O presente e, de alguma forma, tudo que vivemos no momento atual, é moldado com base no passado. É justamente por entender esse princípio que não poderíamos deixar de contemplar em nossa coluna de festas e clubes ao redor do mundo o mais lendário deles: The Haçienda, que é também apontado como um dos espaços mais importantes para a história da dance music mundial.
O Haçienda foi aberto em maio de 1982 na cidade de Manchester, na Inglaterra, e parte de seu sucesso foi garantido pelo nome por trás do projeto, Tony Wilson, que além de famoso empresário do ramo da música era também o head label da Factory Records, gravadora responsável pelo lançamento de grandes nomes do new wave para o mundo. Entre as bandas assinadas pela Factory Records estava o New Order, grupo de expressivo sucesso mundial que era sócio de Tony na propriedade do Haçienda.
A casa foi idealizada para ser um espaço de eventos guiados pelo new wave, principal estética sonora da época, e recebeu durante os primeiros anos de atividade seu palco uma Madonna em início de carreira, bandas como Durutti Column e A Certain Ratio, do catálogo do selo Factory, além de importantes apresentações do New Order. Porém, foi a partir de 1986 que o Haçienda encontrou seu verdadeiro propósito e tornou seu nome inesquecível.
Com o new wave perdendo força e a house music americana se alastrando com grande força para todos os cantos do mundo, o Haçienda começou a investir pesado nas noites de música eletrônica a partir daquele ano, mas sem deixar de lado sua identidade inglesa. Em resposta à house music que vinha do oeste, os britânicos criaram o acid house e foi no clube de Manchester que esse estilo ganhou as pistas para então ser catapultado para outros destinos ao redor do globo.
As noites de acid do Haçienda se tornaram umas das mais cobiçadas da Inglaterra e colocaram Manchester no circuito eletrônico mundial, atingindo lotação máxima com filas em volta de todo o quarteirão. Pista quente, suor condensando no teto e um público que não parava de dançar do início ao fim da noite, envolvidos pelo som dos maiores DJs da época, assim era a atmosfera do clube até o dia do fechamento permanente de suas portas, em 28 de junho de 1997, em uma noite que recebia Dave Haslam e Elliot Eastwick.
Parece estranho que um clube de tanto sucesso tenha encerrado as atividades no auge de sua história, mas a verdade é que todo o renome alcançado pelo Haçienda não era revertido em dinheiro e o clube nunca chegou a dar lucro. Após a falência da Factory Records, em 1992, o clube se matinha prioritariamente da venda de discos do New Order, o que não foi suficiente para a continuação de seu legado.
Após seu fechamento, o Haçienda foi demolido e deu nome a um conjunto habitacional construído no local. A vida do clube ficou eternizada no filme 24 Hour Party People (A Festa Nunca Acaba), de 2002 e em partes de seus destroços que foram leiloados a colecionadores, apresentadas no documentário Do You Own The Dancefloor?, de 2015. Quem deseja ir mais a fundo na história do clube pode ainda fazer a leitura do livro The Haçienda: How Not To Run a Club, escrito pelo líder do New Order, Peter Hook.
Apesar de ter chegado ao fim, o Haçienda se mantém até hoje como uma das principais referências de festa do mundo eletrônico e sua estética também influencia diferentes nichos como o design e a moda. Em 2012, a pista principal do clube foi reconstruída para uma instalação que retratava o design britânico inovador ao longo das décadas e ficou em exibição durante um semestre no Museu Victoria & Albert em Londres.
A homenagem mais recente à memória do Haçienda veio na forma dos novos uniformes do Manchester City em parceria com a Puma, anunciados no início do mês de julho. Ações como essa tornam ainda mais evidente a importância que o clube teve para a cidade de Manchester, para toda a Inglaterra e, principalmente, para a história da cultura de pista. Em memória ao imponente The Haçienda.
A música conecta.