Parem as máquinas!
Sempre que alguém decide escrever sobre Daft Punk, um portal se abre no cosmos e a viagem é certa. E você sabe o que vem junto com uma viagem assim? Responsabilidade. É, caro leitor, cara leitora, não se escreve sobre um ícone só com as melhores palavras soltas, provindas de uma ala criativa do cérebro. Não dá, não pode, desrespeita a cartilha. Tem que ter envolvimento, pesquisa, calor humano, muitos repeats e mergulho. Eu tive, prometo.
A verdade é que Revolution 909 é realmente sobre uma revolução. Na minha memória antiga é sobre uma jovem curiosa que baixava músicas no Kazaa (alô millennials) e cruzou com uma espécie de “recorte de set” de um artista brasileiro famoso chamado Fabrício Peçanha, onde a música que se iniciava era essa. E antes de contar a história, já vou pular direto para o “quê” de criatividade que esses dois rapazes sempre entregaram para nós. Na faixa escolhida, a intro é um ponto de atenção, antes de pensar em música.
Eis o cenário que se forma em sua cabeça ao ouvir: uma festinha fora dos moldes rolando, House de primeira ao fundo e adivinha? A polícia chega e diz: Parem a música e vão para casa, eu repito, parem a música e vão para casa. O que sucede-se disso são gritos, bagunça e um desfecho que pisa no acelerador e revela a música que fez a tal jovem parar tudo e dizer em voz alta “meu Deus, que música boa, o que é isso?”. Pronto, revolução.
Honrando seu nome, a faixa faz parte do álbum de estreia Homework, de 1997 – e me permitam usar a palavra “revolução” mais uma vez e me abster de justificativas. Ela foi lançada como o quinto e último single em 1998, fazendo ode à bateria eletrônica “revolucionária”, a Roland TR 909, que dá vida a essa faixa. E lembra da intro? Ela tem um teor reflexivo muito valioso: na época, os meninos franceses faziam o convite para o governo repensar sua posição contra as festas raves. E aí, vou arrematar com o próprio Bangalter se manifestando de maneira sagaz e vejam como o discurso é atual:
Eu não acho que é a música que eles querem, são as festas… Eu não sei. Eles fingem que são drogas, mas não acho que seja a única coisa. Há drogas em todos os lugares, mas eles provavelmente não teriam problema se a mesma coisa estivesse acontecendo em um show de rock, porque é isso que eles entendem. Eles não entendem essa música que é muito violenta e repetitiva, que é House; eles a consideram idiota e estúpida. Resumiu, né?
Com uma melodia Disco funky, a track alcança um groove ímpar. A bateria no primeiro plano, graves profundos, um banho de synths, filtros e repetições, porque o French Touch é todo deles. E os samples? Não só existem, como ainda causam intriga nas pessoas e essa é umas das coisas mais belas sobre eles: a capacidade de surpreender. A música apresenta sample da Fun Factory’s Celebration (Mousse T’s Back To The Old School), que foi descoberta só neste ano, depois uma vida inteira sendo atribuída à Jump do Kris Kross ou Live And Learn do Joe Public. A música também apresenta um recorte sutil de I Want Your Love do Chic. Gênios, mas calma que fica melhor.
E se você chegou até aqui, já concorda comigo sobre o quanto essa música é excelente. Mas, avisei que ficaria melhor. Temos um clipe dirigido pelo cineasta Roman Coppola, filho de Francis Ford Coppola, o nome que conduziu a aclamada trilogia de O Poderoso Chefão. Arte no DNA familiar. O clipe é uma jornada non-sense, que traz um desfecho inteligente para uma rave ilegal, polícia e um flashback de ácido engraçado. Tudo muito irreverente. Além disso, a história traz uma conexão subjetiva entre pai e filho, mas essa, deixarei no ar, porque como tudo na vida do Daft Punk: também há especulação. Tudo isso é tão atemporal sobre estes caras, que esse ano, a dupla compartilhou uma versão remasterizada de seu videoclipe, que você assiste agora mesmo:
Uma faixa icônica, de um álbum icônico, criados por uma dupla ícone. O resultado? Revolução!
A música conecta.