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A música conecta

Chris Martinez e um convite a reflexão sobre o preço que a estrada cobra de seus artistas

Por Alan Medeiros em Xpress 17.10.2025

Em um movimento que nos obrigada a relembrar a seriedade da crise de saúde mental na indústria da música, Chris Martinez, metade do duo The Martinez Brothers, confirmou esta semana seu afastamento temporário das turnês. A decisão, divulgada por seu irmão Stevie Jr. através do Instagram na última quinta (16), foi tomada para que Chris pudesse se dedicar à sua “saúde e bem-estar”. Stevie Jr. expressou imenso orgulho pela atitude de seu irmão, enfatizando que, após quase 20 anos de trabalho ininterrupto, a verdadeira força reside em “saber quando recuar e recarregar para o longo prazo”. A pausa serve como um convite à reflexão de que a estrada cobra um preço alto de seus artistas.

Longe do glamour romantizado, a vida em turnê é exaustiva mental e fisicamente. Artistas e profissionais de turnê estão expostos a um estilo de vida precário e de autonomia limitada, que gera altos níveis de cortisol. Pesquisas indicam que a população da indústria musical está mais propensa a problemas de saúde mental, sendo até três vezes mais propensa a sofrer de depressão clínica do que a população em geral. O Mental health issues among international touring professionals in the music industry, um estudo empírico com profissionais em turnê internacional, revelou que 50% dos participantes atingiram a pontuação limite para alto risco de depressão clínica, com 39,4% demonstrando pontuações altas para ideação suicida.

Os fatores de risco que contribuem para essa crise são multifacetados e complexos. O ciclo de esgotamento e instabilidade das turnês — com picos de aclamação e vales de solidão — leva a taxas elevadas de depressão, ansiedade e isolamento. A privação de sono e as demandas físicas incessantes são drenantes, e a má qualidade do sono está ligada ao agravamento da ansiedade, depressão e até pensamentos suicidas. Além disso, o uso de substâncias é um mecanismo de enfrentamento comum e frequentemente aceito na cultura em questão, elevando os riscos de dependência. Artistas também enfrentam a erosão dos laços emocionais devido à distância, o que frequentemente resulta em relacionamentos tensos e rompimentos, como o divórcio. 

Este tipo de solidão representa uma ameaça séria, e os artistas em turnê são especialmente vulneráveis a ela. A relevância deste tópico é inegável no contexto atual. Além dos estressores inerentes à estrada, a indústria musical enfrenta o aumento das dificuldades financeiras, onde a instabilidade é generalizada e a pressão por sucesso e visibilidade digital tem sido esmagadora. Após a pandemia, a reabertura do setor levou à exaustão e sobrecarga, pois os profissionais tentavam recuperar a renda perdida. A constante pressão para estar sempre ativo nas redes sociais, o escrutínio e o medo de ser esquecido contribuem significativamente para a ansiedade e a deterioração dos níveis de saúde. Em um ambiente onde o nível de estresse (cortisol) é cronicamente elevado pelo desempenho contínuo, a necessidade de intervenções é crítica.

É por isso que a atitude de Chris Martinez, ao priorizar sua saúde e bem-estar, é um ato de coragem e uma validação essencial para toda a comunidade artística. A decisão de recuar e recarregar reconfigura a ideia de força, mostrando que seguir em frente a qualquer custo não é o único caminho para o sucesso a longo prazo. Reconhecer os sinais de dificuldade e buscar o autocuidado é crucial para manter a resiliência. Estratégias como meditação, rituais de sono, nutrição equilibrada e atividades que ajudam a manter o senso de identidade fora dos palcos, como escrever ou desenhar, são vitais para gerenciar o estresse.

Às vésperas do ADE, que talvez seja o maior encontro da indústria a nível global, esta comunidade deve reconhecer a importância de apoiar atitudes como a de Chris. Para que os artistas estejam aptos, agências e equipes precisam investir em modelos de turnê mais saudáveis, que integrem planejamento adequado, estabeleçam limites claros para trabalho e descanso e implementem protocolos de gerenciamento de crise. Em última análise, a conexão é um fator crucial para o bem-estar humano, e é através do apoio mútuo, da desestigmatização e da criação de um ambiente seguro que a comunidade possa garantir que o bem-estar do artista seja valorizado tanto quanto a arte que ele cria.

A vida na estrada é um estilo de vida emocionante, mas os fardos que ela impõe podem cobrar um preço alto na saúde mental. Ao priorizar a saúde e advogar por práticas mais saudáveis, a indústria pode apoiar seus artistas não apenas como figuras de entretenimento, mas como seres humanos. Que a pausa de Chris Martinez sirva de catalisador para uma conversa mais profunda e ações concretas. Aos artistas que trazem magia e inspiração: falem, procurem apoio e apoiem-se mutuamente. Seu bem-estar é valorizado e vital.

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