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A música conecta

IMS Report 2025: os US$ 12,9 bilhões da indústria e o dilema da distribuição na cena eletrônica

Por Alan Medeiros em Xpress 24.04.2025

O novo relatório publicado pelo International Music Summit (IMS) em Ibiza aponta que a indústria global da música eletrônica atingiu um novo pico: US$12,9 bilhões em 2024, com um crescimento de 6% em relação ao ano anterior. O número é expressivo e ajuda a dimensionar o impacto econômico de uma cena que, mesmo nas suas manifestações mais marginais, influencia cultura, moda, comportamento e urbanismo. Mas o valor por si só diz pouco — a pergunta real é: quem são, e com quem estão, esses 12,9 bilhões de dólares?

O IMS Report é, certamente, o estudo mais consolidado da cena eletrônica global na atualidade. Em sua edição de 2025, ele detalha o crescimento de vertentes como Afro House, Amapiano e Techno Melódico, e confirma a profissionalização de circuitos alternativos. Também aponta um avanço significativo no consumo digital e no mercado de bookings, especialmente com artistas do Leste Europeu, América Latina e África, ganhando espaço fora dos eixos históricos. No entanto, mesmo com esse cenário de expansão, os dados revelam um padrão já conhecido em outras indústrias criativas: concentração de receita no topo e precarização na base.

Boa parte da receita vem de grandes festivais, turnês de artistas globais e selos com alto volume de catálogo. Enquanto isso, selos independentes, coletivos e artistas de cena local ainda operam em um sistema desequilibrado, onde o custo para permanecer criativo e visível é cada vez mais alto — e o retorno, cada vez mais imprevisível. A mudança recente nos modelos de royalties das plataformas de streaming, por exemplo, tem punido artistas com audiências médias, enquanto premia faixas de alta performance, muitas vezes infladas artificialmente.

Essa assimetria traz à tona um debate importante: de que forma os valores gerados por essa indústria podem — ou deveriam — circular de forma mais justa? Filósofos como Byung-Chul Han já observaram como a lógica da performance, da visibilidade e da superprodução afeta até mesmo o campo artístico. Em A Sociedade da Transparência, Han aponta que a exposição permanente substitui o mistério e o processo, criando uma estética onde o valor está no que pode ser exibido — e monetizado. A cena eletrônica, que nasceu em espaços de resistência e contracultura, corre o risco de se alinhar por completo ao paradigma do capital, onde o valor emocional e subjetivo provado pela arte é esmagado pelo valor de mercado.

No Brasil, esse debate é especialmente urgente. Embora tenhamos uma diversidade incomparável de gêneros, estéticas e propostas — do Funk ao Rrance, do House ao Axé Eletrônico —, a estrutura que deveria sustentar esses movimentos ainda é frágil. Faltam políticas públicas específicas, incentivos regionais que sejam eficientes em distribuir a cultura de pista pelo país e uma mentalidade que compreenda a música eletrônica não apenas como produto de entretenimento, mas como vetor de identidade cultural, com enorme potencial para outras áreas, como o Turismo, por exemplo.

A profissionalização da cena é desejável. Mas ela precisa vir acompanhada de redistribuição, escuta, e políticas que contemplem o que a professora americana Angela Davis chama de “democracia cultural”: um sistema que não apenas reconhece as expressões marginais, mas garante meios para que essas expressões existam com dignidade. Num país onde tantos artistas ainda precisam escolher entre viver de música ou pagar o aluguel, celebrar os bilhões do mercado global sem discutir seus fluxos internos é um exercício vazio.

Talvez o IMS Report de 2025 deva ser lido menos como uma celebração e mais como um termômetro. Se a música eletrônica realmente quiser seguir sendo um campo fértil de inovação e liberdade, precisará enfrentar seus próprios paradoxos: quem tem acesso ao palco? Quem define o gosto? Quem lucra com o que foi criado nas sombras? Enquanto os números brilham, as bases precisam de atenção. Porque, sem um trabalho de base consistente e remunerado, nem o maior dos investimentos em lineup faz pagar a conta. 

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