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A música conecta

O abandono do Spotify à música eletrônica de pista

Por Isabela Junqueira em Storytelling 21.01.2022

Independência, adjetivação que caminha ao lado da música eletrônica underground desde a ignição. Seja pela manutenção da essência clubber, a necessidade de libertação para criar ou em consequência a sequelas de um tabu histórico sentidas até os dias atuais. Fato é que a engrenagem da música eletrônica underground encontrou um modus operandi bem específico para seguir rodando: a emancipação. É claro que não ter de suprir demandas comerciais e modelos engessados com foco em vendas é um lado positivo, mas para uma máquina girar em sua máxima potência, alguns suportes são indispensáveis. Na era dos streamings musicais principalmente.

A plataforma Spotify, atualmente, se posiciona como o rei dos streamings: de acordo com dados da própria plataforma são 172 milhões de assinantes, 381 milhões de usuários ativos mensais, com presença em 184 mercados e mais de 70 milhões de faixas concentradas. Números estratosféricos que tornam o aplicativo, indiscutivelmente, a principal vitrine da música contemporânea. A partir desse quase monopólio, a plataforma foi a responsável por estabelecer a frutífera dinâmica de construção de playlists nichadas, sejam oficiais ou de curadores que têm suas seleções apreciadas — função que inclusive caminha para molde de profissão remunerada.

A geração de playlists é fundamental para a dissipação e desenvolvimento de novos artistas, sendo essa a principal função de destaque do Spotify, que diante dessa dinâmica se consolidou como um impulsionador artístico ao reunir grandes referências do nicho junto de talentos em ascensão. A importância dessa dinâmica é tamanha que se desenvolveu, inclusive, um mercado ilícito por trás, onde pagamentos que podem atingir até 30 mil reais são feitos no sentido de posicionar artistas em playlists com alto números de seguidores, como revelou a apuração do jornalista Guilherme Ravache para o portal Splash. Ou seja: a indústria fonográfica captou muito bem a serventia da prática.

Seja nas versões gratuitas ou pagas, aqui no Brasil, a aderência ao aplicativo também foi massiva. O Spotify abraçou os mais variados gêneros musicais: Funk, Rap, Pagode, Sertanejo e até o movimento do Trap nacional. E diante desse contexto, como se encaixa a música eletrônica underground voltada para as pistas? A resposta é simples: não se encaixa. Mesmo sendo, assim como incontáveis outras, uma cultura que se desenvolve singularmente a partir do DNA brasuca, com uma efervescência digna de olhares atentos, o maior streaming musical dos tempos modernos ao que parece, menospreza o ritmo, seus agentes e consumidores — deixando essa esfera de fora da famosa dinâmica do aplicativo.

A playlist oficial do Spotify que se volta à cena underground com moldes de pista está, literalmente, abandonada. Batizada de Front BR, o Spotify Brasil gerou a playlist do gênero e, aparentemente, sem intenções de fomentá-la na mesma dinâmica com ritmos mais comerciais. Além da falta de espaço para o universo eletrônico alternativo, a falta de leitura cautelosa e diálogo são gritantes: não existem projetos como mixes ou até podcasts direcionados ao nicho underground nacional e, até então, seguimos sem futuras projeções.

Para fechar o pacote, em julho do ano passado, os editores do Spotify internacional disponibilizaram um release de imprensa dissertando sobre o “ressurgimento” da música eletrônica underground e Bedroom. Em uma tentativa de elencar possíveis tendências para a cena, a plataforma deu um show de desinformação, no mais puro estilo “a volta dos que não foram”. Ou seja: aparentemente a ignorância do Spotify em relação à música eletrônica não fica só em âmbito nacional. Para os agentes ativos ou passivos, a falta de diálogo comprova-se a partir do discurso que tenta (de forma bem falha) gerar um falso hype — em uma cena que atravessa um processo de ascensão há bons anos.

O Spotify acaba sendo um bom exemplo em relação à problemática tentativa de discorrer sobre uma esfera que até então, a plataforma se mantém afastada: o discurso é raso e consequentemente, enfraquecido. Em tempos onde a ciência classifica a música eletrônica como “brain food” (em livre tradução, “comida cerebral”) e o álbum do ano, eleito pela revista Times, emerge a partir das mãos de um produtor de música eletrônica, fica o questionamento se a postura da plataforma condiz com a dedicação que a cena (nacional ou internacional) merece. Seguimos observando e torcendo para que a contemplação do Spotify seja, finalmente, estendida à música eletrônica underground. Enquanto isso, seguimos aguardando e acompanhando.

A música conecta.

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