Eu adoro quando há possibilidade de falar sobre um assunto que nos leva para vários caminhos, sobre algo que é subjetivo e que consequentemente dará bastante pano pra manga. Você pode não saber, mas tem praticamente uma década que eu passo em torno de 40 a 50 horas semanais dentro de um estúdio enquanto executo as mais diferentes tarefas laborais como escrever aqui para o Alataj. E sim, em todo esse tempo gasto de frente pros monitores eu passo ouvindo os mais diversos estilos musicais, incluindo música eletrônica. E por que eu to te dizendo isso? Você já vai entender.
Sabe quando a gente vai a um restaurante e pede para trocar o prato por ele estar frio ou sem sal? Pois é, com a música também é possível que ela venha sem sal ou fria, a grande diferença aqui é que assim que ela sai da cozinha – ou do estúdio no nosso caso -, o cliente não tem a possibilidade de trocar a obra, nem você terá a oportunidade de consertar algo que porventura tenha passado batido. É de extrema importância que você tenha certeza absoluta do que está entregando para o mundo, e você só terá essa certeza, ouvindo muita, mas MUITA música na sua vida.
Ok, sabemos que para fazer uma música boa é preciso ouvir bastante música boa e também música ruim, afinal de contas, só assim você criará um senso estético capaz de julgar o que funciona e o que não funciona para você. Mas criar um senso estético é a parte mais fácil, tanto porque você vai precisar aplicar tal senso na hora da concepção de uma obra e esse processo se chama mixagem.
Me explica, o que é uma mix?
Opa, mas é claro! O processo de mixagem consiste em trabalhar todos os elementos de uma música tanto de forma separada como também em conjunto para que soem na maior harmonia. Por exemplo, imagine todos os talheres que você tem dentro de sua casa. Imaginou? Agora imagine que cada tipo de talher fique em uma gaveta diferente dentro da sua cozinha. Uma bagunça, não é mesmo? Nada prático. Quando você está compondo uma faixa, algo parecido acontece, onde a organização dos elementos com seus semelhantes e de outros tipos não é o foco.
Elementos de ressonâncias mais elevadas como os pratos podem conter frequências graves vindas do ambiente que foi captado, por exemplo, assim como é muito corriqueiro bumbos de bateria conterem bastante informação médio grave que acabam atrapalhando o desenvolvimento de outros elementos como sintetizadores e percussão. É no processo de mixagem que você literalmente dá polimento em todos os elementos que você está utilizando e dosa o contraste do conjunto todo da obra, trazendo protagonismo para certos elementos e coadjuvância para outros. Mixagem é a organização dos elementos dentro da música para que tudo possa ser encontrado pelo ouvido da forma mais clara e rápida possível.
Como saber se você está organizando de forma certa? Tendo a certeza do que você está ouvindo. Teorias e processos são fundamentais, mas quando se trata de mixagem, tudo é válido, desde que soe bem.
Tá, então me mostra bons exemplos de mixagem?
The Hacker – Shockwave (Gesaffelstein Remix)
Kendrick Lamar – m.A.A.d city
Stimming – Circle of Thirds
Tominori Hosoya – Chihiro
No Doubt – Hella Good
Antes de continuarmos, preciso fazer um alerta a todos vocês que assim como eu, dependem do Youtube fortemente: Youtube não é lugar para referência técnica.
O formato de armazenamento e reprodução do Youtube/Google é ultra eficaz, o que significa altas taxas de compressão, o que também significa uma reprodução muito menos fiel ao arquivo original. Faça você mesmo um teste, compre uma música no Beatport, por exemplo no formato WAV/AIFF, e ouça. Depois, ouça a mesma música no Youtube. A sensação de ela ser menor (sem sal) ou então mais baixa (fria) é inevitável por conta de tais compressões. Outro ponto a ser levantado é que qualquer um pode dar upload no Youtube, não garantindo o comprometimento com o arquivo original da música, sendo passível de manipulações das mais diversas formas que vão de volume, controle dinâmico, exciters etc.
Para garantir a forma mais fiel de reprodução, opte por streamings que trabalham com formatos sem compressão como o TIDAL ou então Lossless como o Apple Music. Sim, o Spotify também não te entrega a melhor qualidade de áudio, e sim, você terá que ter mais uma assinatura no seu cartão de crédito se deseja ter uma imersão auditiva total.
Mas MP3 nem tem tanta diferença assim pra WAV
Calma, pequeno(a) gafanhoto(a), não saia repetindo conceitos absorvidos em uma mesa de boteco ou então em um tutorial do Youtube por aí. Tem tanta diferença do MP3 para o WAV? Tem e muita, mas depende. Depende da aplicação que você vai ter com tais arquivos. Precisa usar WAV pra ouvir música no carro? Não, provavelmente o sistema de som do seu carro não é capaz de traduzir toda dinâmica que um arquivo WAV tem. Precisa tocar somente WAV no baladão? Também não. Ainda mais se tratando de Brasil, são poucos lugares que possuem um sistema de som com manutenção e calibragem em dia, logo, mais um gargalo.
Posso usar MP3 como referências de mixagem? Pode, mas você precisa entender que não terá 100% de fidelidade auditiva utilizando MP3. Se possível, sempre utilize arquivos sem compressão. Não saia falando por aí que MP3 nem muda tanto assim se comparado com arquivos sem compressão porque muda, e muda muito.
É preciso entender que existe diferença entre ouvir música com fins de entretenimento e ouvir música com fins profissionais.
Lembra que eu falei que pra saber se você está ou não no caminho certo, é preciso ouvir muita música? Então, imagina você ali anos e anos ouvindo muita música só que de forma errada? Dói saber, né? Já doeu em mim. Lembre-se de utilizar os melhores formatos, assim você garante uma construção estética mais fiel, além de treinar o seu ouvido da melhor forma possível para que ele não cometa erros e vícios.
Mas se tudo é subjetivo dentro da mixagem, não existe nada que possa soar errado?
Seria perfeito se fosse assim, mas não é! Sabe aquela música que soa para dentro? Abafada? Então, é muito provável que seja um erro de mixagem. Sabe aquele som que você chega até a apertar os olhos de tão ardido que ele chega nos seus ouvidos? Então, muito médio e agudo que novamente atrapalham a experiência de quem ouve. O principal erro quando se está mixando é a falta de equilíbrio entre os elementos que compõem uma música. Sempre será a falta de equilíbrio que ditará se uma música é bem mixada ou não.
Uma música má mixada é uma música não tocada. Como faz pra não mixar de forma ruim? Isso mesmo, você já aprendeu, ouça MUITA música. E estude.
A música conecta.