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A música conecta

Um olhar frente à narrativa e mensagem do novo documentário sobre a vida de Avicii

Por Alan Medeiros em Xpress 08.01.2025

A Netflix encerrou 2024 com o lançamento de Meu Nome é Tim (I’m Tim), um documentário que busca mergulhar na complexa trajetória de vida e carreira de Tim Bergling, conhecido mundialmente como Avicii. Produzido pela Candamo Film sob a direção de Henrique Burman e com produção de Björn Tjär, o filme começou a ser desenvolvido em 2019, com o objetivo de trazer um olhar honesto e sensível sobre um dos maiores fenômenos da música eletrônica.

O documentário teve sua primeira exibição em junho do ano passado, no prestigiado festival de cinema Tribeca, em Nova York. Desde então, sua recepção crítica tem sido equiparada à de grandes obras. No Google, 98% do público sinalizou ter gostado do filme, enquanto suas notas no IMDB (7,9) e no Letterboxd (3,9/5 estrelas) corroboram sua relevância e impacto emocional. Nós assistimos ao documentário logo após seu lançamento na Netflix e compartilhamos aqui algumas de nossas impressões sobre este retrato de um artista que deixou um legado tão significativo quanto seu vazio.

Produzir um documentário sobre uma figura pública tão influente e querida como Avicii envolve desafios significativos. Existe o risco de se cair em uma abordagem excessivamente branda, principalmente por conta de vínculos com familiares ou representantes do artista. Felizmente, I’m Tim consegue se destacar por sua capacidade de humanizar Tim Bergling, expondo suas fragilidades e complexidades enquanto impõe um ritmo interessante na forma que se propõe a contar a história. 

O filme investiga momentos cruciais de sua vida, como a insegurança na infância e adolescência, a ascensão meteórica após o sucesso de Levels, e os custos pessoais dessa trajetória, marcada por etapas nitidamente aceleradas no desenvolvimento de um artista. Essa narrativa é complementada por relatos de abusos envolvendo álcool e, posteriormente, opioides, embora essa segunda parte tenha sido pouco clara a respeito de como se sucedeu este impacto. Não que fosse preciso compartilhar uma listagem de drogas, mas a narrativa fala sobre o abuso de opioides a partir da ótica de um dos melhores amigos e, com isso, há uma sensação de virar a página que causou estranheza. 

Outro ponto que poderia ter sido mais aprofundado no documentário é a relação de Avicii com a gravadora Universal Music. Embora o filme apresente indícios da pressão criativa que Tim enfrentava, ele falha em detalhar como essas demandas impactaram diretamente sua saúde mental e artística. Em grandes indústrias musicais, é comum relatos sobre como a pressão das majors pode deixar artistas em situações de extrema vulnerabilidade, e o documentário sugere, em determinados momentos, que Tim estava criando sob um ambiente de pressão constante, onde seu processo criativo parecia contaminado por exigências comerciais. No entanto, qualquer possível problemática nesse vínculo com a gravadora foi ocultado, deixando uma lacuna importante em um dos aspectos centrais da narrativa.

Relações pessoais e paradoxos de sua jornada

Um dos focos do documentário é a relação entre Tim e seu empresário Ash Pournouri, que o acompanhou desde o início da carreira. No entanto, o rompimento da parceria em 2018 é abordado de forma abrupta, deixando lacunas importantes sobre os motivos que levaram ao afastamento e como isso afetou o artista. Esse ponto, que recebeu atenção ao longo do filme, merecia um desfecho mais robusto.

Por outro lado, a narrativa acerta ao retratar os paradoxos da vida de Tim. Amigos próximos descrevem como ele parecia estar em um dos melhores momentos de sua saúde mental antes de sua trágica morte, tornando o desfecho ainda mais impactante. Essa honestidade na narrativa é um dos pontos altos do filme, equilibrando a sensibilidade com a realidade dura de sua trajetória.

Por fim, o mais importante: compreender as mensagens

Mais do que um simples registro biográfico, I’m Tim emerge como uma análise profunda sobre os desafios, contradições e fragilidades de ser um artista em uma indústria de alta performance. O documentário expõe temas fundamentais como a pressão exercida pelo mercado musical, o impacto de vícios e a solidão que acompanha uma vida em turnês. Ao mesmo tempo, convida o espectador a refletir sobre os extremos dessa trajetória: a exaustão emocional de um ciclo que combina sucesso e isolamento.

A saúde mental surge como o eixo central. O filme destaca como a ausência de apoio psicológico adequado pode se tornar fatal, especialmente em um ambiente onde o ritmo é intenso e as expectativas, possivelmente, desumanas. O caso de Tim Bergling exemplifica isso de maneira contundente: o sucesso meteórico, impulsionado pelo lançamento de Levels, o colocou sob uma pressão que rapidamente ultrapassou sua capacidade de lidar. Embora seus representantes assumissem os riscos dessa ascensão, foi Tim quem arcou com as consequências devastadoras, física e emocionalmente.

Outro aspecto essencial abordado em I’m Tim é o questionamento sobre as verdadeiras motivações que mantêm um artista em movimento. Mesmo após alcançar o status de uma estrela com hits globais, álbuns bem-sucedidos e shows esgotados ao redor do mundo, Tim continuava em busca de algo maior. Não era apenas sobre sucesso comercial ou financeiro – ele estava em uma luta interna para realizar mais do ponto de vista artístico, mesmo que isso o conduzisse ao extremo de suas forças. O documentário evidencia como essa ambição, muitas vezes também alimentada pela pressão externa, pode ser tanto um motor criativo quanto um catalisador para o colapso.

Por fim, I’m Tim deixa um alerta importante sobre os perigos de uma carreira vivida sob os holofotes: a necessidade urgente de que amigos, familiares e a própria indústria estejam atentos para oferecer suporte genuíno antes que seja tarde demais. Mais do que um tributo a Avicii, o filme é um convite à reflexão sobre como equilibrar arte, saúde e humanidade em um mundo que raramente desacelera.

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