A temporada de festivais de 2025 começa cedo para a música eletrônica brasileira e, mais importante, com uma marca nacional em evidência. No dia 18 de janeiro, a consolidada Carlos Capslock, reconhecida por sua abordagem subversiva e disruptiva, apresenta o retorno de sua proposta de festival. A marca, que nasceu há 14 anos em São Paulo, consolidou-se como um expoente da contracultura, conectando a cena underground a um público diverso e apaixonado.
Desde suas primeiras edições, a Capslock sempre desafiou convenções. Surgindo na fervilhante capital paulista da década passada, o núcleo se destacou por promover festas em locações inusitadas e eventos de rua, enquanto sua estética irreverente e inclusiva cativava uma nova geração de ravers e clubbers. Ao longo dos anos, expandiu sua atuação para outras capitais, como Belo Horizonte, Curitiba e Recife, sempre mantendo sua essência: um espaço de celebração da liberdade, diversidade e originalidade. Agora, a marca se posiciona para o segundo passo de um plano ainda mais ousado — um festival que promete 18 horas de experiência imersiva com música, performances e arte visual.
E a festa cresceu
A trajetória da Carlos Capslock é marcada por uma constante sensação de movimento. Do formato intimista das primeiras edições até eventos de grande escala, a marca soube adaptar sua estrutura e proposta à medida que crescia. Este desenvolvimento natural culminou em um festival de verdade, que reflete uma tendência crescente na cena nacional: menos eventos ao longo do ano, mas com produções mais ambiciosas e complexas.
Estivemos na última edição da Capslock em São Paulo, realizada em setembro, e a festa já trazia uma estrutura que beirava a de um festival. No entanto, o evento de janeiro é o que promete explorar este formato de fato. Importante ressaltar que mesmo com as transformações, a marca mantém o compromisso de não se desvincular totalmente de suas raízes, mantendo o storytelling psicodélico, curadoria musical inovadora e a presença marcante de Tessuto, figura central da marca. Este equilíbrio entre evolução e autenticidade reforça a identidade particular que a festa construiu ao longo de sua história.
Artistas nacionais: protagonistas
A curadoria nacional do festival reflete identidade e relações construídas ao longo da trajetória. Nomes como L_cio, que nesta edição se apresenta ao lado de Nayra Costa & Bica, Badsista, Eli Iwasa, Cashu e RHR possuem uma conexão histórica com a festa, atuando como pilares do relacionamento com o público e, para além disso, da construção do DNA sonoro da festa.
Por outro lado, a curadoria também demonstra um olhar atento para talentos que transcendem os limites de uma conexão histórica direta, apostando em diversidade e ousadia. Entre os destaques, Marcal se consolida como um dos nomes mais relevantes do Techno nacional na atualidade; Aninha, como falamos recentemente por aqui, rainha; Capetini traz uma identidade sonora original e intrigante; Jaloo e Jup do Bairro oferecem um frescor estético e musical que amplia o espectro artístico do evento; e Trommer, com anos de dedicação, recebe um merecido reconhecimento.
Performers: além da música
Um dos diferenciais do festival é a valorização dos performers, que recebem destaque equivalente ao lineup de DJs. Esta curadoria é um ponto de conexão essencial com manifestações artísticas que enriquecem a experiência do público, consolidando o evento como um espaço inclusivo e multidimensional para a arte.
DJ Hell: a interseção entre gêneros
DJ Hell simboliza um ponto de encontro entre House, Techno, psicodelia e punk, refletindo a identidade multifacetada da música eletrônica alemã ao longo das últimas três décadas. Sua gravadora, International DeeJay Gigolo Records, foi pioneira ao mesclar diferentes influências musicais, criando um legado que ressoa até hoje. Hell é uma escolha acertada para o festival, trazendo autenticidade e um diálogo direto com a proposta irreverente e ousada que sempre fez parte da Carlos Capslock.
DVS1: precisão e relevância
DVS1, uma das figuras mais importantes do Techno global, representa uma rara combinação de precisão técnica, inteligência musical e impacto de pista. Reconhecido por seu estilo único, que alia densidade dançante a uma abordagem avançada e calculada, Zak Khutoretsky vai além das cabines, sendo uma voz ativa para questões fundamentais da cena, como sustentabilidade e integridade artística. É o tipo de DJ que deve sempre ser celebrado quando convocado para estar por aqui.
DJ Marky: brilho nacional
DJ Marky é um dos grandes nomes da música eletrônica brasileira, e sua atuação no festival é especialmente significativa. É sempre incrível ver Marky brilhando na Inglaterra ou Japão, mas é em solo nacional que ele merece o protagonismo máximo, como uma figura central da cultura eletrônica no Brasil.
Fabriketa: a locação como headliner
A escolha da Fabriketa como palco do festival é estratégica e simbólica. O espaço, já consolidado como uma das melhores opções para eventos deste porte em São Paulo, carrega uma conexão histórica com o movimento que deu origem à Capslock. Sua arquitetura e atmosfera tem um match interessante com a proposta do festival, o que pode ajudar a tornar a experiência do público mais completa.
O que sobrou e faltou?
Falar sobre o que faltou ou sobrou numa proposta de evento como esta é complexa, especialmente porque, diferente de outros grandes festivais de São Paulo, como Time Warp ou DGTL, onde a expectativa do público gira em torno de curadorias que equilibram grandes nomes históricos e relevâncias atuais, a Capslock opera sob uma lógica diferente. A curadoria da festa não busca apenas refletir o momento presente, mas sim perpetuar uma trajetória construída ao longo de mais de uma década, onde cada edição é parte de um contínuo desenvolvimento artístico e cultural.
Isso não significa que ideias ou nomes adicionais não poderiam enriquecer ainda mais a proposta. Por exemplo, a inclusão de artistas nacionais de outros movimentos importantes da própria São Paulo poderia agregar novas camadas ao evento, e embora o House não seja exatamente o DNA da festa, ele sempre esteve lá e seria interessante ver um nome mais emblemático do gênero ao lado de figuras como DVS1 e DJ Hell. No entanto, é preciso reconhecer que, nesse caso, o foco não está em atender todas as expectativas, mas em continuar um processo de curadoria que se desenvolve há anos.
Com 18 horas de evento, performances e um lineup que equilibra tradição e ousadia, o Carlos Capslock Festival inicia a temporada de grandes festivais como um marco importante no calendário nacional de eventos. É interessante observar como um movimento artístico que emergiu do underground de São Paulo e hoje já soma mais de uma década de atuação, conseguiu expandir sua atuação para novos públicos, mantendo conceitos importantes que definem sua identidade. Em tempos onde muito se fala sobre ter uma identidade própria, poucos são os que realmente tem e disso, Tessuto e a Capslock podem se orgulhar.