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A música conecta

Manaus: por quanto tempo você se escondeu?

Por Vinicius Xavier em Editorial 09.09.2022

Uma cidade fundada por portugueses nas margens do Rio Negro há mais de trezentos anos se desenvolveu e se transformou em um polo econômico e cultural no meio da Amazônia. Manaus hoje abriga mais de dois milhões de habitantes e um cenário artístico cheio de influências, facetas, camadas e perspectivas, sejam elas urbanísticas ou orgânicas. Um espaço cheio de nuances onde basta um olhar para entender o que essa esfera tem para proporcionar e contribuir para o resto do mundo. Mas por quanto tempo Manaus se escondeu? 

De festivais com artistas mundialmente reconhecidos acontecendo no coração da cidade,  à vivências no meio da selva, Manaus respira o caldeamento entre a selva, os rios, o concreto e o asfalto. E para entender como o ambiente manauara se comporta e porquê se comporta, é preciso entender os estímulos que o cercavam e o rodeiam até hoje. Sua diversidade é resultado do complexo de influências culturais herdados ao longo da história, como o famoso Forró manauara, trazido por nossos vizinhos nordestinos (ex-soldados da borracha), o Brega e a toada do Boi de Parintins, que hoje, juntos formam o tripé musical da Amazônia cultural e artística.

Porém, a atmosfera musical de Manaus, rica e diversa, não pode se resumir aos ritmos citados acima. O rock, por exemplo, e claro, a música eletrônica, também chegaram na tão inacessível capital e se envolveram na metrópole. Por isso, o cenário da música eletrônica no Amazonas, apesar do senso comum, não está ligado apenas a festas voltadas à experiências de conexão com a natureza. Nos últimos anos, a devoção à urbanidade e o desenvolvimento do seu expressivo artístico na cidade, fez Manaus se tornar referência quanto à cultura Clubber no Norte e Nordeste do Brasil, mas essa história não começou tão recentemente. 

O caminho que a música eletrônica percorreu para se estabelecer no Amazonas foi longo. Se iniciou, quando o Disco explodiu ao redor do mundo no fim dos anos 1970 e Manaus não ficou de fora com as suas discotecas. Porém foi entre as décadas de 80 e 90, com a chegada da House Music, que a música eletrônica foi introduzida na noite manauara, onde a maioria das festas aconteciam em clubes e boates, como a Crocodilo’s (1980), Cheik Club (1986), Spectron Disco (1988), Mikonos (1992), Notívagos (1997) e Hype Club (1998). Mas ainda assim, estamos falando de festas pequenas, fechadas e de acesso limitado.

E como de fato essa cultura tão distante adentrou a selva e se consolidou na região? O cenário começou a se transformar na segunda metade da década de 90, quando as festas em formato de ‘open air’ ou ‘rave’ começaram a acontecer, e o público a aumentar. Nesse momento, a E-Music tinha já tinha ouvintes o suficiente para lotar eventos de grande porte, como podemos observar nas memórias em vídeo do Dance Festival : “um grandioso evento realizado em 1995 pela Rede Amazônica de televisão, afiliada da Rede Globo, onde mais de 20 mil pessoas dançaram muita Música Eletrônica em um caloroso Domingo de verão no anfiteatro da praia da Ponta Negra.”

Para o DJ e produtor manauara, Cezar Dantas, a virada de chave para o cenário eletrônico, e principalmente quando falamos de música eletrônica conceitual foi o EcoSystem. A famosa “Rave da Amazônia” foi um festival que durou 4 dias, em agosto de 2000, responsável por reunir mais de 35 mil ravers em Manaus, trazendo artistas do mundo todo, com intuito não apenas de trazer a E-Music para a região, mas também tinha a preservação da Floresta Amazônica como grande propósito. O também DJ Eduardo Guerra, pioneiro na cena do Psytrance no Amazonas, destaca: “O Boom da música eletrônica conceitual apareceu após o lendário Festival EcoSystem acontecer em Manaus. A partir daí, novos gêneros e subgêneros da música eletrônica foram descobertos

Foi nesse período, que o contexto eletrônico na região começou a ganhar uma forma semelhante com a de atualmente, onde diferentes estilos da música eletrônica foram explorados e começaram a dar corpo aos núcleos e públicos de cada segmento. Cada um com as suas particularidades e sub-vertentes, como o Drum & Bass, o Techno, a House Music, o Trance e o PsyTrance — estilo que havia surgido apenas alguns anos antes e era totalmente desconhecido por DJs da época, além de que, festas ao ar livre e com um som tão intenso não eram comuns e mesmo assim, se tornou uma das vertentes mais populares na região.

Mas o que vem após um boom? Acompanhando o crescimento da música eletrônica ao redor do mundo, sob forte influência clubber e raver norte-americana e europeia durante os anos 2000, o contexto do Techno e da House music em Manaus se voltou aos clubes e eventos urbanos, como o Café Cancun (2007) e a Seven Entertainment – evento com direção artística do DJ Cezar Dantas, que acontecia de tempos em tempos e foi responsável por trazer grandes nomes para a cidade, como o duo Tale of Us, Loco Dice e Robert Dietz. Enquanto isso, a cena do Trance explorava a Amazônia em eventos que levavam a música eletrônica à natureza da região, como a Amazontribe, fundada em 2003 e perdura até hoje. 

Com o passar dos anos, e a chegada da música eletrônica comercial na Paris dos Trópicos, no início da década seguinte – o que foi fortemente estabelecida pela PUMP (2013) -, o cenário conceitual que sustentava os pilares da cena clubber se enfraqueceram e amornaram o movimento da música underground na cidade. Os grandes eventos que antes entregavam a pista para grandes nomes do Techno, House, Trance e adjacências foram se enfraquecendo e dando lugar a eventos com uma sonoridade diferente e comercializada, mas que mesmo assim, levavam o público à música eletrônica.

Apesar de rica e diversa, ainda falamos de uma cidade conservadora e com um público volátil, ao se referir a Manaus. Pouco se escutou ou se desenvolveu à perspectiva underground na região na segunda metade da última década de forma massiva. Mas não é por não se escutar, que não aconteciam. As festas voltaram a ser menores e para públicos limitados, como por exemplo os eventos que aconteciam em flutuantes ou em boates menores na cidade. Mas isso foi até o surgimento de coletivos como a Raum Music, House State, Morlox, WaldTech, Na.Arhe, House92  e outros núcleos, em sua maioria executados por mentes jovens de uma geração que sentia a falta de um cenário amplo.

Em 2020, a pandemia que assolou o globo também devastou Manaus, fazendo com que a mesma geração que construía uma onda de coletivos e artistas desse uma pausa em suas narrativas. O que, ao que parece, só deu mais força para a reconstrução do cenário e a explosão dos dias atuais. O que vemos em Manaus é um renascimento da cena, e dessa vez, com ainda mais orgulho da sua diversidade. Além das festas citadas acima, coletivos como a 502 Room, primeira festa a abrir o circuito pós pandemia, Banana frita e o festival Maomoon trazem uma leitura ainda mais jovem, atual, ousada e atenciosa às minorias, como a comunidade LGBTQIA+ e negra. 

Na foto, Guillerrrmo, um dos nomes mais promissores da cena manauara, se apresenta na 502 Room, no Porto de Manaus. 

Atualmente, o fervor das pistas manauaras encontra o seu público de forma cada vez mais astuta e até mesmo segmentada, já que não se trata mais apenas de uma diversidade de gêneros e subgêneros musicais eletrônicos, mas de tribo, plateia e principalmente, artistas. Um crescimento que há mais de trinta anos faz com que Manaus continue sendo o polo da cultura Clubber ou Raver nortista. Seja esse crescimento contínuo ou cíclico, o que pode se afirmar é que Manaus nunca se escondeu ou se absteve da história da música eletrônica no Brasil, e sim, estava aqui o tempo todo, esperando para que o mundo ou pelo menos o resto do país, olhasse para ela. 

É hora de prestar atenção em Manaus. 

A música conecta.

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