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A música conecta

Sade: impacto, referência e profundidade para todos os cantos

Por Isabela Junqueira em Storytelling 24.06.2024

Em um mundo ditado por tendências, a autenticidade, principalmente na arte, é cada vez mais valorizada. Não à toa, aplicativos como o Instagram e TikTok frequentemente incluem no seu radar algorítmico obras, músicas e/ou artistas que fomentam esse apelo ao nostálgico e, de certa forma, oferecem uma descoberta extraordinária para as novas gerações. No olho dessa dinâmica, a figura de Sade Adu (que já era celebradíssima por gerações anteriores), ascendeu e caiu nas graças de novas gerações que vem tendo o prazer de redescobrir seu trabalho musical — e até a sua estética visual. Assim, Sade foi de ícone global da música a um posto que, em mais de 40 anos de carreira, possivelmente nunca havia ocupado: o de uma ditadora de tendência.

Helen Folasade Adu nasceu em 16 de janeiro de 1959, em Ibadan, na Nigéria, mas se mudou para a Inglaterra ainda criança, acompanhada pela mãe e o irmão e se estabelecendo nos arredores da cidade de Colchester. Desde cedo, Sade foi influenciada por uma mistura rica de culturas e sons, que mais tarde seriam fundamentais na sua música. O começo da sua jornada musical, no entanto, foi quase acidental: seus amigos da faculdade a convenceram a servir como vocalista de apoio para a banda, chamada Pride. Em 1981, após graduada, ela se juntou de vez ao grupo e eles fizeram até turnê pelo Reino Unido, momento em que a sua voz e presença começaram a se destacar de maneiras inconfundíveis. Ela se destacou tanto que foi procurada por alguns dos maiores selos à época, que pleiteavam uma carreira solo para Adu, mas foi a Epic Records — selo de alguns dos maiores nomes da indústria musical, como Michael Jackson — que a convenceu a seguir carreira solo.

Primeira formação da banda Sade

Apenas a partir de 1983, quando Sade formou sua própria banda de homônimo com os membros e ex-companheiros do Pride que a sua trajetória realmente começou a ser melhor definida. O grupo, composto por Stuart Matthewman (saxofone e guitarra), Paul Spencer Denman (baixo) e Andrew Hale (teclados), encontrou em Sade Adu não apenas uma líder genial e carismática, mas uma força criativa cujo talento transcenderia gerações. Em 1984, o lançamento de Diamond Life marcou um ponto de virada, apresentando ao mundo uma fusão sofisticada entre jazz, soul, R&B e um pop muito maduro. Your Love Is King foi o single que antecipou o álbum e foi amplamente bem recebido por público e crítica, mas a inconfundível Smooth Operator se tornou a faixa mais famosa, catapultando Sade à nível global.

O estilo verdadeiramente único de combinar letras introspectivas e melódicas com arranjos musicais suaves e sofisticados gerou uma assinatura inconfundível. A voz suave e hipnótica de Adu se tornou a trilha sonora de momentos românticos, reflexivos e/ou divertidos de muitas pessoas e histórias. Na sequência, Promise, lançado em 1985, serviu como mais um marco já que no ano seguinte, em 86, Sade Adu ganhou um Grammy na categoria de Melhor Artista Revelação e em 87, a banda foi indicada nas categorias de Melhor Álbum R&B e Melhor Grupo de R&B. Em 1988, o terceiro álbum de estúdio da banda, Stronger Than Pride, seguiu explorando e expandindo a sonoridade incomparável da banda, solidificando ainda mais o status tanto do grupo quanto da cantora. 

À essa altura, a abordagem musical que deu força máxima na ascensão da banda estava plenamente consolidada e Sade Adu já era não só uma das maiores artistas de sua geração, mas uma das maiores vozes da história da música. As músicas honestas, íntimas e profundamente pessoais, refletindo suas próprias experiências e emoções foram, claro, fundamentais para a interpretação à altura do que ela compunha, mas a forma com que essas letras ressoam universalmente com a condição sentimental humana é simplesmente extraordinária — é impossível ouvir qualquer canção da banda e não sentir algum tipo de impacto sentimental. Além disso, o estilo musical distintivo e elegante que contribui para essa aura de mistério e sofisticação torna tudo ainda mais fascinante e envolvente.

O lançamento de Love Deluxe em 1992 aprofundou ainda mais esse cosmos musical da banda e introduziu novas faixas icônicas como a fantástica No Ordinary Love, Like a Tatto, e uma das minhas preferidas, Kiss of Life — com o álbum, a banda e sua líder conseguiram o feito de alcançar um público ainda mais amplo. O início da década de 90 também foi um período bastante frutífero para a indústria musical e mesmo em meio ao borbulhar de novos gêneros e artistas, a banda encontrou caminhos para reafirmar a sua relevância em um cenário musical que já caminhava para uma saturação. Sade conseguiu se manter pertinente, não apenas pela qualidade inquestionável da sua música, mas pela profundidade emocional que cada canção carrega.

Após um hiato de originais de quase uma década, a banda retornou nos anos 2000 com Lovers Rock, novamente abordando temas sentimentais com uma maturidade e sensibilidade raras. O álbum trouxe novos sucessos como By Your Side e provou que a conexão da música do Sade com o público permanecia intacta — mesmo com longas pausas entre os lançamentos, já que cada novo trabalho da banda e cantora eram bem recebidos com entusiasmo e como uma espécie de velha amiga cuja sabedoria, compreensão e charme nunca desapareciam.

E o mesmo se manifestou no último álbum da banda, Soldier of Love, de 2010. Além de refletir a evolução artística, cada álbum também refletia essa capacidade de explorar temas cada vez mais complexos como amor, perda, maturidade e redenção com a mesma sinceridade e profundidade emocional que ressoava musicalmente com os ouvintes. Inclusive a banda é reverenciada justamente por essa habilidade em criar música atemporal, que transcende as tendências e modismos da indústria musical, mantendo a relevância e o apelo no mesmo nível ao longo das décadas e ressoando com pessoas de todas as idades e origens.

No entanto, o impacto da figura de Sade extrapolou sua música e feitos como vendas recordes e prêmios. Uma das razões pelas quais Adu continua a ser tão cultuada é a autenticidade da sua figura em si. O estilo elegante e minimalista, juntamente a abordagem discreta à fama trouxe uma imagem pública de integridade e mistério, permitindo que a sua arte falasse por si só. O conjunto musical e visual fez de Sade um ícone imaculado — e ela encantou não apenas a sua geração, mas também as que vieram depois.

A conexão de Sade com as novas gerações sem dúvidas é facilitada pela era das plataformas digitais, a contínua popularidade das suas canções em playlists de streaming e também em vídeos curtos nas redes sociais, mas algo em particular vem chamando a atenção de meninas e mulheres conectadas ao universo da moda. Uma das marcas registradas da cantora, compositora e atriz anglo-nigeriana desde 85 é a aparência: o batom vermelho intenso, o contorno discreto e levemente esfumado em preto nos olhos e o cabelo comumente preso para trás com um coque ou rabo de cavalo trançado. Todos estes elementos transformaram a imagem de Sade em um sinônimo de poder e sensualidade, selados pela presença de palco hipnotizante da artista. E em um contexto que demanda tendências e um senso de pertencimento, o estilo de Sade, no século 21, se tornou “a estética Sade Girls”. Independente do como, é bom ver uma excelente referência para as novas gerações em meio a tantas duvidosas…

Com uma carreira que abrange mais de quatro décadas, Sade Adu se estabeleceu como uma referência literalmente única, cujo impacto na arte e na cultura popular é inegável e inestimável. Seu alcance e feitos foram e ainda vão além de todo o status que a música a rendeu — a artista é um sinônimo de autenticidade, integridade e qualidade musical, estabelecendo um padrão de excelência que poucos conseguiram e vão conseguir alcançar. O legado de Sade é um exemplo preciso de como a música pode ser atemporal e universal, reforçando que a verdadeira arte não tem prazo de validade e que a honestidade emocional é um caminho seguro para quem busca (ou não) a imortalidade artística.

Os últimos trabalhos originais de Sade foram os singles Flower of The Universe e The Big Unknown, ambos em 2018 para os filmes Uma Dobra no Tempo e As Viúvas, respectivamente. Apesar das poucas aparições nas redes sociais e maiores indicativos de uma aposentadoria, Helen Folasade Adu segue sendo um farol de inspiração para músicos, público, mulheres e novas gerações em todo o mundo, provando que em um mundo de mudanças rápidas, algumas coisas verdadeiramente belas e significativas permanecem intocáveis.

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