Se a pesquisa musical é fator determinante para construção de um grande DJ, Tahira pode e deve ser considerado autoridade no assunto. O DJ residente em São Paulo é um assíduo pesquisador musical, consume sons dos mais variados e acompanha artistas do passado, presente e por que não dizer do futuro?
Seus sets possuem traços de soulful house, jazz, brasilidades e influências africanas e são admirados mundo a fora, por milhares de ouvintes. No começo desse ano Tahira apresentou suas habilidades na edição do Boiler Room chamada Ballantine’s Stay True Brazil, que aconteceu em Recife. O set, foi uma vitrine para que mais pessoas conhecessem o trabalho desse artista que é tem música correndo pelas veias.
Quando começamos a fazer o Alaplay (nosso primeiro podcast), o nome de Tahira já figurava entre os “sonhos de consumo”. Hoje, com muito orgulho, apresentamos ele na edição 91 da Troally. Música de verdade, por gente que faz a diferença!
1 – Olá, Tahira! Muito obrigado por falar conosco. Nos conhecemos pessoalmente após o show do Kaytranada em São Paulo e na saída conversamos sobre diversos assuntos não é mesmo? Entre eles, o perfil atual do jovem clubber brasileiro. Na sua opinião, essa geração tem um pouco de dificuldade em assimilar trabalhos mais complexos? Se sim, isso tem feito com que os produtores optem por um caminho mais fácil e a música produzida atualmente pareça enlatada?
Na verdade sempre existiu esse tipo de ouvinte, que quer algo mais fácil e mais óbvio, o que muda é a quantidade. Há 10 anos a musica eletrônica não tinha essa vitrine mundial, mas ao mesmo tempo o numero de pessoas mais atentas ao o que é diferente, complexo e fora do eixo da moda musical aumentou muito. Nunca se viu tantos aficionados por certos estilos musicais como hoje. Quando se imagina que não é possível ir mais fundo em um determinado assunto musical sempre aparece alguém que vai mais e mais além e descobre sons fascinantes onde todos achavam que não tinha nada mais para descobrir. No caso da produção é o mesmo. A música mais pop ela é bastante enlatada e padronizada, mas ao mesmo tempo existem produtores super alternativos em todos os aspectos, ainda mais no mundo com a internet. É lógico que quando se vê pela lado de ganhar dinheiro a maioria vai para o mais fácil, mas tem muita gente na música que não pensa assim e isso é muito bom. É aí que os grandes talentos estão.
2 – Brasilidades e ritmos africanos fazem parte da sua história e identidade musical. Mas, com certeza você possui outras grandes influências. Fale um pouquinho sobre alguns movimentos que exerceram papel importante na construção de seu som.
Eu comecei e apareci no cenário como um DJ de soulful house, estilo que gosto muito até hoje. Por incrível que pareça os DJs e produtores que eu mais admirava continuo admirando cada vez mais: Master At Work, Francois K, Danny Krivit, Tony Humphries, Kerri Chandler, Joe Claussel entre outros. Foi exatamente o soulful house que me levou a descobrir disco music, Larry Levan, David Mancuso, Nick Siano e toda essa galera que é tão importante para essa nova geração que tem o revival da disco como referencia. Também fui muito infiltrado no jazz e suas vertentes modernas: Acid Jazz e Nu-Jazz, principalmente. Foi através desse movimento musical que conheci melhor a musica brasileira, latina e africana, funk e soul.
3 – Atualmente, há uma cultura de grande valorização ao produtor, que motivado pelas novas formas de streaming busca lançar o maior número de faixas possíveis ao decorrer de um ano. Na sua opinião, se perdeu o encanto que era apreciar um álbum com calma? Estamos acostumados a ter muita qualidade e pouca relevância?
Putz, tá aí uma verdade. Ninguém mais faz álbuns. Os produtores fazem musicas de montão, mas se colocar tudo junto não se tem uma história, se tem um amontoado de sons. O legal do álbum é ouvi-lo do começo ao fim e entender o ecletismo e a diversidade do artista. O que é mais intimista, o que é pop, o que é agitado, o que é calmo, suas diversas facetas, suas influencias. Enfim, uma sequencia musical que conte algo para o ouvinte, uma viagem musical.
4 – São Paulo é uma cidade cosmopolita, que oferece uma vasta gama de opções culturais para quem está realmente interessado em consumir música de uma maneira diferente. De que forma a cidade e seus segredos, contribuíram para sua formação enquanto artista?
O caldeirão cultural de SP é único. Nossa mistura de raças e classes econômicas me trouxe experiencias incríveis. Sempre fui curioso, então fui em todos os lugares que pudessem me mostrar algo diferente. Conheci muita gente incrível. Quando tinha uns 14 anos já ia para festas, saia de casa na sexta, voltava no domingo. Minha mãe ficava louca. Fui em todo tipo de lugar, na favela, em mansão de ricos, clubs de periferia, de playboy, GLS, risca-faca, casas de show, ringue de patinação, puteiro, karaoke, botecos, soundsystem de rua… não tinha tempo ruim. E sempre prestei atenção nas musicas que tocavam nesse lugares. Talvez por isso me tornei um DJ eclético. Tem muita musica boa onde você menos espera e é possível aprender bastante com isso. Outro fator importantíssimo de SP naquela época: era tudo barato. Eu saia todo dia, ia ver dj gringo, bebia anoite toda e não gastava muito. Era acessível.
5 – Como foi sua preparação para o Boiler Room Brasil? Na sua visão, isso representa um marco importante na carreira de todo DJ atualmente?
Eu recebi o convite para tocar no Boiler Room uns 3 meses antes da apresentação. Tinha recebido um e-mail da equipe de Londres e no começo fiquei super contente, mas aflito porque não sabia o que tocar. Tentei criar um set list ou algo do gênero, mas não sei fazer isso. Aí desencanei e prometi para mim que iria toca o que achasse que tinha que tocar na hora. Não preparei o set e isso foi a melhor coisa que fiz. Poder tocar em um evento mundialmente conhecido é uma grande oportunidade, uma excelente vitrine. É um marco importante sim, mas o mais importante é continuar evoluindo, não achar que algo assim é o ponto máximo da sua carreira. Quem ama música vai continuar vivendo música com ou sem Boiler Room.
6 – Atualmente, quem são os DJs e produtores que mais tem chamado sua atenção no cenário nacional e internacional?
Eu sou fã do Francois Kervokian. Para mim o melhor DJ do mundo e um dos pilares de tudo que vivemos hoje. Tocou no Studio 54, Paradise Garage, Loft, introduziu o Dub na Disco e na House, fez edits, fez remixes, foi incrível engenheiro de mixagem, criou a festa Body and Soul e depois o Deep Space no Cielo. Ele sempre está atualizado musicalmente. Toca de tudo: Soul, Disco, Hip Hop, Detroit Techno, House, Drum´n´Bass, Afrobeat, musica brasileira. Acho ele fantástico!
Gosto muito das produções do francês Izem. Ele é bem da onda do bass music só que com referencias africanas, latinas e brasileiras e sem muito barulho. A gravadora Sofrito acompanho e compro quase tudo que eles lançam. Influencias de sons latinos, caribenhos e africanos. Soundway é outro selo que curto bastante. Segue a mesma praia da Sofrito porém com mais sons modernos.
Vixe, de nacionais tem uma porrada: Carrot Green, Shaka, CERSV, Nomumbah, Kurup, Joeblack, Rafael Cancian, Craca e Dani Nega, Joutro Mundo, Chico Correa, Maga Bo, Murilo Mungelo, Bernardo Pinheiro, DJ Tudo, Rossano Snel, Forro Red Light, Salvador Araguaya, The Soul Architect, Zee-la, Parteum, Espião & Sala 70 e tem muito mais produtores incríveis no Brasil. Ficaria escrevendo até amanha. Com certeza esqueci vários que gosto muito.
7 – Fale um pouco sobre o processo criativo da faixa “Batuki”, do seu projeto Oribata.
Oribata é um projeto que tenho com o tecladista Fernando Trz (Lavoura, Liniker e os Caramelows). Ele já colaborava comigo nas produções dos re-edits e reworks. Comecei a mostrar alguns lances de house que gosto, ele também achou legal e então começamos a fazer umas musicas. Ele pira nos synths, então foi uma junção perfeita porque eu sou mais da parte rítmica e samples e ele da melodia. Tenho escutado muito house com influencia africana, então pensei porque não fazer algo afro brasileiro com synths. Gosto de experimentar coisas diferentes, então foi um bom jeito de começar. Mostrei para o Sean Keating (dono do selo londrino Tiff’s Joint) e ele adorou. Foi perfeito!
8 – Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa na sua vida?
Cada pessoa tem sua arte. Música me toca desde pequeno. Quando era pivete dançava os clips do Michael Jackson pra cacete. Queria ficar girando de ponta cabeça como os boys faziam nos anos 80, adorava Earth Wind Fire – Lets Groove e Quincy Jones – Ai No Corrida quando tocavam na radio. Quando vi DJs no filme Beat Street a cabeça entortou. Me chamou muito a atenção, mas só fui me interessar mesmo anos depois.
Através da música e da energia que ela cria e afeta as pessoas aprendi quase tudo que sei. De certa forma ela foi meu guia. Sabe aquele lance do diabo e o anjo falando no seu ouvido como nos desenhos animados ?? É isso ai, a música foi o anjo e as vezes, o diabo também. Mas na maioria das vezes foi o anjo. Observando e sentindo vi que ela pode fazer bem as pessoas e fez muito bem a mim. Tento retribuir isso a outras pessoas atualmente como DJ e produtor. Hoje depois de mais de 20 anos de estrada como DJ, aprendi que minha paixão é a musica e não a noite. Posso ficar longe da noite, mas da musica não. Uma maldição/benção, não vivo sem. Sem música a vida perde cor. Mais ou menos isso.