Este ano aconteceu mais uma edição de um dos principais festivais de música eletrônica do circuito mundial, Time Warp, que abraçou o Brasil praticamente como sua “segunda casa”, com edições recorrentes em nosso país desde 2018, quando fez sua estreia por aqui. Mas a Time Warp é só uma parte da gigantesca presença de eventos e festivais internacionais que inundaram o solo brasileiro, um movimento que tem sido cada vez mais latente e que, consequentemente, têm “assustado” players menores do mercado, afinal, como competir com marcas tão grandes e consolidadas que possuem muito mais barganha para trazer grandes artistas em seus lineups e até mesmo lidar com possíveis prejuízos?
+++ Made in Mannheim: Time Warp e a máxima colisão do house e techno com a tecnologia
Com a popularização da música eletrônica crescendo por aqui, parece que as batidas do House e do Techno tem ecoado em um compasso diferente. Até alguns anos, era natural presenciarmos o surgimento de novas festas e eventos independentes criados por pessoas realmente apaixonadas pela cultura clubber, um movimento orgânico, alimentado pelo amor e pela essência da música eletrônica; hoje, porém, a frieza do empreendedorismo parece ter dominado o mercado, dificultando que novas iniciativas apareçam e até mesmo desencorajando profissionais a se arriscar nessa indústria cada vez mais competitiva.
Ainda em tempo, vale pontuar que isso não é algo exclusivo da música eletrônica. Se olharmos para o mercado como um todo, notamos festivais como Rock in Rio, The Town, CCXP, Lollapalooza, Primavera Sound e tantos outros recebendo investimento de grandes marcas. Eventos menores e regionais estão dando lugar a eventos centralizadores, que graças a essas parcerias conseguem realizar mais ativações e experiências para o público, o que traz resultados muito positivos para ambos os lados e possibilita mais estrutura, atrações e um número maior de pessoas na pista.
Mas essa mudança de rumo também tem suas consequências. Enquanto as marcas internacionais trazem consigo um influxo de capital e investimento na cena, também atraem desafios significativos, um deles é o aumento recorrente dos cachês de artistas, o que torna ainda mais difícil players menores competirem no mesmo campo. Para se ter ideia, algumas marcas consolidadas da cena eletrônica chegam a projetar um prejuízo de cifra milionária ao planejar seu evento, algo que seria insustentável para a grande maioria de produtores de eventos de menor porte, mas que é absorvida como “investimento de marca” pelos grandes, justificando o risco.
E é claro que essa conta chega também ao público, que muitas vezes acaba pagando um valor exorbitante no preço do ingresso e acaba nem tendo uma experiência tão positiva assim, para não dizer decepcionante em alguns casos. O aumento do custo de vida, alta do dólar e os cachês inflados de muitos DJs internacionais têm tornado essa equação cada vez mais difícil de se resolver. É um equilíbrio delicado, onde a busca pelo lucro muitas vezes se sobressai diante da paixão e do propósito que uma vez impulsionaram a cena eletrônica, tendo como resultado uma cena mais homogênea, com promoters atuando em uma constante zona de conforto, pois com planilhas infladas, arriscar geralmente não é uma opção.
Isso coloca em xeque outro ponto que deveria ser fundamental em todo evento de música eletrônica: a diversidade e a inclusão. Nossa cena sempre foi um terreno fértil para a expressão artística, abrangendo uma ampla gama de estilos, culturas e influências. No entanto, à medida que a indústria se torna mais comercializada e dominada por gigantes, começa a aparecer uma preocupação de que a diversidade de talentos e o espaço para novos artistas estejam sendo sufocados, favorecendo artistas já estabelecidos, afinal, estes são os verdadeiros ticket sellers. Ou seja, é fundamental seguir promovendo uma curadoria inovadora e plural, ao mesmo tempo em que seja possível atender às demandas comerciais.
Tendo isso em vista, novas marcas e iniciativas que desejam ingressar nessa indústria pelo simples fato do verdadeiro amor à música, mas que não querem “competir” diretamente com os grandes players já consolidados no mercado, precisam levar em consideração algo muito importante e que pode ser um grande aliado: a construção de uma comunidade em torno da própria marca. É isso o que muitas vezes permite que festas menores arrisquem nos seus lineups, trazendo nomes que o público talvez nem conheça, mas que ele confia por conta da conexão criada e, consequentemente, o faz comparecer no evento. É uma relação que se desenvolve com o tempo, mas que pode ser uma das chaves para vermos surgir novas iniciativas.
Em um universo utópico, uma abordagem equilibrada seria a chave para tudo, afinal, é isso o que falta pra cena atual, equilíbrio, caso contrário, ela se tornará insustentável ao longo dos anos. É preciso haver uma conexão, uma sinergia maior e um diálogo aberto e contínuo entre os grandes players do mercado e os profissionais menores, a fim de criar um ambiente mais sustentável e inclusivo para todos os envolvidos. Profissionais da cena precisam de fato fomentar a real cultura da música eletrônica e, muitas vezes, apostar em artistas locais, fugindo da mesmice de sempre. Mas enquanto não chegamos lá, reflexões como essas se tornam necessárias e acendem também um sinal de alerta: o de que nunca devemos esquecer da verdadeira essência da música eletrônica, que é a liberdade e a capacidade de unir as pessoas independente de qualquer fator.
A música conecta.