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A música conecta

A pulsante pluridisciplinaridade de Nightmares on Wax

Por Isabela Junqueira em Storytelling 17.05.2022

Como definir o indefinível? Difícil, mas é basicamente essa a missão quando a pauta se concentra sob a figura de Nightmares on Wax. Pluridisciplinar? Certamente. Ousado? Claro! Mas nenhuma adjetivação ou caracterização parece o suficiente quando o assunto é um trabalho musical tão complexo quanto o desse produtor ao qual me encurvo neste Storytelling — não só como redatora, mas como fã (então sim, esse é mais um dos meus textos emocionados sobre heróis musicais, rs).

Verdades sejam ditas e abro o texto com uma: esse cara não tem metade da notoriedade que merece — e eu falo sério. Nightmares on Wax olha para delimitações estilísticas musicais e eu não diria nem que ele as dispensa, porque de certa forma, ele debocha delas (mas de forma muito respeitosa e competente). George Evelyn foi um dos pioneiros ao abordar o Downtempo e Trip Hop, função assumida no final dos anos 80. Ele desenvolveu um som construído sob uma fusão de Hip Hop, Dub, Funk, Jazz, Reggae, Soulful, e claro, House, Techno e demais sons sintéticos que ecoaram pela Inglaterra entre os anos 80 e 90.

São nove álbuns de estúdio e um extenso catálogo que reflete o quão bem-aventurado o artista foi ao usar a liberdade como o guia para deixar fluir as influências que moldaram seu caráter musical ao longo de sua trajetória. O músico e produtor rompe qualquer bolha estilística sem soar incoerente, e que na verdade, constrói o seu valor justamente aí. O primeiro álbum de estúdio do Nightmares on Wax (ainda ao lado de John Halnon e Kevin Harper), A Word Of Science, lançado pela Warp Records em 1991, trafega entre o Funk, Downtempo e House com uma sutileza que eu particularmente não consigo rotular, mas já antecipava o poder de um trabalho que não à toa soa coeso e fresco às pistas 30 anos depois.

Quatro anos à frente e já como um homem só, Nightmares on Wax retorna à Warp com Smokers Delight, considerado um dos álbuns de Downtempo mais notáveis até hoje, ok? Sem querer puxar sardinha, mas já puxando, é um dos meus álbuns preferidos da vida!! Ali a complexidade alcança a força máxima e nunca mais saiu desse modo. Nights Introlude é um convite a fechar os olhos e transcender — e falando nisso, dizem por aí que George teve a ideia de conceber esse álbum depois de ouvir The KLF durante uma trip de ácido. Em Smokers Delight, Dub, Hip Hop e House se fundem em uma fascinante variedade de samples, dando vida a um memorável álbum.

Eu poderia seguir descrevendo álbum por álbum aqui e me deliciando ao compartilhar e reforçar com você, que chegou até aqui neste texto, o quão fora da curva é a mente musical de George Evelyn (e não importa se é como Nightmares on Wax ou DJ EASE), mas é necessário abrir um espaço para falar sobre as mixagens desse gênio. Melodia de Waiting in Vain do Marley & The Wailers mixado ao lindo vocal de Marvin Gaye em Sexual Healing? Você pode ouvir o mix no mix abaixo. E essa é, literalmente, só uma das façanhas que ele viabilizou enquanto seletor. Inclusive uma das características mais pontuais em seus mixes é exatamente essa, a de se pegar constantemente pensando: “uow, eu não acredito que ele fez isso!”.

George Evelyn nasceu em Leeds, na Inglaterra, em janeiro de 1970 e rapidamente despertou para a música. Influenciado por talentos de Chicago como Curtis Mayfield e Quincy Jones, a paixão por música só cresceu conforme ampliou o contato, incluindo também o Hip Hop e os B-Boys. O artista conta que a paixão sempre correu pelas veias apoiado pela família, mas que ampliou a partir do momento que sempre se manteve aberto e exposto a novidades e ritmos, apoiado no sentimento de liberdade em criar. E lá se vão 34 sólidos anos de carreira.

Desconstruindo e combinando elementos conforme o que soa coerente para si mesmo, Nightmares on Wax conduz sua atuação musical de forma que honra todos os ritmos que formaram sua essência musical, sem deixar de lado o olhar atencioso às sonoridades modernas, que também nutrem artisticamente George. E talvez seja justamente essa combinação saudável entre o clássico e o contemporâneo que o faz um produtor e seletor tão eminente. 

A música conecta.

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