Em 2003, Armin van Buuren iniciou seu set para a emblemática série Essential Mix da BBC Radio 1 com a faixa Mushroom Therapy (Lightscape Mix), de Mark Otten. A resposta positiva do público fez com que ele apresentasse a faixa para a gravadora norte-americana United Records, com a qual ele havia assinado na época, com intuito de promover o lançamento oficial. Contudo, a gravadora recusou lançar a faixa, pois não ia de encontro com seu interesse comercial naquele momento, que estava mais direcionado à House Music. Esse foi o estopim que faltava para uma revolução na carreira de Armin.
Com a recusa, o DJ holandês procurou Maykel Piron, então A&R da Purple Eye, e seu manager David Lewis, para criar um selo que desse o devido reconhecimento às músicas que acreditavam ter valor, mas eram rejeitadas pelas grandes gravadoras daquele período. Aquilo que as pessoas precisavam ouvir, independentemente do gênero ou aporte financeiro. Assim nasceu a Armada Music, acrônimo formado a partir dos nomes de seus três fundadores.
O primeiro lançamento oficial, Nexus Asia de Questia, chegou ainda em 2003, com duas versões distintas: a Vincent De Moor Original, totalmente voltada para o Trance acelerado de pista e a Subsphere Mix, marcada por uma construção mais lenta, atmosférica e progressiva. O pontapé oficial já era um prenúncio do que a linha editorial da Armada, que se tornou um selo guarda-chuva de vertentes distintas da música eletrônica, apontava: faixas voltadas tanto para a pista quanto para uma audição seletiva e contemplativa em qualquer outro lugar que o ouvinte estivesse.
Para organizar essa diversidade, a Armada estruturou uma rede de sublabels. O Armind se tornou um símbolo do Trance do início dos anos 2000, abrigando desde singles de Armin van Buuren, como produções de nomes como Luke Bond, Super8 & Tab e Markus Schulz. O A State of Trance Recordings, criado em 2003 a partir da popularidade do programa de rádio homônimo, passou a lançar compilações anuais e faixas de artistas que encontraram ali seu primeiro espaço de projeção internacional, além de artistas já estabelecidos como Sean Tyas e o próprio Vincent De Moor quando participou do primeiro lançamento da label.
Em 2004, nasceu o Electronic Elements com o objetivo de lançar faixas de Progressive Trance e Progressive House em um momento em que o trance mais acelerado dominava as paradas. Ali apareceram produções com andamento mais lento, construções longas e atmosfera melancólica, que se distanciavam do padrão do mercado na época e encontraram público fiel entre seletores, posicionando-se como o braço da Armada voltado a uma cena melódica e mais introspectiva.
O Captivating Sounds surgiu para desempenhar um papel mais flexível ao reunir lançamentos de Trance e House mais voltados à clubs midstream da Europa. Já o Armada Deep, lançado em 2014, respondeu à ascensão global do Deep house e promoveu sucessos comerciais como Are You With Me, de Lost Frequencies, que alcançou o topo das paradas em diversos países. O Armada Subjekt, criado em 2017, voltou-se ao Tech House em um momento de expansão do gênero, consolidando a presença da Armada em circuitos onde o trance não tinha protagonismo e reforçando sua capacidade de dialogar com diferentes tendências da música eletrônica.
A rede de selos da Armada permitiu tanto promover catálogos que englobam gêneros distintos quanto incorporar obras de gravadoras mais antigas, licenciando faixas para relançá-las digitalmente, como foi o caso de obras como Groove Society, de Fix To Fax, lançada em 1994 pelo Funny Vinil e posteriormente incorporada ao acervo da Armada, conectando o selo às raízes do Trance holandês, quando o gênero ainda orbitava entre o Techno e o Progressivo.
O mesmo se pode dizer de Sub-Culture, do Classified Project, editada pela A State of Trance Recordings, que reafirma a escolha do selo em apostar em faixas de progressivo mais densas, em contraste com o modelo acelerado que ganhava tração na época. Carte Blanche, creditada sob o nome Veracocha, também é parte fundamental para entendimento da abrangência do catálogo. No remix do clássico Der Dritte Raum, incorporado ao repertório da Armada, a faixa ganhou uma versão que deslocava sua energia para o minimal alemão, revelando como a gravadora sabia associar um clássico a novas leituras vindas de outras cenas europeias.
Com a faixa 1998, do Binary Finary, em sua versão remixada por Kay Cee, Armada disponibilizou um dos remixes mais emblemáticos da virada do trance nos anos 2000, caracterizado por linhas de sintetizador expansivas e progressão contínua que definiram um estilo inteiro de produção naquele período. Air, lançado por Ferry Corsten sob o alias Albion em 1998 e depois incorporado ao acervo da Armada, é outro exemplo importante. A faixa abraçava uma construção sublime, melódica e se tornou referência para produtores que buscavam unir sensibilidade e força de pista.
Importante mencionar ainda que o Electronic Elements abriu caminho para lançamentos de Progressive House e Trance com caráter mais experimental ou algo mais “sério”, a exemplo da AVB Edit de Simply Blue, do norte-americano Peter Martin. A faixa, editada por Armin van Buuren, traduz a proposta do sublabel: apostar em artistas emergentes com sonoridades introspectivas, ainda que não tivessem potencial imediato de grande alcance.
No mesmo selo, o sueco Probspot lançou Blueberry em 2004, rapidamente reconhecida por DJs de progressive como uma das faixas mais influentes do período. Sua estrutura longa e atmosfera melancólica tornaram-se referências dentro do estilo e ajudaram a consolidar o Electronic Elements como um braço importante da Armada. A entrada de Blueberry no catálogo até hoje mostra o cuidado da gravadora em promover produções que, embora não tenham sido hits comerciais, sustentam a memória do progressive dos anos 2000.
A função da Armada como plataforma de carreira também merece destaque. Ao longo de mais de duas décadas, nomes como Dash Berlin, Andrew Rayel, Lost Frequencies, Loud Luxury, Sunnery James & Ryan Marciano e Eelke Kleijn tiveram passagens decisivas pelo selo antes de alcançarem circuitos de maior visibilidade. O suporte, além da distribuição, envolveu compilações, espaço em rádios e showcases que deram projeção internacional a produtores ainda em fase inicial.
Essas frentes de atuação confirmam que a Armada já não pode ser lida apenas como uma gravadora associada ao trance ou ao mainstream. A amplitude de seu catálogo, a estrutura de sublabels e a incorporação de acervos históricos consolidaram um papel de acompanhar e documentar transformações que atravessaram diferentes momentos da música eletrônica global.
Com a criação do BEAT Music Fund em 2023, a Armada passou a atuar também como uma espécie de agente de preservação, adquirindo catálogos de artistas e selos que ajudaram a formar a base do House e do Techno. Esse movimento reforçou a imagem de uma gravadora que não se limita a lançar novidades, mas que compreende a importância de manter acessível um repertório que já faz parte da história do gênero.
Hoje, passados mais de vinte anos, a Armada se consolidou como um das maiores gravadoras independentes de música eletrônica, com escritórios em Amsterdã, Londres e Nova York e um catálogo que já ultrapassa 40 mil faixas, resultando em um repertório que atravessa vertentes do Trance ao Progressive, do Tech House ao House melódico.
Revisitar este catálogo significa enxergar um panorama da música eletrônica dos últimos vinte anos em sua pluralidade. É reconhecer que a gravadora se tornou parte estrutural desse percurso, tanto pela projeção de novos artistas quanto pela manutenção de um acervo que continua a oferecer material para pesquisa, inspiração e novas leituras sobre o que a música eletrônica foi e sobre os caminhos que ela ainda pode seguir.