Com colaboração de Isabela Junqueira
O Ambient é um gênero musical inerente à música eletrônica e embora em constante expansão há mais de 50 anos, ainda é uma esfera que demanda um olhar cauteloso e elucidativo, seja para quem quer iniciar no ritmo ou até para os ouvidos mais treinados. Distante do simples conceito de “relaxar o ouvinte” intrínseco em incontáveis plataformas musicais como YouTube ou playlists do Spotify, o gênero se desenvolve de forma muito particular, a partir de conceitos e uma linha do tempo bem estabelecida. Quem se junta a nós para aprofundar o tema é Eduardo Ramos, o Pandit Pam Pam — seletor, pesquisador, produtor musical e um dos idealizadores do selo Boston Medical Group.
O Ambient é formado por algumas características pré-estabelecidas como elementos repetitivos, minimalismo na escolha de timbres e composição com temas continuados — mas a textura e a repetição são os elementos chave, assim como uma leveza (mas não supressão) do ritmo. A abstração do Ambient é o principal ponto, já que o ouvinte pode se conectar ao que está acontecendo ou não, é uma escolha. Erik Satie, compositor e pianista francês do século 19, já pregava que sua música era uma peça, algo como um móvel que deveria ser utilizado no dia a dia. Um grande ponto do gênero é exatamente a questão funcional, que (também) pode servir para relaxar e hoje muito de seu ressurgimento vem do fenômeno de focar para trabalhar.
A digitalização musical e popularização das playlists foram fatores determinantes para essa nova fase do Ambient. Playlists criadas por grandes plataformas com esse tipo de temática, conseguem conduzir o estímulo (ou a falta dele) em narrativas que vão desde de programação de códigos de computador a viagens lunares, entre outros diversos modos, propósitos e atmosferas.
A ignição do gênero
É importante frisar que o Ambient sempre existiu. As origens, enquanto difusas, têm um ponto histórico no início dos anos 70 quando Brian Eno (um jovem veterano das alas mais experimentais da música produzida no Reino Unido) sofreu um acidente ao ser atingido por um táxi e como consequência desse fato, ficou imobilizado na cama. A visita de uma amiga em um dia chuvoso foi acompanhada por um presente: um disco de harpa solo. O tempo lá fora, o volume baixo da música saindo pela caixa de som e a inabilidade do movimento criou uma situação onde a fusão destes elementos desenhava uma linha fina entre a atenção e a abstração da música. Esse é considerado o ponto de ignição do gênero.
Apesar dos traços dessa linguagem musical possuírem fundações profundas na incrível obra de Satie lá no século 19, movimentos como o experimentalismo eletrônico da costa oeste americana, o krautrock alemão, o minimalismo de compositores como Phillip Glass, La Monte Young e Terry Riley e até mesmo o persistente drone da música indiana foram fundamentais para o desenvolvimento do gênero. Mas absolutamente qualquer disco de Brian Eno é a porta de entrada para o estilo, principalmente os da série Ambient e suas parcerias com grandes pilares como Harold Budd, Larajii e Jon Hassell.
O desenvolvimento do Ambient
Apesar de relegado ao consumo doméstico, o Ambient japonês do fim dos anos 70 e dos anos 80 é um dos pilares do assunto. Haruomi Hosono, Midori Takada, Susumo Yokota e obviamente Ryuichi Sakamoto são nomes fundamentais quanto qualquer equivalente no oeste. Os artistas alemães dos anos 70 que, para alívio acadêmico são classificados como Krautrock, são importantíssimos para o estilo. Outros produtores como Cluster/Neu, formaram bases profundas para o estilo, tanto musicalmente como na busca de respostas para problemas — como transportar as músicas para o palco.
Seja junto ao grupo Ash Ra Tempel ou principalmente em carreira solo, Manuel Göttsching é outro exemplo claro dessa dualidade. O clássico absoluto E2-E4 é possivelmente a chave de todo o conceito. Gravado para sonorizar seu dia a dia (Göttsching era um privilegiado dono de um home studio, algo raro para a metade dos anos 70), a faixa funciona como uma verdadeira ponte entre Satie e Aphex Twin. Com um ritmo e synths que parecem ter caído da lua, a faixa foi reapropriada e tornou-se um clássico na colisão com o House através do Sueño Latino.
Nos anos 80, o Ambient foi “pasteurizado” ao extremo, convertendo-se na nociva New Age que diluiu todos os aspectos originais em música para relaxamento. Com o advento do Acid House, o Ambient foi reposicionado através do Chill Out, seja nas salas secundárias das festas onde artistas como KLF e The Orb restauravam as propriedades dissociativas do estilo ao unir batidas House em BPMs de 2 dígitos, além de camas de teclados para recuperar e transicionar os picos causados pelo MDMA.
Embora nos anos 90 e início dos anos 2000 o gênero tenha ensaiado uma volta através de propostas radicais de nomes como Aphex Twin e toda a cena IDM (Intelligent Dance Music), a principal proposição do Ambient foi consolidada nos experimentalismos do Post-Rock, onde elementos eletrônicos (principalmente herdados do Ambient) e o Rock se fundiram em nomes que futuramente solidificaram influências que hoje são certeiras na cena atual como Labradford, Tortoise e Stars Of The Lid. É importante dar destaque também os dois primeiros discos do The Orb e ligados a ele, o primeiro disco do KLF que transformaram o impulso inicial de Sueño Latino em um estilo. Tamanha longevidade das idéias do The Orb que o projeto é ativo e influente até hoje.
Ambient nas pistas?
O Ambient sempre esteve ligado à música eletrônica. Embora seu começo tenha sido radical e conectado ao experimentalismo, suas raízes ligadas ao House e Techno, assim como os seus antecessores como o Dub — que influenciou em grandes proporções a mentalidade do produtor, que é um elemento primordial no Ambient, afinal é produto direto do estúdio e não da performance como no Rock. Então sim, o Ambient está cada vez mais presente, porém na pista certa ou no momento certo de um set. Um dos grandes exemplos é a pouco falada sala SÄULE que faz parte do complexo do Berghain: um espaço dedicado ao lado mais experimental da música eletrônica e tem sido uma grande preposição do futuro.

Atualmente o gênero vem sendo extremamente beneficiado pelos avanços tecnológicos do hardware musical e se antes era impossível imaginar uma apresentação do tipo, hoje isso é mais do que normal em qualquer festival de música eletrônica. O estilo e sua influência hoje faz parte do panorama de eventos que primam por palcos dedicados ao fenômeno da “live”, onde as fronteiras do estúdio/pista são dissolvidas.
Apesar do nome, o Dub Techno é sem dúvida umas das maiores expressões do Ambient nas pistas de dança, assim como sua “readequação” mais explícita com o nome de Ambient Techno. A vertente nascida nas mãos do Basic Channel é um dos pilares e herdeiro direto de toda a estética. O Ambient House dos anos 90, no entanto, foi extremamente codificado, principalmente através do The Orb.
Atualmente o estilo é (e ainda bem) mais difuso e complexo do que nunca, a influência é clara em artistas como DJ Python, Burial e todo o catálogo do selo 100% Silk — mas o buraco é profundo neste caso. Produtores como Caretaker, Grouper, Huerco S e Kaitlyn Aurelia Smith também são grandes colaboradores na manutenção do ritmo, que 50 anos depois de sua concepção, segue se desenvolvendo.
A música conecta.