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A música conecta

Faça as mulheres dançarem (e os homens gastarem): a questionável filosofia de Hugel

Por Alan Medeiros em Xpress 30.09.2025

O recente artigo publicado pelo Resident Advisor, intitulado The Great Regression, levantou a cortina sobre a mercantilização e o declínio cultural na cena clubber mainstream, apontando o DJ superestrela Hugel como um dos protagonistas dessa nova era (ruim). Hugel, que se autodenomina o “instigador do movimento Latin House” e acumula mais de um bilhão de streams, representa a face de um cenário onde a arte cedeu espaço ao espetáculo, e a inclusão deu lugar à exclusividade e ao jeito poser de ser. Mas a parte mais horripilante dessa história toda não está em seus sets no Hï Ibiza, mas sim na filosofia de seu selo Make the Girls Dance Records — uma vitrine da mentalidade friamente sexista e comercial que sustenta seu perfil.

O texto do RA conta que a inspiração para o selo surgiu de uma epifania de negócios, cortesia de um dono de clube em Marselha, onde Hugel era residente. Segundo o próprio artista, a diretriz era clara: “Você precisa fazer as garotas dançarem, porque se elas não o fizerem, os caras não comprarão garrafas. E se eles não comprarem garrafas, você e eu temos um problema.” Uma verdadeira lição de economia direto para a pista, onde as mulheres são reduzidas a iscas dinâmicas que garantem a venda de magnums e mesas na área VIP. Nesse contexto, Hugel não aprendeu a ser DJ para criar momentos de libertação ou conexão, mas para fazer “as garotas dançarem”, não sabemos exatamente a qual custo sonoro. 

O mais intrigante é como essa lógica sexista e mercantilizada passou a ser exibida sem pudor de uns tempos para cá. A bio de Hugel no Instagram reforça a narrativa: “Não faça pelo dinheiro, faça pelas Latinas”. A frase, que transforma a música eletrônica em produto a partir da fetichização de mulheres, exemplifica muito bem o que o artigo da Resident Advisor chama de regressão: o retorno a um estado onde “fantasias misóginas” são vendidas sem resistência. Enquanto no palco do Hï Ibiza ele se apresenta cercado por dançarinas de cancan e projeções erotizadas, o público permanece estático, filmando o espetáculo. E a única coisa que realmente se move é o dinheiro, alimentado por essa “filosofia” de pista onde a música geralmente não importa tanto assim. 

No fim, Make the Girls Dance Records não é apenas o nome de uma gravadora para Hugel e sua turminha: é um modelo de negócios eficaz, inspirado sob a ótica de um dono de club na costa francesa. A história por trás do nome não celebra comunidade nem inovação musical. Na verdade, ela funciona como lembrete de que, no mainstream da música eletrônica, o DJ já não é um elemento cultural há bastante tempo. Ele é um corretor de luxo, vendedor de estilos de vida. Onde antes se prometia transformação e libertação, agora se entrega apatia com uma estética vibrante. Mas para eles está tudo bem, desde que as garotas dancem, e os caras continuem comprando garrafas e combos no bar.

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