A forma natural como Jorge Ben apresenta as músicas de A Tábua de Esmeralda é o ponto de partida para o sucesso do trabalho, que em 2014 completou 40 anos de vida. Composto em um dos momentos históricos mais frutíferos e antagônicos da jornada musical brasileira, o álbum foi lançado em meio ao comando do general Garrastazu Médici (1969-74). Estamos falando do ápice da Ditadura Militar, com a censura batendo forte em todos os movimentos artísticos, principalmente naqueles que possuíam maior conexão com o público.
Apesar de não exercer uma crítica ao modelo politico da época, A Tábua de Esmeralda é considerado um dos principais álbuns da história da música brasileira – a revista Rolling Stone o classificou como sexto melhor disco lançado por artistas do Brasil. Ele reflete um período do cantor conhecido como “Alquimia Musical”, marcado pela fase que Jorge conseguiu unir suas duas maiores paixões: música e alquimia. A capa do release diz muito sobre isso, já que traz o túmulo de Nicolas Flamel, famoso alquimista do século XIV, e Hermes Trismegisto, primeiro alquimista reconhecido internacionalmente. É uma verdadeira arte, a altura do trabalho sonoro que representa.
Este foi o 11º disco de estúdio lançado por Jorge Ben. Com toda bagagem adquirida nos lançamentos anteriores, Jorge conseguiu imprimir uma levada instrumental consistente para as 12 faixas que compõe o trabalho. Sua maturidade musical também trouxe a possibilidade de incluir nas letras, mensagens de cunho humano. Na faixa de abertura do álbum, Os Alquimistas Estão Chegando, Jorge faz uma alusão aos homens que transformavam metal em ouro, mas acredita-se que na verdade há uma analogia a um período de maior consciência da sociedade como um todo. Ouça-a abaixo:
Já em O homem da gravata florida, Ben descreve um personagem real, conhecido como Paracelso, médico e teórico da época, lembrado por seus trabalhos como alquimista e por suas visitas a pacientes com uma echarpe colorida. Nicolas Flamel, que também é referenciado na capa do álbum, aparece novamente em O Namorado Da Viúva, faixa que faz uma alusão a esposa de Flamel, que partia na época para o seu quarto casamento, com óbito de todos os maridos anteriores. Temas clássicos de Jorge Ben como mulheres, cotidiano e o futebol também marcam presença no álbum, em canções como Menina Mulher da Pele Preta, Minha Teimosia, Uma Arma Pra Te Conquistar e Magnólia.
https://www.youtube.com/watch?v=o6BZCoaRcSs
Tais referências, homenagens e conexões que o álbum apresenta só poderiam ter sido desenvolvidas em um território onde a o senso comum é fruto de uma miscigenação cultural fortíssima e a criatividade é uma das marcas registradas do povo. Outro ponto forte do álbum é o fato dele ter sido gravado ao vivo no estúdio, sem interrupções ou arranjos refeitos. Essa opção permitia uma atmosfera de jam session ao trabalho e só foi possível graças a contribuíção de nomes como Osmar Milito, Darcy de Paulo e Hugo Bellard, além claro, da produção primorosa de Paulinho Tapajós.
Apesar do sucesso que já atravessa gerações, Jorge relatou numa entrevista em meados de 2014 que lançar o disco não foi uma tarefa fácil e que isso só aconteceu graças a aposta de André Midani, chefe da Polygram na época. Segundo Jorge Ben, o album de 12 faixas trouxe uma linguagem nunca antes trabalhada no Brasil, algo que deixou muita gente com o pé atrás com relação a aceitação que as músicas teriam diante do público. Ouça o álbum na íntegra abaixo:
Sorte nossa que Midani foi visionário na época e apostou na criatividade fora da caixa que Jorge apresentou. Apesar de outros álbuns do cantor brasileiro possuírem valor ou força de conteúdo semelhante, A Tábua de Esmeralda marca realmente um período de transformação na carreira de Ben, que deixou de lado receios do mercado para entregar um trabalho que refletiu suas grandes paixões e influências. Sem dúvidas, um disco para ser reverenciado a cada nova audição. A música conecta as pessoas!