“Tínhamos um DJ oculto e não sabíamos”. Foi esta frase proferida em 1998, por um amigo de Eduardo Cardozo, que deu início a uma nova figura: Koolt. Uma deformação quase metafórica da palavra “oculto”, representando alguém que sempre foi parte essencial da cena, mas que ainda não havia se revelado plenamente. Desde então, Koolt construiu uma que o consolidou como um elemento fundamental para o desenvolvimento e cultura de pista underground no Uruguai. Sua atuação foi decisiva para emergir uma cena que valoriza a curadoria e o papel do DJ como educador e contador de histórias, que atua como fio condutor para uma conexão real com as raízes da música eletrônica.
Montevidéu, sem o frenesi de capitais maiores, parecia um terreno mais discreto para o desenvolvimento da cultura underground. E talvez por isso mesmo, tenha gerado figuras tão singulares quanto Koolt. Em uma época em que o acesso à música era limitado, Koolt garimpava vinis por correio, passava horas e horas gravando fitas cassete e buscando conhecimento musical por insistência. Sua relação com o diggin’ — essa arte de caçar sonoridades como quem busca um pedaço da memória e da história — alimenta não apenas sua técnica e seus cases, que abrangem os mais diversos gêneros e subgêneros da música eletrônica, mas reforça sua tenacidade em construir uma cena local de valor. E foi o que ele fez e continua fazendo.
Versatilidade pode ser uma palavra batida nos dias de hoje. É fácil autoafirmar essa característica e entregar mais do mesmo, mas, para Koolt, que desde a infância teve ouvidos moldados por influências do Jazz, Rock, música uruguaia, sons experimentais dos anos 60 e 70, além de coleções de Tangerine Dream, Klaus Schulze e selos como ECM, é algo que se torna uma consequência natural. Estar em uma pista comandada por ele é como assistir uma série de suspense: você até pode imaginar a história, mas ao decorrer de cada episódio — ou de cada track — você é estimulado a querer saber o que mais vem depois e, quando menos espera, recebe um plot twist daqueles.
Não contente em aprimorar a cena com suas pesquisas, Koolt concedeu outro gesto transformador à arte local e, ao lado de dois amigos, fundou o Phonotheque, um club uruguaio 100% dedicado à cultura eletrônica underground e que, meses após a abertura, se destacou para além das fronteiras, graças à sua curadoria e seu propósito de funcionar como um espaço de experimentação e liberdade, justamente como a cultura da música eletrônica nasceu e deve ser.
Há alguns anos, Koolt foi questionado em uma entrevista sobre a possibilidade de reconhecimento e desenvolvimento de cenas fora do eixo de centralização na europa e sua resposta foi mais do que objetiva: “Acho que essas cenas não estão ‘em desenvolvimento’, elas já estão desenvolvidas, vocês é que ainda não perceberam.”
A fala não soa como provocação gratuita, é um diagnóstico certeiro de quem viveu cada etapa de uma cena que cresceu à margem do olhar internacional, mas não à margem da qualidade ou da coerência. O que Koolt expressa, em poucas palavras, é o que tantos artistas de fora dos grandes centros têm sentido há décadas: a excelência não depende de localização geográfica, mas de dedicação e compromisso com a cultura.
E é por isso que figuras como ele são tão essenciais e arrisco dizer que disruptivas também, pois não apenas ocupam um espaço, mas ajudam a defini-lo. Enquanto o mainstream global gira em ciclos cada vez mais homogêneos, Koolt segue sua construção longe dos modismos. Seu trabalho, ao mesmo tempo que conserva uma linhagem, não se limita a ela. Atua como farol para novas gerações de DJs, produtores e públicos que entendem a música eletrônica como um campo de expressão e resistência. É nessa constância que Koolt reafirma que não basta apenas ser visto, é necessário ser capaz de sustentar, criar e transformar.