Tem alguém assistindo? Aquela frase da Netflix programada para aparecer na sua tela depois de horas sem nenhuma ação humana no controle e que virou até meme, é o ponto de partida desse texto. Minha resposta para essa pergunta seria algo do tipo: bom, dada as recentes mudanças e tendências das redes sociais, diria que com certeza sempre tem alguém assistindo, mas será que tem alguém lendo?
Quem escreve ou produz conteúdo para audiências nichadas certamente já se perguntou: será que alguém vai parar para consumir isso aqui? Gerar conteúdo especializado é uma tarefa árdua. Trata-se de um conteúdo que muitas vezes não está disponível nas primeiras páginas do Google, que necessita vivência, que senso crítico é indispensável. Mas então, por que cada vez parece mais difícil converter leitores e audiência para esse tipo de conteúdo?
Contestar as mudanças promovidas pelas redes sociais nos últimos 10 anos seria chover no molhado e é óbvio que este texto não causaria diferença alguma nesse contexto, complexo por sinal. As redes sociais estão aí e são o que são para o bem e para o mal. Se em meados da década passada, elas eram um ambiente mais horizontal para que artistas e criadores de conteúdo nichados pudessem criar mais conteúdo pautado em texto, imagem e áudio, hoje em dia são os vídeos curtos que dão as cartas por lá e se você não sabe falar com a câmera, tio Mark diria que o problema é seu.
+++ Produções culturais e algoritmos: aliados ou refém?
Ao meu ver, existem dois grandes dilemas nesse ecossistema de Redes Sociais + Produção de Conteúdo + Curadoria + Arte. 1) A forma como a velocidade de conteúdo aumentou drasticamente nos últimos anos dificultou a comunicação de alguns tipos de arte e conteúdo que simplesmente necessitam de tempo para funcionar. 2) Não totalmente, mas boa parte dos curadores hoje em dia optam por caminhos mais simples, rápidos e fáceis, em detrimento de ideias e séries mais complexas, para então entregar mais resultados.
Poucos são os criadores dentro do universo musical que conseguem ter uma editoria de conteúdo profunda e estruturada hoje em dia: até mesmo as grandes plataformas de mídia sofrem com isso. Quando eu falo sobre uma editoria estruturada eu me refiro a: variedade de conteúdos, construção de narrativas através de sessões, longevidade dentro dessa produção. É frustrante ver gente talentosa e com conhecimento específico se rendendo a listas e dicas — que formam a grande fatia do bolo para conteúdos sobre música e arte no TikTok e Reels.
Assumo que até mesmo aqui no Alataj essa problemática é algo que tocou discussões e problemas de engajamento nos últimos anos. Uma das marcas registradas do nosso conteúdo era justamente esse aprofundamento em torno de temáticas e narrativas: fizemos séries especiais sobre a influência da Rádio no desenvolvimento da música eletrônica de pista aqui no Brasil, pesquisas e infográfico sobre as atuações das gravadoras e outros tópicos. Mas, você sabe que isso não é exatamente o feed do TikTok quer para você, não é mesmo?
Olhando de maneira resolutiva, venho refletindo muito nos últimos meses sobre qual tipo de conteúdo quero deixar o Alataj ser reconhecido nos próximos anos e a resposta não é muito diferente do que eu pensava há 10 anos: conteúdo forte, profundo e fora do óbvio. Mesmo que isso nos custe 7 likes em um post do Instagram sobre algo que demoramos semanas para produzir. É sobre estar ok falar para menos pessoas, mas falar com intensidade para quem quer nos ler e ouvir — e ver às vezes, também.
É claro que neste processo estamos em busca de criar canais e caminhos que possam levar o nossa forma de ver e pensar música para mais pessoas. Sinto que é importante que a nova geração clubber tenha uma posição de entusiasta, com interesse pela informação e história que não vai estar disponível tão facilmente no TikTok. É para dentro desta jornada que eu convido os criadores de conteúdo e artistas (afinal, nativos criadores de conteúdo) para seguir também, pois não podemos tornar nossa linguagem mais rápida, rasa e descartável apenas para atender algoritmos.
Produzindo um conteúdo autoral forte e resistente ao impacto do tempo, toda vez que alguém perguntar: Tem alguém lendo? A resposta será um sonoro SIM.
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A música conecta.