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A música conecta

Eduardo M celebra as influências culturais que o formaram como artista

Por Alan Medeiros em Troally 06.05.2015

Eduardo M nasceu em São Paulo e mora em Balneário Camboriú desde 1998. A capital paulista é um dos principais polos culturais da América Latina, enquanto o balneário catarinense se tornou uma das capitais da música eletrônica no mundo. Esses fatores e um mix de influências que tem como principal base os artistas e a atmosfera de Detroit moldaram o artista que Eduardo M é hoje. Conhecido por sua técnica apurada no vinyl e por somar influências de estilos que vão do Techno ao downtempo. O residente do detroitbr é o nosso convidado para a edição 31 da Troally, um podcast que mostra um pouco de tudo isso que falamos e uma entrevista que confirma por que ele é realmente um cara diferenciado.

1 – Você nasceu em São Paulo mas atualmente reside em Balneário Camboriú. Como as culturas dessas duas cidades influenciaram no artista que você é hoje?

É muito louco por que eu comecei com essa história em SP ainda, tive todo o acesso às coisas ainda lá. Quando eu falo “as coisas”me refiro às lojas de discos que eu frequentava (numa época em que ainda eram famosas e era a fonte de abastecimento de muita gente);às lojas de equipamentos da Santa Ifigênia, onde ganhei de meus pais os meus primeiros tocadiscos;aos programas de rádio, e estes foram fundamentais! Eu gravava vários programas, ficava ouvindo as mesmas mixagens milhares de vezes, ia dormir com walkman pra não perder alguns dos programas da madrugada… Foi uma época incrível e vital pra tudo que eu sou hoje. Passado algum tempo eu vim morar em Balneário Camboriú, em 1998. Na época foi traumático, por que eu estava prestes a perder tudo isso que falei anteriormente. Por um período foi isso mesmo, uma perda. Na época os programas de rádios aqui eram praticamente uma comédia, pessoas mixando e sambando tudo, tocando só babas… Faltava o leque de opções que naquela época ainda era polarizado em SP e em algumas outras capitais. Por anos meu pai continuou mandando fitas K7 dos programas mixados (especialmente os do Marky) pra eu não perder o ritmo, assim como os discos de vinyl, que eu comprava ouvindo pelo telefone, por que eu não tinha internet ainda. Nessa época eu jamais imaginaria que anos mais tarde essa cidade viraria um pólo de consumo e geração de música neste segmento. Eu poderia ter ido morar em qualquer outra cidade, mas dei a “sorte” de vir cair aqui. Acho que SP foi a responsável por dar o ponta pé e fazer eu ter contato com a cultura DJ de uma forma geral, e aqui em BC até pelo fato de tudo ser bem concentrado foi relativamente fácil continuar tendo contato, especialmente pelo fato de BC sempre ter importado bastante os artistas de lá pra tocarem aqui. Hoje a coisa até se inverteu, BC e toda a região formaram artistas que saem daqui para ir tocar lá.

2 – Em sua bio, você diz acumular discos de acid house, hip house, hardcore breakbeat e outros estilos. Qual é a importância de beber de diferentes fontes para que se possa levar sempre o melhor até o público?

Eu não sei o que eu seria de mim se eu não tivesse mais uma vez dado essa “sorte” de ter tido acesso a todo esse material ainda moleque, graças ao meu cunhado que já era DJ na época e tinha tudo isso. Em 95 eu tava aprendendo a tocar em casa com discos do Bizarre Inc e do Altern8 sem nem ter ideia do que isso era! Cada vez mais eu olho pra trás e vejo: “porra, são as mesmas influências dos caras que eu tenho como ídolos hoje!”. Isso fatalmente tem total reflexo no meu trabalho até hoje, e acabou criando uma flexibilidade bem grande nas possibilidades tanto para o que eu consumo quanto para o que eu gero de música. Eu não consigo entender como alguém hoje em dia consegue balizar o seu trabalho ou o seu “set” através de um número X de BPM. Eu de fato não consigo me adequar a esse tipo de coisa. Eu amo os extremos, como por exemplo downtempo e drum and bass. E acho que dependendo do seu talento você pode agregar tudo isso no seu trabalho de alguma forma, e não ficar refém de um padrão ou uma estrutura de música que seja feita exclusivamente pra “funcionar”.

3 – Atualmente, muitos artistas veteranos reclamam do fato de que é mais importante o dj se promover nas redes sociais, do que de fato fazer um trabalho artístico diferenciado. Como você enxerga esse universo da promoção dos djs?

Definitivamente não faz parte do meu jogo. O mais triste é que talvez isso realmente seja fator decisivo pra algumas coisas, o que é péssimo na minha opinião. Acho que tem que ser apoio, mas não fator decisivo. Isso só reforça um consumo raso e superficial da música, onde o estímulo principal acaba sendo a imagem e não a música. Eu entendo que um trabalho de imagem é importante, e essencial. Até ai tudo bem. O problema é quando isso vira a prioridade total, foco. Há um tremendo equívoco no trabalho que é desenvolvido em torno disso. Salvo algumas exceções, o que eu mais vejo são trabalhos de imagem super dimensionados, onde você vê a fanpage do cara, logotipos mega elaborados ou a nova produção de fotos da semana dele e pensa “nossa, é um superstar!” Ai você vê o cara tocando e pensa de novo: “sério que é só isso?”. Assim como o cara que vai lá e publica um set ou uma faixa própria e compra milhares de plays pra dar uma “incrementada”. Ai você ouve o produto final e não se surpreende com esse tipo de atitude vindo do mesmo lugar… Acho que a internet hoje possibilita também isso: você ser quem você quiser – ao menos ali na imagem. Por sorte o pessoal do detroitbr tem me dado uma super força nisso, e eu sempre deixo bem claro que eu quero que seja apenas o suficiente, nada além disso e nem que aconteça a venda de uma falsa expectativa.

4 – O mercado brasileiro vive um momento quente no geral. Clubs como D-Edge, Terraza e Warung são responsáveis por line ups com bons artistas. Na medida do possível, está bom ou ainda há alguns nomes que não poderiam estar fora desse “circuito”?

Eu acho que está muito bom sim. Além destes tem outros tão fundamentais quanto, ou que já se foram e fizeram um excelente trabalho para o desenvolvimento deste mercado. Mas sempre pode melhorar, claro! As vezes só precisar arriscar um pouco mais. Mas pra nossa realidade acho que não dá pra reclamar não.

5 – Fale um pouco sobre seu setup para apresentações, onde você chega a tocar com 3 decks de vinyl, é isso mesmo?

É verdade. Mas tem que ser a ocasião certa, até porquê não gosto de misturar o disco de timecode com disco de vinyl. Me incomoda a diferença de ressonância entre os dois formatos e até de ter que procurar músicas em dois lugares diferentes. Então pra dar certo tem que ser somente com os discos de vinyl, e isso geralmente funciona mais onde eu posso tocar mais clássicos juntos ou uma linha que fique interessante ter sempre 2 ou 3 canais abertos. Fora isso, meu setup padrão são apenas 2 toca discos, um mixer e uma controladora AKAI pequena que eu uso de apoio pra acionar alguns efeitos.

6 – Você é residente do detroitbr, fale um pouco sobre sua relação com o núcleo e também sobre suas referências da cena de Detroit.

Sobre Detroit, a minha principal identificação com o cenário de lá e seus artistas, especialmente os mais antigos, é que eles tem um envolvimento muito sério com a música, que vai bem além de um flerte. A influência direta da música negra (Motown) e do hip-hop já falam por si só e dispensam comentários. Há uma necessidade vital de expressão, de transmitir algo além. É exatamente isso que eu sinto também. E também acho que não se trata de você comprar apenas o rótulo, ou músicas de artistas de lá. É mais uma forma de interpretação sobre o que a música pode representar. Eu vejo artistas de outros países levando isso muito a sério. O Laurent Garnier há muito tempo já interpreta esse espírito, e fez por exemplo uma apresentação dentro de um teatro, com público sentado, acoplando músicos de jazz autênticos (que são os mais ranzinzas de todos). Então não tem como só bagunça, after party e etc, é muito mais sério que isso.
Quanto ao detroitbr, minha relação é de profunda gratidão a todo suporte e força que eles estão me dando, tanto ao staff quanto aos frequentadores. Ali eu posso fazer o que eu quiser, tocar o que eu quiser, ser eu mesmo e tudo vai funcionar. É super engraçado ver uma galera mais nova que eu ali com aquela euforia e aquela fome de consumo, coisa que eu já vivi há mais de uma década atrás quando eu era um pirralho em um tempo diferente e com outro círculo de amigos. É a renovação, público novo, porém exigente e que sabe o que quer. Isso é o mais legal.

7 – Ainda sobre o detroitbr. Na sua visão, qual é a importância de núcleos como esse para a cena nacional?

É um trabalho fundamental de base. Quase como forma de treinar e filtrar um time de base mesmo, pra que um dia seja possível chegar nas principais categorias.

8 – Além de tocar, você também produz. Fale um pouco sobre como é seu processo de criação no estúdio.

Bom, eu comecei a me envolver novamente com produção de uns 2 anos pra cá. Eu tinha estudado algumas coisas também há uns 10, 12 anos atrás. Mas foi bem precário, e eu de fato não estava envolvido. Meu negócio sempre foi mais tocar e comprar disco. Nesses últimos anos eu comecei a me interessar mais e experimentei comprar alguns sintetizadores analógicos, mais para estudar mesmo. E desde então eu não parei e tenho me dedicado muito a isso. Estudado muito mesmo. Provavelmente na época em que eu mexi com isso, pelo fato de que era apenas com computador, deve ter sido um dos motivos pelo qual eu não me interessei muito. Um amigo meu esses dias que me fez entender isso, ele disse: “cara, você sempre tocou com vinyl, você não conheceu a música pelo computador, foi pegando disco na mão, é claro que você não vai ficar só olhando pra uma tela”. E fez todo sentido! Pra mim era entediante ficar olhando apenas pra tela tentando fazer algo sair dela. Agora sim eu descobri o prazer que é poder produzir com os “instrumentos na mão”. Tenho aprendido muito todos os dias. E o fato de eu me interessar por analógico não tem nada a ver com melhor ou pior qualidade no produto final. Provavelmente eu vá inclusive me ferrar mais. É apenas uma questão de identificação e prazer com o processo. Eu não quero somente abrir um tutorial no youtube e fazer algo soar igual a outras 5 mil músicas. Talvez pra algumas pessoas o fato de eu mixar tudo numa mesa analógica seja um processo desnecessário. Talvez seja, mas pra mim tá sendo aprendizado por conta própria, e não lendo um review de alguém que fez e não gostou. Eu quero criar os meus caminhos, mesmo que eles sejam mais longos. Esse é o meu prazer, e não tem nenhuma razão pra eu fazer ou forçar algo apenas pra vender, pra colocar no chart X ou Y, pra ganhar mil likes, enfim. Em primeiro lugar eu faço pra mim, é uma necessidade que eu tenho de criar uma “peça” para o meu próprio quebra cabeças. Aliás, minha cabeça nunca esteve maquinando tanto para isso como atualmente. Quero aproveitar essa fase. E assim como minhas influências, eu tenho estudado faixas de techno, drum and bass, dowtempo, breakbeat, house, etc. O que tem me ajudado de alguma forma também tem sido produzir algumas trilhas para filmes publicitários. É uma boa forma de se forçar a sair da zona de conforto.

9 – Uma pergunta difícil. É possível ser fiel a um conceito mais underground e ainda assim viver de música no Brasil sem se render “ao que o publico gosta”?

Eu nem saberia mais dizer o que é underground hoje no Brasil. Na verdade para você pode ser uma coisa, e pra mim pode ser outra. O erro já começa com a necessidade de rotular, e quando o rótulo fica mais importante. Quando eu tinha 13/14 anos eu vi esses termos pela primeira vez numa revista e achei super “cool”, chegando ao ponto de eu ligar numa loja de disco e perguntar pro cara o que tinha de “undeground” pra vender (rs). No meu ponto de vista, neste segmento o Brasil ainda não consegue sustentar bem vários estilos ao mesmo tempo. Sempre vai ter algum foco num determinado momento. O problema é que geralmente apenas o que está sob este foco consegue sobreviver bem, e mesmo assim só por um determinado período. De uma forma bem generalizada o consumo aqui sempre é mais raso, e pega só o que está mais em evidência. Não há uma grande vontade ou uma necessidade de consumo vital pra alguns estilos menos conhecidos de música. Então se eu puder responder a pergunta, acho sim complicado você ser um artista “fora dos padrões” no Brasil e ter a valorização adequada para se desenvolver ou até mesmo para sobreviver. Como país, já sofremos de um atraso social ridículo na nossa agenda social que automaticamente faz com que as coisas sejam mais difíceis pra este tipo de coisa. O resultado disso acaba sendo “artistas” que se rendem a fazer um esforço muito grande pra poder agradar ou ser comprado, e pra mim o erro já está ai. Se você se considera um artista, você precisa antes de tudo sentir uma necessidade de ESSÊNCIA em expressar algo que você acredita. A partir do momento que você busca algo que está fora de você eu acho que as coisas já se descaracterizam.

10 – Pra finalizar, o que as pessoas podem esperar do seu set?

O set que eu gravei vai mostrar um pouco sobre o que falei, sobre meu vício para diferentes estilos de música. Aproveitando que um podcast não precisa ter uma “obrigação de pista”, eu achei que ficaria legal mostrar um pouco da versatilidade da minha pesquisa e dos estilos que eu amo. O set começa em dowtempo, passa por alguma coisa mais experimental e de breakbeat até chegar ao techno, e por fim encerra com DnB. É isso, espero que gostem!

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