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A música conecta

Editorial | Como entender a roupagem Dub dentro da música eletrônica?

Por Caio Stanccione em Editorial 03.08.2021

Peço a sua atenção neste momento solene em que um dos corpos sonoros mais excêntricos que a música possui se aproxima de nosso plano. É justamente através dele que iremos nos elucidar sobre como um subgênero nascido nos anos 60 através da Reggae Music se tornou uma das primeiras formas de se fazer – e ouvir – música eletrônica antes mesmo desse termo ser cunhado. É também nesse exato momento que iremos identificar e entender como algo que tem seus 60 anos de idade continua vivo, forte e entremeando-se cada vez mais na nossa tão querida e amada música de pista. Claro, faltou dizer que tudo isso dito acima se resume em três letras: Dub.

O conceito de Dub Music surge na Jamaica no final da década de 60, onde engenheiros eletrônicos e de áudio – sim, os artistas que pioneiros na sonoridade Dub não eram de fato produtores musicais – criaram versões de músicas já existentes onde o foco estava em estender as partes instrumentais de tais músicas, em especial os momentos onde as linhas de baixo e bateria se destacavam mais – tudo isso regado a toneladas de reverbs e delays e saturações. Uma descrição que cabe perfeitamente ao Techno e a House Music e tudo aquilo que elas originaram, não é mesmo? 

Quem eram esses artistas? Bem, como qualquer movimento que surge, fica difícil nomear somente um responsável por tudo, mas mentes criativas como Lee “Scratch” Perry, Mad Professor, Scientist, King Jammy e Augustus Pablo foram nomes proeminentes durante esse período. E claro, antes que os mais entusiastas desse movimento sintam falta, não podemos esquecer de King Tubby, tido como o principal desbravador desse conceito predecessor de remixagem.   

Mas e o Riddim? Bem, o termo sempre irá se referir ao ritmo que determinada música tem. Riddim nada mais é que a palavra inglesa rhythm – ritmo, no português – em patoá jamaicano. Já o termo Dub irá se referir a uma versão diferente de determinada música a qual não necessariamente muda o riddim da mesma. Quase sempre os discos de Reggae incluem a versão original de um lado e do outro lado uma versão instrumental a qual é chamada de Version.

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Com isso, chegamos a nossa primeira parada onde começamos a entender como as diretrizes do Dub foram e são usadas até hoje por todos os produtores de música eletrônica, independente do estilo. A música tem algum instrumento com repetições espaciais (delay)? Veio do Dub. A música tem alguma parte do vocal que se estende por muitos segundos como se estivesse dentro de uma sala enorme (reverb)? Veio do Dub. A música é basicamente por uma linha de baixo, percussões e bateria sujas (distorção)? Veio do Dub. 

Sim, a característica sônica do Dub se constrói basicamente em cima desses três tipos de efeitos. O que vocês acham de dar uma olhada mais de perto neles? 

Tape Delay 

O Tape Delay é um tipo de processador que usa fita de gravação analógica para obter repetições em um determinado sinal sonoro. Esse conceito de criar repetições através de fita veio por meio de produtores e engenheiros que criavam efeitos de delay e eco usando gravadores convencionais. Basicamente, um sinal era encaminhado para um gravador separado que era configurado para acompanhar o gravador responsável pela reprodução do áudio. O atraso que ocorria no sinal entre os cabeçotes dos gravadores gerava esse efeito de repetição o qual hoje estamos acostumados em tantas músicas por aí. O tempo de atraso era ajustado alterando a velocidade do gravador configurado para acompanhar o sinal sonoro e o feedback era ajustado com o volume do sinal atrasado de volta para o gravador principal.

Uma das máquinas dedicadas a esse tipo de efeito é a RE-201 da Roland, fabricada entre a década de 70 e 80 

Spring Reverb

Spring Reverb é um método relativamente simples e barato para criar efeitos de reverberação. Um sinal de áudio é enviado para uma extremidade de uma ou mais molas por um transdutor e isso cria ondas que viajam através da mola. Na outra extremidade há outro transdutor que converte parte do movimento da mola em um sinal elétrico que é adicionado ao som seco. Quando uma onda chega no final da mola, parte da energia da onda é refletida e permanece na mesma. São esses reflexos que criam o som característico da reverberação.

Fischer Space Expander K-10, um dos reberbs de mola mais tradicionais na música jamaicana

Distorção

No áudio, distorção é uma daquelas palavras que tem um significado muito mais genérico do que a maioria das pessoas percebem. Tecnicamente, distorção é qualquer desvio na forma de uma onda de áudio entre dois pontos em um caminho de sinal. Dado esse entendimento, quase todos os processos de áudio (equalização, compressão) são formas de distorção. Alguns simplesmente são desejáveis enquanto outros tipos de distorção são considerados indesejáveis, embora às vezes sejam bem utilizados e considerados bons.

As distorções dentro da Dub Music eram obtidas através do exagero em reverb e delays ou então ganhos em excesso na captação e mixagem, que por muitas vezes aconteciam por descuido ou acidente. 

Mesa de som que King Tubby usava em suas músicas

E como as características do Dub foram parar na música eletrônica? 

Berlin, início dos anos 90.  Foi através das mãos e ouvidos de Mark Ernestus que havia há pouco tempo aberto a hoje tradicional loja de discos Hardwax – e Moritz Von Oswald, na época integrante do time da Tresor, que a roupagem Dub foi parar no Techno e na House Music. O duo e também gravadora Basic Channel foram os primeiros a explorarem com unhas e dentes a sonoridade Dub dentro do four to the floor. Claro que antes deles outros artistas já se utilizavam de delays, reverbs e distorções em suas faixas, mas o riddim da Dub Music foi colocado de forma visceral primeiramente pelo Basic Channel. 

Lembrem-se, estamos falando do início dos anos 90, onde a House Music e o Techno soavam de forma muito diferente que o Basic Channel apresentava, como podemos ouvir pela faixa acima. Isso fez com que uma legião de pessoas passassem a replicar a forma de timbragem que Moritz e Mark faziam dentro do selo, fazendo com que o nome Dub Techno fosse criado. 

Moritz Von Oswald e Mark Ernestus aka Basic Channel

Além do Basic Channel, Moritz e Mark possuem outros projetos como o Rhythm & Sound e o Maurizio e também são as mentes por trás de gravadoras como Chain Reaction e Main Street Records, além de também serem os criadores da Dubplates & Mastering, um dos estúdios de masterização mais respeitados no universo da música eletrônica. 

Nos dias atuais, nomes como Steve O Sullivan, Ben Buitendijk e Rhauder são bons exemplos de artistas que frequentemente passam com suas aventuras musicais através do Dub Techno. Aliás, a sonoridade que Moritz e Mark desenvolveram se espalhou de tal forma que quase todos os artistas que tendem para um mais intimista, acabam, por ventura, desenvolvendo faixas com influência do Dub Techno. De Makam a Delano Smith, de Deadbeat a esse que vos escreve.

Em suma, fica nítido que as qualidades que o Dub possui estão intrínsecas na música eletrônica de pista quase desde seu nascimento, já que os instrumentais longos, efeitos espaciais e colorações das mais diversas formas são a base de praticamente todo gênero e subgênero que a música eletrônica tem.  Inclusive, quem aqui nunca comprou um disco onde além da versão original, uma outra versão chamada de Dub Mix fazia parte do pacote, não é mesmo?

Lembre-se: Dub Music é música eletrônica.

A música conecta.

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