A história de Carlos Valdes cresceu junto com a cena que hoje ajuda a preservar. Atuando desde o fim dos anos 90, quando adquiriu seu primeiro disco de vinil de música eletrônica, Valdes passou a construir um repertório sólido e coerente, transitando entre vertentes do House e do Techno. Nos bastidores da cena de Amsterdã, esteve presente em momentos chaves para ascensão da cultura clubber e consolidação de espaços mais diversos, seguros e politizados. Ao longo dos anos, transformou pesquisa musical em ofício, sem perder de vista o compromisso com a cultura que o formou, pelo contrário, fortalecendo o movimento que a sustenta.
Para além da pesquisa, Valdes entendeu que a troca entre a pista e cabine não serve para projeção pessoal, mas como algo que nutre a responsabilidade de criar um espaço onde as pessoas se sintam livres para ser aquilo que precisam ser, aproveitando o presente, com o entendimento de que música e cultura de pista são sinônimo de expressão coletiva. Esse seu compromisso em criar momentos em que a pluralidade e a liberdade acontecem concomitantemente o levaram a apresentações em grandes festas e clubs, como Panorama Bar, Blitz, Bassiani, Shelter, Glastonbury, Wildeburg e Dekmantel.
Valdes é o tipo de artista que, além da técnica, tem uma carreira pautada na sensibilidade com o próximo. Foi com este mesmo olhar de quem sabe que a liberdade precisa de espaço, que ele resolveu criá-lo: assim surgiu a IsBurning, festa que fundou ao lado de Sandrien, em 2014, a partir do desejo de criar um ambiente seguro para a comunidade LGBTQIAPN+, ancorado na qualidade da música e na diversidade de quem a frequenta.
Na época, ainda eram raros os clubes em Amsterdam que ofereciam à cena queer uma experiência que equilibrasse acolhimento real e seriedade musical. A IsBurning nasceu no lendário Trouw, às vésperas de seu fechamento, com a proposta de destacar a comunidade LGBTQIAPN+ como estrutura da cultura clubber, como sempre foi, não como um produto ou tema sazonal apoiado em uma demanda do mercado. A pista que frequenta a IsBurning não precisava justificar sua existência. Ela é, por si só, uma afirmação.
Com o tempo, a festa se expandiu e tornou-se itinerante, passando por outras cidades como Londres, Barcelona, Munique e São Paulo (em parceria com a festa dando*), mantendo assim, em cada edição, os mesmos princípios que a consolidaram como uma referência: liberdade como premissa, consistência na curadoria e proliferação do senso de pertencimento. Na pista da IsBurning, não há distinção entre quem está na cabine e quem está na pista e seu maior lema reflete essa diretriz que orienta a experiência: “Everyone Is a Headliner”.
DJs como Tama Sumo, Kim Ann Foxman, Josh Caffe, Dr. Rubinstein, Mike Servito, Massimiliano Pagliara e Job Jobse já passaram pelas cabines do projeto, mas o reconhecimento da IsBurning não está necessariamente atrelado aos grandes nomes, mas na força da festa e no ambiente que propõe, sustentado por respeito mútuo e por sonoridades oriundas da House music, assim como são as origens da cultura que sustenta a música eletrônica.
Essa postura de Carlos Valdes se reflete também em outros projetos, como o Pamela, bar queer que ajudou a fundar em Amsterdam e que se tornou um ponto de encontro fundamental para a cena local. O espaço é um reflexo direto daquilo que ele cultiva ao longo de toda a sua trajetória: hospitalidade e afeto como ferramentas de transformação coletiva.
Diante disso, é possível afirmar que o que torna Valdes uma figura tão singular é a forma como ele constrói a sua carreira sem colocá-la acima de suas convicções. Ele não trabalha para ser o centro das atenções, mas para garantir que esse centro seja ocupado pela multiplicidade. Mesmo quando a ideia de representatividade muitas vezes é esvaziada por interesses pessoais ou narrativas rasas, Carlos segue como uma figura que entende que criar cultura é, antes de tudo, exercer cuidado, presença e comprometimento, em uma declaração contínua de que a liberdade existe e que ela pode (e deve) ser coletiva.