Em agosto de 2015, o canal OOUKFunkyOO publicou no Youtube uma faixa assinada por um até então desconhecido produtor britânico que, após o lançamento, passou a receber grande destaque entre os DJs e produtores musicais da sua geração: Ross from Friends. A track intitulada Talk To Me You’ll Understand projetou o que viria a ser um dos registros mais emblemáticos da música eletrônica naquela década.
Neste resgate de sua história, em comemoração aos seus dez anos de lançamento, vamos explicar porquê essa data não marca apenas sua relevância individual, mas também a lembrança de como a internet era capaz de projetar um movimento global oriundo de uma base verdadeiramente independente.
Naquele período, um grande movimento de artistas emergentes que encontravam espaço em plataformas acessíveis para compartilhar seus trabalhos havia se formado a partir de comunidades que se articulavam em torno de canais no Soundcloud e Youtube, grupos de Facebook, Reddit e plataformas similares. O ambiente criado via internet foi propício para a construção de relevância de alguns artistas, em um movimento que crescia em paralelo à indústria tradicional.
As produções, muitas vezes feitas em casa e caracterizadas por uma atmosfera nostálgica e batidas repetitivas, encontraram imediatamente um público disposto a se conectar com algo mais íntimo que, a partir da troca de arquivos, da sensação de descoberta e percepção de coletividade, acabavam por alimentar aquela cena.
A faixa Talk To Me You’ll Understand logo se destacou dentro desse ambiente e passou a ser considerada uma das propulsoras do chamado Lo-Fi House, ao lado de outras produções como Winona, de DJ Boring, e U, de DJ Seinfeld, que ajudaram a dar forma a esse movimento que, entre 2015 e 2017, se expandiu de maneira inesperada e conquistou relevância global.
O gênero se caracterizava por produções que se apresentam vagarosamente, como se forçassem o ouvinte a entrar em estado de relaxamento e contemplação e, embora o estilo trouxesse a essência da House Music, a melancolia apresentada se diferenciava do que predominava nas pistas naquele momento. Essa estética, associada a uma circulação feita sobretudo pela internet, deu ao gênero um alcance inédito para artistas que até então atuavam à margem da indústria.
Mais tarde, a Pitchfork situou justamente esse período como o auge do microgênero, listando Talk To Me You’ll Understand como uma audição essencial, reconhecendo seu papel como documento fundamental de uma cena que deixou uma marca duradoura na música eletrônica contemporânea.
Nos anos seguintes, o Lo-fi House, seguindo o ciclo passageiro do hype que caracteriza a maioria dos movimentos da internet, acabou perdendo a relevância adquirida, embora muitos dos artistas revelados neste ciclo conseguiram se firmar como protagonistas da cena nos anos seguintes — falaremos disso por aqui em breve, inclusive. Apesar disso tudo, Talk To Me You’ll Understand é uma faixa que sobreviveu como referência para contar histórias. Até hoje continua a aparecer em sets, fóruns de discussão e listas de clássicos da House Music em um âmbito mais geral, mantendo vivo o papel que desempenhou na consolidação de uma cena, além de permanecer acesa na memória afetiva de quem viveu aquele período.
Felix Clary Weatherall, o nome por trás do projeto, por sua vez, também não se limitou ao sucesso que lhe foi concebido logo de início. Em 2018 lançou Family Portrait pelo selo Brainfeeder, trabalho que marcou uma expansão do seu universo sonoro e consolidou seu nome além do rótulo do lo-fi house. No ano seguinte, veio ao Brasil pela primeira vez a convite da Monkeybuzz para realizar apresentações em São Paulo e Porto Alegre, reforçando a conexão com um público que já acompanhava sua trajetória desde os primeiros registros.
Em 2021 voltou com Tread, álbum no qual refinou sua produção e demonstrou maturidade artística. Paralelamente, estruturou um formato live que levou sua música de estúdios como o BBC Maida Vale à plataformas como Boiler Room e festivais como Sónar e Primavera Sound, evidenciando sua capacidade de transitar tanto em uma dinâmica mais underground quanto em palcos de grande porte.
Ao longo dessa trajetória, Felx manteve uma postura discreta em relação à exposição nas redes sociais, afastando-se de estratégias de superexposição e reforçando sua imagem como artista respeitado pela solidez do repertório e pela coerência de sua evolução — e este texto também é sobre isso.
Revisitar Talk To Me You’ll Understand significa reconhecer o retrato de uma geração que encontrou na internet um espaço de criação livre, coletiva e despretensiosa, sem depender de uma pressão conduzida por grandes gravadoras, métricas, algoritmos ou aparições. Era a junção de curiosidade e qualidade que conduziam o caminho.
A pergunta que fica é: na atualidade, existe espaço para que algum movimento parecido conquiste relevância similar válida de comemoração daqui a dez anos?