comenta sobre ela até hoje”, lembra Guilherme. Após o primeiro convite, as músicas produzidas pelos brasileiros passaram a estar presentes mensalmente na compilação. Direta ou indiretamente, estes CDs foram de suma importância para a proliferação do trabalho realizado pelo Drumagick levando, assim, o projeto para novos locais como: casas de shows e festivais.

https://www.youtube.com/watch?v=xhmosCWEjI8

O primeiro lançamento do projeto em uma gravadora, foi uma das faixas produzidas para a demo lançada em 1998 intitulada Metromorfose. O trabalho foi adquirido pelo sublabel focado na música eletrônica nacional, SambaLoco (Trama Records), e fez parte da primeira compilação da gravadora: a SambaLoco Compilation 1. Dois anos depois o projeto estaria lançando o seu primeiro álbum Aí Maluco também pela Trama Records. Ao lado de grandes produtores de drum and bass nacionais, como Patife, Marky, Ramilson e Xerxes, o Drumagick fez parte do “boom” do d’n’b no Brasil. Ao mesmo tempo em que o gênero das batidas quebradas dava uma guinada em terras brasileiras, os irmãos lançaram o single de maior sucesso até hoje: o Easy Boom.

Com o sample da música Take It Easy My Brother Charles do Jorge Ben Jor, a Easy Boom se tornou uma febre nos principais meios de divulgação o drum and bass internacional. Através da cultura do dubplate, músicas eram sampleadas e remixadas no intuito de desenvolver faixas para distribuição exclusiva entre DJs. Por estarem inseridos nesta cultura, a dupla “viajou o mundo” na case do DJ Patife, que apresentou o Drumagick por intermédio da Easy Boom. Naquela mesma época, a música produzida por Wagner Borges R. Souza com a participação da cantora Fernanda Porto, Sambassim já estava conquistando o mundo.

Gilles Peterson, um importante pesquisador musical e dono de um lendário selo musical chamado Talkin’ Loud, licenciou a música dos brasileiros Junior e Guilherme por intermédio da iniciativa do DJ Patife em apresentar o trabalho de produtores brasileiros de drum and bass através dos seus sets. A datar desta época, o Drumagick passou a ter portas abertas para turnês nos países do antigo continente, oportunidades que, até hoje, se repetem regularmente.

Além da Talkin’ Loud, a dupla possui lançamentos nas principais gravadoras internacionais de drum and bass, como: V Recordings (Inglaterra), Real Playaz (Inglaterra), Trouble on Vinyl (Inglaterra), além dos renomados selos fora do cenário d’n’b como, Tru Thoughts (Inglaterra), Schema Records (Itália) e F Communications (França). Inclusive, não só os DJs de drum and bass tocam as músicas produzidas pelos brasileiros, mas artistas internacionais que se dedicam à outros gêneros também. A possibilidade de misturar sonoridades, ritmos e timbres fica ainda mais evidente com fato da metade das apresentações do Drumagick no exterior serem em eventos não especializados em d’n’b. “Isso é muito legal! Porque dessa forma as nossas músicas chegam a pessoas que a gente nunca imaginaria”, conta Guilherme.

Drumagick Live Band | Paralelamente ao sucesso da Easy Boom, foi elaborado o blueprint de uma live band das músicas compostas pelo Drumagick: a Drumagick Live Band. Junior já fazia parte do projeto Vitrola Stereophonica quando, entre 2004 e 2005, foi lançado o segundo álbum da dupla, Checkmate!. O trabalho teve a participação da Vitrola e, inclusive, pode-se dizer que foi uma antevisão do formato de live que viria a ser adotado pela banda Drumagick Live Band: ritmos mais humanos e estética black.

Em tempos de pré lançamento do segundo álbum do Drumagick, Junior conheceu um grupo de artistas que possuíam uma ânsia por compreender e aplicar a estética da música eletrônica nas suas composições. Existia uma verdadeira troca de experiências entre o Junior e estes artistas: ao mesmo tempo que o DJ e produtor ensinava como eram os detalhes da música eletrônica, os artistas esclareciam dúvidas sobre instrumentos musicais e/ou técnicas ligadas à música em geral.

Com o desenrolar deste “laboratório”, um repertório foi desenvolvido e apresentado através de shows nos quais Junior era o DJ da banda. Todos os conhecimentos e a empolgação desta experiência culminou na vontade de desenvolver a Drumagick Live Band. Com isso, Guilherme foi integrado ao grupo, Kuki Stolarski foi convidado para assumir bateria, James Müller a percussão e José Nigro o baixo.

Novas oportunidades | Após toda a trajetória percorrida pelos irmãos Drumagick, as músicas produzidas pela dupla chegam ao ambiente corporativo através da veiculação de trilhas em jogos (como Need For Speed e FIFA Street) e remixes para trilha sonora de filmes (como a Cidade de Deus). “Foi uma época bem bacana para a gente, pois a música ‘Malandragem’ [do segundo álbum da dupla] foi vinculada à campanha da primeira edição do FIFA Street (EA Games). O garoto propaganda era o Ronaldinho Gaúcho (no ápice da carreira dele) e essa propaganda rodou o mundo todo”, detalha Junior.

Em meados dos anos 2000, Drumagick e Ramilson Maia coordenavam uma escola para DJs e produtores musicais chamada Hangar 15. Nas imediações do bairro Jabaquara em São Paulo (capital), Junto com Anibal Messa, em 2005, o Drumagick fundou a Beatmasters: uma escola de DJs e produtores musicais que, inclusive, fornecia equipamentos para DJs, produtores musicais e home studios através da Beatshop. “A loja foi uma das primeiras e-commerce voltadas para equipamentos de DJs e home studio”, observa Junior.

Entre 2006 e 2007, Junior e Guilherme fundaram a Beatmasters Recordings. Porém, devida a vontade de se dedicarem a carreira artística, em 2008, os irmãos tomaram a iniciativa de se desligar da loja e da escola (a escola ainda existe e operante), e rebatizaram a gravadora com o nome BMR Music. Além da gravadora, ainda ativa nos dias de hoje, o BMR Studio se dedica em prestar serviços de produção e pós produção de músicas, como: engenharia de som, mixagem e masterização. Recentemente, a dupla anunciou, nas suas redes sociais, a publicação de uma série de vídeos educacionais no intuito de auxiliar produtores musicais no desenvolvimento de suas faixas.

Um dos lançamentos mais importantes da gravadora, foi o quarto álbum do Drumagick, Dance Box. O trabalho, segundo a dupla, é considerado como um dos mais freestyle já produzido pelos irmãos e teve a participação massiva de artistas nacionais e internacionais dos mais variados gêneros musicais.

Cada vez mais reconhecidos internacionalmente, o Drumagick, foi convidado pela inglesa Audio Network (uma importante empresa de catálogos musicais) para a produção de 3 discos que seguiam determinadas temáticas comerciais. Temas voltados para esporte, sons sofisticados, trilha para TV e games são exemplos de trabalhos desenvolvidos pelos irmãos para a empresa. Guilherme admite, ainda, que este convite foi recebido de bom grado pelos irmãos, por causa da afeição que ambos possuem pela produção de trilhas para a mídia.

Drumagick e os Leões de Paraisópolis | Um dos últimos trabalhos desenvolvidos pela dupla, foi a participação na trilha e na mixagem do documentário Leões de Paraisópolis. Filme de Danilo Mantovani e Gustavo Ferri, produzido pela Spanda e a gigante da cobertura esportiva, ESPN, o longa conta a história de um grupo de adolescentes residentes em uma comunidade de São Paulo (Paraisópolis) que tiveram as suas realidades modificadas através de um projeto social que propõe o ensino do rugby através de dois praticantes do esporte. Junior e Guilherme reconhecem que a oportunidade de participar de uma longa metragem é a realização de um sonho: “já participamos de trilhas específicas (a maioria remixes), mas nunca produzimos uma trilha para longa”, reconhecem e detalham, “os diretores, Danilo Mantovani e Guga Ferri, vieram até nós explicando a ideia do documentário e estavam buscando uma trilha sonora com uma identidade brasileira. Apesar do prazo curto e da agenda, assumimos o trabalho de desenvolver a trilha e mixar os áudios”. Mariana Rossi, esposa de um dos diretores, já conhecia o trabalho do Drumagick e, por intermédio dela, indicou o trabalho dos artistas para o desenvolvimento da trilha do documentário.

Na parte criativa do filme, foi necessário “mergulhar” no universo dos praticantes de rugby residentes em Paraisópolis. Através dos relatos e conversas dos personagens com os diretores, a dupla pode desenvolver insights do caminho que deveriam seguir para trabalhar nas faixas que ambientariam o longa. Guilherme expõe e encerra relatando que o Drumagick pôde colocar toda a essência do projeto na trilha sonora: baixos destacados, drum and bass, funk, hip hop, do nosso modo, da nossa cultura e com elementos bem diversificados. Confira o trailer do documentário, os canais do Drumagick e a página da BMR no Facebook.

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