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A música conecta

Four Tet abraçou o mainstream. E daí?

Por Mordechai Zitt em Trend 20.08.2024

Sempre existiu – e sempre existirá – a patrulha do “bom gosto”. Esta insana divisão do underground e das camadas mais populares da música, sempre foi um campo de batalha fértil e existe desde que a primeira música foi composta por Adão e Eva.

A atual briga gira em torno do que anda acontecendo com um dos produtores mais sólidos dos últimos 20 anos, o inglês Kieran Hebden, mais conhecido como Four Tet. Durante a primeira fase da sua carreira, Kieran ficou na borda. Discos experimentais, ideias radicais e muita liberdade para fazer o que bem entende.

Mas em um certo momento existiu uma cisão, ou na verdade uma espécie de descolamento da figura do produtor e o que ele representa na pista de dança (como DJ inclusive) de sua imaculada carreira fonográfica. Um descolamento que foi acontecendo aos poucos e ficou mais clara com sua associação com Skrillex, um artista que nunca foi underground em nenhum minuto da sua carreira. 

O que inicialmente parecia apenas um tempero exótico, virou uma espécie de norma dentro da vida de Four Tet, que apesar desta forte conexão, ainda mantinha mais sustentação na continuidade estética de sua carreira do que neste momento de abraço ao mainstream.

O que aconteceu nos anos seguintes foi uma grande guinada onde o DJ Four Tet acabou a cada dia que passa se distanciando do produtor de clássicos como There ‘s Love In You, com um pé forte na inteligent dance music, para algo mais… normal.

Esta divisão só existe para quem não conhece sua carreira a fundo. Em nenhum momento na cabeça do Hedben, existiu esta divisão e daí que vem toda sua genialidade. Em sua mente, o disco mais radical de free jazz, sempre teve encaixe com a música pop de qualquer época do mundo. Esta distinção entre “grande arte” e popular, nunca existiu em seu catálogo, mas sim foi algo que a mídia sempre imputou em sua discografia.

Se os saltos agora parecem maiores, como sua divisiva apresentação no Tomorrowland ao lado de Solomun, nós precisamos ao mesmo tempo criar uma linha aqui: afinal, Solomun é pop? Quando nosso querido bardo dos memes, tornou-se esta figura tão representativa do lado mais obtuso da música eletrônica?

Uma das grandes referências para Kieran sempre foi Ricardo Villalobos, outro maestro na arte de confundir. Raramente vemos este tipo de crítica acontecendo em torno de seu nome. Então qual é o problema? Em nenhum momento a bandeira do underground foi levantada por estas pessoas. Algo partidário e tão filosoficamente entrincheirado que parece uma tatuagem com nome de amor no braço. 

Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Todo mundo tem o direito de parar de acompanhar a carreira de um artista. Isso faz parte da jornada. Mas este tribunal nunca existiu. O culpado desta criação de fantasmas é a tão temida rede social.

Caso você estivesse no Tomorrowland, curtindo naquela vibe e ao lado de amigos, você realmente iria me falar que este set foi um horror completo? Acredito que não. Até então este tipo de informação do que é bom ou ruim, sempre foi reservada para pessoas que estavam no local, drogadas ou não, falando sobre percepções reais, não sobre fatos vindos de uma tela de 15 cm e uma caixa de som do tamanho de uma espinha na cara de um adolescente.

Estas pessoas não estão nem aí para estas opiniões. Elas querem ver fluidos corporais saindo da platéia, não imagens de celular. E quem não quer entender isso, deveria sair da frente do celular e ir conferir a festa mais underground que exista no raio de 30 KM de sua residência e não gastar tempo fazendo crítica com base em vídeo.

foto trio

A decisão sobre o quão gênio é um artista, não se resume em um punhado de vídeos ou colaborações com artistas de segunda linha, mas sim no corpo de sua obra e assim como Villalobos, que para muitos não passa de um doidão sem noção, Kieran Hebden é um dos artistas mais importantes dos últimos tempos. Assim como suas referências, nunca parou em uma referência para repetir um padrão por anos a fio. Da eletrônica influenciada por folk, passando pelo jazz mais experimental, até à sua fase recente onde tenta equilibrar os impulsos mais radicais com a pista mais democrática existente, temos uma coesão única.

A música conecta.

A MÚSICA CONECTA 2012 2024