Texto por Lucas Baldo
A música eletrônica, desde a sua criação, atravessa ciclos de transformação que moldaram o que conhecemos hoje. Dentro desse processo de amadurecimento e profissionalização da cena brasileira, a SmartBiz teve um papel fundamental. Nascida exatamente onde a música acontece – na pista – a agência ajudou a construir a linguagem, o comportamento e a cultura da música eletrônica no Brasil, indo muito além de beats e melodias para gerar identidade, diversidade e pertencimento.
Fundada no início dos anos 2000, a SmartBiz se posicionou desde cedo como um coletivo que enxergava a música eletrônica não apenas como produto, mas como um movimento social e artístico. Essa visão surgiu em um momento em que o mercado ainda se estruturava, e a agência foi responsável por criar caminhos sólidos entre artistas, clubs e audiências, ajudando a consolidar uma cena nacional que hoje é referência global.
Idealizada por Fernando Moreno, a fase inicial da agência foi marcada pelo projeto SmartBiz Café, ativo entre 2000 e 2003. Segundo o próprio Moreno, era nesse espaço físico que a cena realmente se formava. Um ambiente de encontros presenciais, troca de ideias, networking e conexão entre pessoas apaixonadas por música, cultura e moda. O público, em sua maioria entre 23 e 40 anos, encontrava no projeto um ponto de encontro onde música, comportamento e estilo se cruzavam de forma natural. Não por acaso, uma das unidades ficava no chamado Corredor Fashion do Shopping Villa-Lobos, em São Paulo.
O SmartBiz Café valorizava a experiência do encontro. As noites se transformavam em happy hours com DJs convidados, todos selecionados a partir da curadoria de Renato Lopes. O espaço funcionava como um verdadeiro ponto de descoberta, onde DJs emergentes dividiam as cabines com nomes já consolidados como Joel Mull, Oxia e Ellen Allien, aprimorando suas mixagens até assumirem pistas importantes da grande São Paulo.
Ainda no ano 2000, nasce outro movimento essencial para a consolidação da cena nacional: a SmartBiz Party, ativa entre 2000 e 2010. O projeto se tornou um verdadeiro berço de profissionalização da música eletrônica no Brasil. Suas festas transitavam entre espaços intimistas, casas de show e hotéis icônicos do país, sempre com a proposta de conectar artistas representados pela agência a convidados internacionais, em formatos variados e escalas diversas, percorrendo diferentes cidades brasileiras.
Um dos episódios mais emblemáticos dessa trajetória aconteceu no Hotel Unique, em São Paulo, com a apresentação de Laurent Garnier. Na época, esta noite se tornou um marco histórico para a cena da cidade, sendo amplamente reconhecida pela imprensa especializada e pelo público, rendendo à SmartBiz o prêmio de ‘’Melhor Festa do Ano’’ pela Noite Ilustrada, da Folha de S.Paulo.
A circulação da SmartBiz Party por cidades como Rio de Janeiro, Cuiabá, Porto Alegre, Campo Grande, Curitiba e Belém reforçou o papel da agência como uma exportadora do movimento eletrônico nacional. Esse processo culminou na realização de uma das primeiras grandes festas de música eletrônica em casas de show de grande porte, na antiga Credicard Hall, em São Paulo, ampliando o alcance da cena para novos públicos.
Mais do que música, a SmartBiz sempre esteve atenta às transformações sociais e culturais que atravessavam o clubbing. A presença da comunidade LGBTQIAPN+ e de corpos dissidentes nunca foi tratada como exceção, mas como parte essencial e indissociável da cena. Esse posicionamento reforçou o compromisso da agência com diversidade, liberdade e pertencimento, valores que permanecem vivos até hoje.
E a evolução continuava. Em um período em que o consumo de música ainda girava em torno de CDs e vinis, surge a SmartBiz Traxx, ativa entre 2000 e 2009. O selo tinha como proposta mapear e divulgar produtores brasileiros por meio de coletâneas físicas, em um contexto de infraestrutura limitada e escassez de selos nacionais. As primeiras compilações rapidamente se tornaram itens de colecionador e abriram portas para parcerias com marcas como Red Bull, Colcci e Chilli Beans, além de projetos editoriais e publicações para a DJ Mag.
Entre os artistas que passaram pelo selo ou por parcerias estão Renato Cohen, Pink Freud, Andrea Gram, DJ Mau Mau, Waterfront House e DJ Mimi. A curadoria seguia sob responsabilidade de Renato Lopes, enquanto, em conexão com selos internacionais, nomes como Laurent Garnier, Miss Kittin e The Hacker também faziam parte desse movimento de expansão da cena.
Ao longo de sua trajetória, a SmartBiz também esteve à frente da curadoria de grandes eventos e festivais, como Motomix, Smirnoff Night Exchange e Nokia Trends, além de sua parceria com a marca de roupas Slam. Hoje, considerada rara, a coleção criada em conjunto tinha um conceito simples e direto, que dialogava perfeitamente com a essência da agência: sair para dançar. As estampas eram inspiradas na vivência da noite e da pista, com curadoria do designer e estilista Giuliano Menegazzo, reforçando o vínculo entre música, moda e cultura clubber.
Expandindo ainda mais seu viés híbrido e modular, a agência passou a organizar turnês de bandas e projetos diversos, trazendo ao Brasil nomes como WhoMadeWho, The Whitest Boy Alive e The Sisters of Mercy. Para Fernando Moreno, todas essas ações sempre tiveram o mesmo objetivo: conectar público e música de diferentes formas, muito além de um trabalho limitado ao booking, mas como um exercício constante de articulação entre cultura, artistas e pessoas.
Celebrar os 25 anos da SmartBiz é reconhecer o papel de quem atuou muitas vezes longe dos holofotes, estruturando caminhos, fortalecendo artistas e garantindo que a cultura clubber brasileira pudesse crescer sem ser discriminada, marginalizada ou descaracterizada. É entender que longevidade, nesse contexto, é compromisso com a pista como espaço de expressão, resistência e encontro.






