Se você é fã ou trabalha com música eletrônica no Brasil, certamente sua história foi impactada por Mauricio Bischain, mais conhecido como DJ Mau Mau. Esse fim de semana ele celebra 30 anos de carreira e mesmo após as inúmeras e incessantes transformações da cena eletrônica brasileira, segue como referência para os mais jovens e ícone histórico para os medalhões do nosso cenário.
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Mauricio começou a discotecar em uma época onde as redes sociais inexistiam, o acesso a informação era precário e a música eletrônica algo totalmente novo para o público paulistano. Pouco a pouco e sem perder sua habitual classe, DJ Mau Mau foi introduzindo o estilo à cultura musical do país e hoje é testemunha de um dos melhores momentos da história da dance music por aqui.
Esse fim de semana ele celebra 30 anos de carreira na pista da Carlos Capslock, que o recebe para uma edição especial. Antes disso, Mauricio entregou um set especial pelas suas 3 décadas de pista e respondeu algumas perguntas que você confere a seguir:
1 – Olá, Mau! Estamos muito felizes com essa entrevista. Sua carreira nasceu praticamente paralelamente a cena de São Paulo como um todo, certo? Naquela época não existia Internet, muito menos Soundcloud. Quais eram os principais meios de divulgar o trabalho que vocês (DJs) produziam na época?
Meu trabalho teve início em meados da década de 80, época sem internet e redes sociais. A informação era muito restrita, minha pesquisa era baseada principalmente em dois jornais que eu assinava, o Melody Maker e o New Music Express, além de algumas revistas da Europa especializadas em música. Para divulgar as festas usávamos flyers impressos, que eram distribuídos em bares, lojas, festas e eventos. Os sets eram gravados em fitas k-7 e vendidos em algumas lojas da Galeria Ouro Fino e Mercado Mundo Mix. Nos anos 90, época da minha residência no primeiro after hours do Brasil, o Hell’s Club, criei com alguns amigos o fanzine SubScience, para levar informações sobre a noite, música e comportamento.
2 – A moda desempenhou papel fundamental no surgimento da cena eletrônica em SP. Como eram as baladas da época? É possível dizer que aquele início representou um período mais charmoso na cena clubber?
O cenário da moda no Brasil ganhou força nos anos 90 com o Phytoervas Fashion, que abriu espaço para a consagração da maior semana de moda do País: A SPFW, ambos produzidos e dirigidos por Paulo Borges. Trabalhei com o Paul durante muitos anos, fazendo trilhas para os desfiles das principais marcas do país. Foi uma época de inovação, tanto na moda, como na noite. Tudo era novidade e um movimento alimentava o outro.
3 – O surgimento da música eletrônica representou um movimento de contracultura na noite brasileira. O techno e o house eram pouco conhecidos nessa época. Como que o público absorveu seus primeiros sets? Em geral você sentia que as pessoas não estavam ligada nesse movimento ou havia uma consciência de que estavam consumindo algo novo?
Os lugares que abriram espaço para a música underground eram pequenos e para um público restrito, nos primeiros anos. As residências onde tive total liberdade para fazer meu set, sem me preocupar em tocar músicas acessíveis, foram o Sra Kravitz e Hell’s Club, espaços com capacidade para 300 pessoas no máximo. Nesses lugares os frequentadores estavam realmente conectadas com a proposta musical. A coluna Noite Ilustrada da Folha de São Paulo, assinada pela jornalista Erika Palomino, teve papel fundamental na divulgação da cena nessa época. Com o tempo surgiram as raves, que conquistaram um público maior.
4 – Você possui uma ligação muito forte com a cena clubber de São Paulo desde os tempos do Hells. Fale um pouco sobre essa caminhada e como tem sido a experiência de discotecar para diferentes gerações.
Sempre tive uma ligação muito forte com música, ainda criança participei da fanfarra da escola, fui dançarino e b-boy. Minha estreia nos toca-discos foi um passa tempo, nunca imaginei que um dia seria minha profissão. Tive boas oportunidades, sempre fiz meu trabalho com muita dedicação e paixão e as coisas foram acontecendo naturalmente. Conquistei um público fiel e sou muito grato por isso, o tempo passou muito rápido, esse ano completei 30 anos de profissão e continuo fazendo o que amo.
5 – Nos últimos anos São Paulo passou por um intenso processo de transformação do mercado relacionado a música eletrônica. Na sua opinião, em quais pontos a cidade evoluiu e aonde regrediu?
Sou uma pessoa muito otimista, acho que São Paulo vive sua melhor fase na noite. Hoje temos muitas festas, clubes, bares, festivais e eventos acontecendo todos os finais de semana. Tem música para todos os gostos e gêneros, tem espaços para todo mundo investir e arriscar, a cidade vibra como nunca.
6 – Tudo na vida tem um começo certo? Como que começou sua relação (enquanto DJ) com a noite paulistana? Quais foram as primeiras pessoas que te incentivaram na época?
Frequentei o Madame Satã no começo dos anos 80, onde o trabalho dos DJs residentes Marquinhos MS e DJ Magal me chamou muita atenção, foi a primeira vez que percebi o que se passava em uma cabine de som. O Marquinhos foi quem incentivou e me ajudou no início da profissão, dando muitas dicas técnicas e oportunidades de trabalho.
7 – Eu li há algum tempo no deepbeep que o Julio Baldermann ofereceu uma viagem à Europa para você e o Nene Kravitz. Como você sentiu aquele movimento que estava acontecendo lá fora? O que você trouxe de mais importante?
O Julio foi outra pessoa muito importante na minha carreira, a viagem pra Europa que ele ofereceu foi essencial para aprofundar meu conhecimento e trazer novidades para serem aplicada no clube que abriria em São Paulo, o Samanta Santa. Foi minha primeira viagem para a Inglaterra, onde o techno era o estilo do momento, em noites como Final Frontier no Clube UK. Fiquei deslumbrado com tantas novidades e informações, voltei para o Brasil muito inspirado e com vontade de fazer algo parecido por aqui. O Samanata Santa não deu muito certo por vários motivos estruturais e com o tempo acabou virando o Clube Aloca.
8 – Muito se fala sobre o culto aos DJs na década de 90. De fato, o público entendia a importância de ter nomes assim no line up ou o que valia mais era a festa em si?
Acho que existia os dois lados, da mesma forma que acontece hoje. Muitas pessoas saem pela festa, para encontrar amigos ou se dar bem, outras se importam mais com a música e o DJ.
9 – No próximo sábado você comemora 30 anos de carreira na Capslock. Fale um pouco sobre seu relacionamento com a festa e as razões que levaram você a escolhe-la para uma data tão especial.
Vejo na Carlos Capslock uma continuidade da cena underground, muito parecida com a época do Hell’s Club, porém com uma estrutura mais profissional e um número maior de frequentadores. A essência é a mesma dos anos 90, a festa resgatou a liberdade que já havia se perdido nos clubes dos últimos anos. Devido a minha agenda de trabalho sempre foi difícil frequentar a Caps, mas sempre ouvi excelentes comentários dos amigos. Quando recebi o convite do L_cio e Paulo Tessuto para participar, não tive dúvida que seria uma ótima oportunidade para comemorar essa data tão especial.
10 – Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?
A música tem um papel fundamental na minha vida! Existe uma conexão muito forte entre o funcionamento do cérebro e as ondas sonoras, impossível viver sem. Sou muito grato por ter a oportunidade de trabalhar com o que amo durante tantos anos.
A música conecta as pessoas!