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A música conecta

A rota do empreendedorismo na música eletrônica mudou?

Por Marllon Eduardo Gauche em Editorial 09.07.2024

Este ano aconteceu mais uma edição de um dos principais festivais de música eletrônica do circuito mundial, Time Warp, que abraçou o Brasil praticamente como sua “segunda casa”, com edições recorrentes em nosso país desde 2018, quando fez sua estreia por aqui. Mas a Time Warp é só uma parte da gigantesca presença de eventos e festivais internacionais que inundaram o solo brasileiro, um movimento que tem sido cada vez mais latente e que, consequentemente, têm “assustado” players menores do mercado, afinal, como competir com marcas tão grandes e consolidadas que possuem muito mais barganha para trazer grandes artistas em seus lineups e até mesmo lidar com possíveis prejuízos?

+++ Made in Mannheim: Time Warp e a máxima colisão do house e techno com a tecnologia

Com a popularização da música eletrônica crescendo por aqui, parece que as batidas do House e do Techno tem ecoado em um compasso diferente. Até alguns anos, era natural presenciarmos o surgimento de novas festas e eventos independentes criados por pessoas realmente apaixonadas pela cultura clubber, um movimento orgânico, alimentado pelo amor e pela essência da música eletrônica; hoje, porém, a frieza do empreendedorismo parece ter dominado o mercado, dificultando que novas iniciativas apareçam e até mesmo desencorajando profissionais a se arriscar nessa indústria cada vez mais competitiva. 

Ainda em tempo, vale pontuar que isso não é algo exclusivo da música eletrônica. Se olharmos para o mercado como um todo, notamos festivais como Rock in Rio, The Town, CCXP, Lollapalooza, Primavera Sound e tantos outros recebendo investimento de grandes marcas. Eventos menores e regionais estão dando lugar a eventos centralizadores, que graças a essas parcerias conseguem realizar mais ativações e experiências para o público, o que traz resultados muito positivos para ambos os lados e possibilita mais estrutura, atrações e um número maior de pessoas na pista.

Mas essa mudança de rumo também tem suas consequências. Enquanto as marcas internacionais trazem consigo um influxo de capital e investimento na cena, também atraem desafios significativos, um deles é o aumento recorrente dos cachês de artistas, o que torna ainda mais difícil players menores competirem no mesmo campo. Para se ter ideia, algumas marcas consolidadas da cena eletrônica chegam a projetar um prejuízo de cifra milionária ao planejar seu evento, algo que seria insustentável para a grande maioria de produtores de eventos de menor porte, mas que é absorvida como “investimento de marca” pelos grandes, justificando o risco. 

E é claro que essa conta chega também ao público, que muitas vezes acaba pagando um valor exorbitante no preço do ingresso e acaba nem tendo uma experiência tão positiva assim, para não dizer decepcionante em alguns casos. O aumento do custo de vida, alta do dólar e os cachês inflados de muitos DJs internacionais têm tornado essa equação cada vez mais difícil de se resolver. É um equilíbrio delicado, onde a busca pelo lucro muitas vezes se sobressai diante da paixão e do propósito que uma vez impulsionaram a cena eletrônica, tendo como resultado uma cena mais homogênea, com promoters atuando em uma constante zona de conforto, pois com planilhas infladas, arriscar geralmente não é uma opção. 

Isso coloca em xeque outro ponto que deveria ser fundamental em todo evento de música eletrônica: a diversidade e a inclusão. Nossa cena sempre foi um terreno fértil para a expressão artística, abrangendo uma ampla gama de estilos, culturas e influências. No entanto, à medida que a indústria se torna mais comercializada e dominada por gigantes, começa a aparecer uma preocupação de que a diversidade de talentos e o espaço para novos artistas estejam sendo sufocados, favorecendo artistas já estabelecidos, afinal, estes são os verdadeiros ticket sellers. Ou seja, é fundamental seguir promovendo uma curadoria inovadora e plural, ao mesmo tempo em que seja possível atender às demandas comerciais.

Tendo isso em vista, novas marcas e iniciativas que desejam ingressar nessa indústria pelo simples fato do verdadeiro amor à música, mas que não querem “competir” diretamente com os grandes players já consolidados no mercado, precisam levar em consideração algo muito importante e que pode ser um grande aliado: a construção de uma comunidade em torno da própria marca. É isso o que muitas vezes permite que festas menores arrisquem nos seus lineups, trazendo nomes que o público talvez nem conheça, mas que ele confia por conta da conexão criada e, consequentemente, o faz comparecer no evento. É uma relação que se desenvolve com o tempo, mas que pode ser uma das chaves para vermos surgir novas iniciativas.

Em um universo utópico, uma abordagem equilibrada seria a chave para tudo, afinal, é isso o que falta pra cena atual, equilíbrio, caso contrário, ela se tornará insustentável ao longo dos anos. É preciso haver uma conexão, uma sinergia maior e um diálogo aberto e contínuo entre os grandes players do mercado e os profissionais menores, a fim de criar um ambiente mais sustentável e inclusivo para todos os envolvidos. Profissionais da cena precisam de fato fomentar a real cultura da música eletrônica e, muitas vezes, apostar em artistas locais, fugindo da mesmice de sempre. Mas enquanto não chegamos lá, reflexões como essas se tornam necessárias e acendem também um sinal de alerta: o de que nunca devemos esquecer da verdadeira essência da música eletrônica, que é a liberdade e a capacidade de unir as pessoas independente de qualquer fator.

A música conecta.

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