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A música conecta

Como é ter uma loja de discos no Brasil?

Por Caio Stanccione em Editorial 06.11.2020

Sem sombra de dúvidas, dentre os muitos fatores que fazem qualquer pessoa se apaixonar pela música, o mais impactante é a riqueza das infinitas possibilidades que ela pode alcançar. A verdade é que a música carrega um espectro criativo sem fim. Independente da tribo sonora que você se encontra, será humanamente impossível conhecer todos os estilos, seus desdobramentos sonoros e muito menos todas as obras já produzidas. Obviamente, alguns profissionais do ramo – a exemplo os DJs -, possuem um leque de conhecimento maior, já que o pilar central que sustenta essa profissão é justamente a perseguição sem fim pelas novas e também pelas esquecidas preciosidades.

Não é nenhuma novidade que os DJs conheçam mais sobre música do que o público, aliás, a principal função do DJ é justamente educar e providenciar novas sonoridades aos que ali estão presentes, mas… Você já se perguntou sobre quem alimenta a pesquisa do DJ? A resposta mais comum nos dias atuais é curta e composta por uma palavra: Internet. E eu concordo, a internet realmente mudou a forma de como todos nós vivemos, inclusive de como buscamos e descobrimos novas canções. Contudo, obrigatoriamente alguém tem que compilar, catalogar e disponibilizar esse conteúdo, uma pessoa que consiga assimilar todas as tendências e dispor de uma forma onde os interessados consigam absorver e aplicar todo esse conteúdo.

Seja em uma plataforma online como Discogs ou em um endereço físico, o dono de loja de discos é o grande guru do DJ, e é pensando na importância que esse profissional tem para todos nós – inclusive você que não toca – que decidi conversar com alguns profissionais do ramo para entender melhor como é ser responsável por nutrir toda uma demanda de artistas através de suas lojas, quais são os perrengues e também como eles fazem para manter essa máquina rodando. 

Patuá Discos em São Paulo

Logo de primeira pude perceber que para entrar nesse ramo, somente a paixão pela música não basta, é preciso entender que o vinil vai além de ser uma peça com áudio gravado. Ele carrega muita informação e história, e para alguns, isso acaba sendo mais importante do que a própria música contida. Durante minha conversa com Ramiro Zwetsch, uma das cabeças por trás da paulistana Patuá Discos, essa forma de encarar o vinil ficou bem clara: “o disco de vinil tem um grande valor, no meu modo de ver ele é um documento cultural, que carrega informações preciosas – e não falo exclusivamente da música que está registrada ali no objeto, mas muitas vezes a capa e o encarte agregam história. E a cultura é uma companhia necessária, ajuda muitas pessoas a tratar ansiedade, solidão, estresse, depressão etc”.

Ramiro Zwetsch, sócio na Patuá Discos

De fato, a música é um santo remédio, é através dela que muitos conseguem se desconectar dos problemas, e falando em problemas, uma curiosidade que sempre tive, é de como esses profissionais fazem para manter e renovar o acervo de suas lojas. Como DJ e comprador compulsivo de vinil, sei que nove em cada dez discos são importados, dificilmente algo é prensado em território nacional. Quando falei com Mimi da Silva, dono da Show Me Your Case, loja de discos online e que também participa do circuito de eventos culturais de São Paulo no formato pop-up store, descobri que no Brasil existem somente duas fábricas de vinil, fazendo com que todas as lojas dependam quase que exclusivamente das importações. 

Mimi Da Silva com a Show Me Your Case no Caos em Campinas

Quando entrei no mesmo assunto com Andrew Santos, dono da I’m Vinyl Lover, loja online que também funciona como pop-up store, além do fato de que no Brasil não se fabrica discos de vinil, o custo de importação é alto. Apesar da música ser um objeto fornecedor de cultura, não existem ferramentas legais que isentem ou até mesmo incentivem tanto a produção em território nacional quanto importação de discos de vinil. Em português claro: o dono de loja de discos vende um produto que não têm fabricação nacional e que paga de 60% a 100% de impostos nas importações. Isso sem contar o tempo de espera que pode chegar até 90 dias, e em alguns casos até mais. Ta dando pra entender a vontade de fazer acontecer desses caras?

Andrew Santos com a I’m Vinyl Lover na Soul. Set em São Paulo

Além série de barreiras citadas acima, o ano de 2020 nos presenteou com o COVID-19, obrigando todos a entrarem em quarentena e consequentemente fecharem seus negócios. Eu perguntei pro Ronald Pacheco, dono da Dance Division Records, loja localizada na Galeria Ouro Fino, famoso point dos DJs e que abrigou outras lojas no passado, como que ele  está lidando com a atual situação e a resposta dele foi simples: “com as medidas de distanciamento, dias fechado, horário reduzido entre outras restrições, O fluxo de clientes e pessoas que passavam pela loja diminuiu bastante. A Dance Division possui website desde seu nascimento, mas confesso que nunca tinha dado devida importância a plataforma de vendas que o site tem. Quem compra discos gosta de vir até a loja, ficar um tempo folheando as prateleiras e ouvir tudo que foi separado. Com a pandemia me vi forçado em focar nas vendas onlines para me manter ativo.”

Ronald Pacheco em sua loja, Dance Division Records

Outro ponto interessante que foi levantado por Mimi é de como a forma de vender discos mudou: “o vinil é físico, é necessário tocar nele para saber do que se trata. As conversas nas lojas de discos, os garimpos em sebos, os rolês na feiras de discos, os encontros para trocas… tudo isso deixou de existir de uma hora para outra, restando apenas o mercado virtual, que é bem diferente. Um exemplo: um lançamento de um LP virtualmente não tem o clima de um lançamento em uma loja, com sessão de autógrafos e tal. O apelo do vinil é muito gráfico, e você ter o disco pra ver, pegar, ler antes de comprar faz muita diferença. 

Nas conversas que decorri com Ramiro, Mimi, Andrew e Ronald eu pedi que eles traçassem um perfil de quem frequenta as lojas e que tipo de disco compram. A conclusão que todos chegaram é que de 2010 para cá, a procura aumentou bastante, seja pelos mais jovens que buscam uma experiência sensorial, afinal de contas uma das graças do vinil e ouvi-lo enquanto lê as informações contidas ou pelos mais velhos que resolveram voltar a colecionar discos. Outro fator que foi observado é que até os anos 2000, a busca por discos era quase que exclusiva pelos DJs, então o formato que mais vendia eram os singles e EPs, que possuem versões estendidas. Nos dias de hoje, a maior procura é por álbuns, os DJs continuam comprando discos single, porém o número de pessoas atrás de álbuns supera a número de DJs.

Para encerrar, também pedi dicas de como não ser um caroço – cliente indesejável – em lojas de discos. Você sendo DJ ou não, é preciso um pouco de familiaridade com toca-discos e vinil para comprar. Ronald me disse que pra ele, o que pega mal é aquele cliente que entra na loja e decide mixar os discos “para testar”, afinal de contas a chance de um acidente é grande e o prejuízo é certo caso um disco venha a riscar. Mimi lembrou daquele tipo de cliente que pairando sobre outro cliente, de olho nas escolhas que esse cliente faz. Segundo Mimi, as pessoas não gostam de ser observadas enquanto procuram seus discos. Andrew me disse que entrar em uma loja para só dar aquela olhadinha, não tem problema nenhum, mas se você retirar muitos discos da prateleira, fazer uma bagunça e não levar nada, pega mal. 

Quando decidi escrever este editorial, a ideia era causar um estalo na mente das pessoas. Como você pode imaginar, a estrela central quase sempre são os DJs, afinal de contas é o DJ que leva a música de pista aos quatro cantos do planeta, mas não podemos esquecer daqueles que têm um papel tão importante quanto, afinal de contas, para que o DJ possa brilhar nas pistas, ele precisa de de alguém com a coragem e paixão que só o dono de loja tem. A música conecta e o vinil salva!

Como DJ e colecionador de discos, meu muito obrigado Ramiro Zwetsch, Mimi Da Silva, Andrew Santos e Ronald Pacheco por não desistirem e por toparem participar deste editorial.

A música conecta. 

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