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A música conecta

Editorial | O que torna um DJ um grande DJ?

Por Caio Stanccione em Editorial 09.03.2021

Antes de começarmos a discorrer sobre o tema que o título deste editorial traz, quero desejar muita força, persistência e amor a todos os meus colegas de profissão no dia de hoje. Caso você, leitor, não saiba, o dia 9 de Março é o Dia do DJ, uma forma de homenagear esse profissional tão essencial em nossas vidas. Por isso, meu muito obrigado a todos vocês DJs que tanto se dedicam à arte como profissão, ainda mais se tratando dos tempos atuais, onde estamos impossibilitados de fazermos o que mais amamos. Força! 

Eu amo fazer questionamentos, acho que vocês já perceberam, né? Pensa aí, como você classificaria um grande DJ? Lembre-se que grande e conhecido possuem significados diferentes, ter milhares de seguidores no Instagram te torna conhecido, mas não necessariamente grande. Aliás, acho que podemos desmistificar esse primeiro tabu que recentemente foi instaurado na nossa esfera assim como em outras. Ter muitos seguidores significa que o valor de alcance será maior que o da média, mas não significa que o conteúdo apresentado seja de fato grandioso.

Que fique claro como as águas de Cabo Frio, eu não estou me referindo a vertente musical, tendências ou lifestyle, você gostar de House não te faz mais elegante ou inteligente perante aos amantes do Rap, assim como tocar somente em vinil também não te faz um DJ mais foda do que os que tocam em CDJ. A busca aqui é pela grandiosidade, e trazendo essa palavra para o universo do Disc Jóquei, acredito que exista um sinônimo que pode facilitar a todos nós na hora de entregar uma resposta para pergunta que eu fiz: impacto.

David Mancuso, fundador do conceito de festas Guests Only entre os anos 60 e 70 em NY

Ficou mais fácil? Por exemplo, David Mancuso – o carinha ali em cima, no melhor estilo estudante da PUC-SP – é reconhecido como um dos pais do que nós entendemos como underground. Através de festas que ele dava de dentro da sua própria casa, David conseguiu fornecer uma experiência diferente de tudo que existia em termos de noite. Claro, sempre com aquele gostinho de que o que acontecia em suas festas era para poucos, afinal, não existia bilheteria, era somente para convidados.

As tais festas que David fazia foram tão impactantes e desejadas que ele até chegou a enfrentar um processo na corte americana, onde as acusações eram de que ele mantinha um estabelecimento sem as devidas permissões, algo que foi posto abaixo durante as audiências. 

Consegue entender meu raciocínio quando digo que ser conhecido não necessariamente é ser grandioso? Imagina você, fazendo festas de dentro do seu apartamento e a forma como você fomenta e executa vira um standard que até hoje é seguido dependendo do consumidor a ser atingido. Essa genialidade é para poucos.

Essas festas que David deu no fim dos anos 60 e início dos anos 70 rolaram literalmente até a sua morte em 2016, onde Mancuso ainda era o grande responsável por tudo. Grandioso, não? 

https://youtu.be/ju9ASThGLqU
Não conhece a história do The Loft e do David Mancuso? Assiste a esse documentário

E se tratando de Brasil, quais são as figuras que se enquadram como grandes DJs? Difícil essa, né? Mas seguindo a mesma ideia de pioneirismo e irreverência, quero falar de uma mulher que começou a quebrar todos os paradigmas ainda nos anos 60, Sonia Abreu.

Sonia Abreu e Osvaldo em ato solene ao Dia do DJ onde foram homenageados na Assembleia Legislativa de São Paulo 

Acredito que não preciso lembrar todos vocês de quão bizarro eram os anos 60. Equidade? praticamente não existia. O meio musical era decidido exclusivamente por homens, salvo as intérpretes que, mesmo assim, se viam reféns do apelo sexual para poder acontecer.

Uma mulher trabalhando na radiodifusão em plena ditadura, decidindo programações musicais que seriam transmitidas para toda população? Tente imaginar – pois saber de fato não dá, sendo homem – o tanto de gargalhadas, descaso e falta de incentivo que ela sofreu. Mesmo assim, Sonia não se deu por vencida e com literalmente o peso do mundo contra ela, perseguiu seu sonho em ser radialista e DJ.

Sua carreira se deu através da Rádio Excelsior, onde foi produtora musical de 1968 a 1978. Também no final da década de 70, Sonia foi DJ no Papagaio Disco Club, tida como a primeira discoteca do Brasil por conta do formato que tinha. Ingressos eram vendidos e existia um espaço dedicado para as pessoas extravasarem em frente de um sistema de som poderoso, coisas que ainda não existiam por aqui na época. Que gatilho, não é mesmo? Saudades de uma pista! 

Nos anos 80, Sonia criou a Ondas Tropicais, uma rádio móvel montada dentro de um ônibus que dava as caras por diversos pontos de São Paulo. O projeto deu tão certo que foi levado ao litoral paulista e carioca e, dessa vez, montado dentro de um barco. Uma mulher fazendo boat party há 35 anos. Todos concordamos o quão grandiosa Sonia foi?

Infelizmente, a DJ nos deixou em 2019 por conta de uma doença degenerativa que ela vinha batalhando. Caso você queira conhecer mais sobre a trajetória de Sonia, recomendo a leitura de Ondas tropicais – Biografia da primeira DJ do Brasil: Sonia Abreu, que foi escrita por Claudia Assef e Alexandre de Melo. 

Aí você me pergunta: então ser um grande DJ é algo do passado? Não existem mais grandes DJs? Negativo, meu jovem afobado. Aliás, muito pelo contrário, vivemos tempos gloriosos e com artistas tão grandes quanto as edições da Love Parade.

Já parou para pensar que no Brasil o Techno voltou com tudo a partir dos anos 2010 por conta da paixão e coragem de artistas como Victor Ruiz? Ou então que possuímos um dos melhores festivais de música psicodélica no mundo graças Juarez Petrillo aka DJ Swarup, pai de Alok e Bhaskar? Melhor ainda, já parou para entender que, apesar do Drum ‘n’ Bass ter nascido na Inglaterra, as batidas super rápidas e quebradas que a vertente tem só viraram uma grande tendência mundial através das mãos do nosso DJ Marky? 

E como encerramento desse editorial, quero reforçar meus votos de força, persistência e amor a todos os DJs que irão ler esse texto e aos que não irão também, hoje é um dia dedicado exclusivamente a nossa profissão. Dia de enaltecer o amor à cultura do diggin, da insistência na mixagem perfeita e da tão desejada conexão com a pista. 

Talvez vocês ainda não saibam, mas só de ter escolhido essa profissão tão dura e difícil – ainda mais nos dias de hoje – já te torna um grande DJ.

Hoje é dia de enaltecer a música SEMPRE em primeiro lugar.

Parabéns, DJ. 

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