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A música conecta

Alataj entrevista Mr. G

Por Alan Medeiros em Entrevistas 10.04.2025

Introdução por Alan Medeiros / Q+A por Dave Beamson

Poucos artistas em atividade sustentam com tanta autoridade o peso de um legado. Colin McBean, mais conhecido como Mr. G, atravessou as últimas décadas com um som inconfundível, calcado na estética analógica, nas texturas do House e nos graves do Techno — uma assinatura que remete tanto à cena clubber quanto às origens da cultura sound system, base de sua formação musical nos subúrbios de Derby. Ao longo de uma carreira que passa dos vinte anos em nome próprio — e mais ainda se contarmos os tempos de The Advent, banda britânica que fundou em 1993 ao lado de Cisco Ferreira — Colin construiu uma discografia robusta, pavimentada por uma filosofia de vida que conecta arte, disciplina, e sobretudo, resistência.

Dono de uma trajetória marcada por reinvenções, perdas pessoais profundas e um permanente estado de busca, McBean desafiou novamente suas próprias fronteiras com o lançamento de The Fifth Chakra (Ambient Space Tek), álbum lançado em 25 de outubro de 2024, via Phoenix G, seu próprio selo. Ao contrário dos trabalhos anteriores, este nono disco de estúdio abandona quase por completo os elementos percussivos — sua marca registrada — para mergulhar em atmosferas meditativas, narrativas cinemáticas e um sound design que prioriza a escuta atenta em detrimento da energia de pista. É um movimento raro: o artista que abdica do que sabe fazer melhor para se aproximar do que ainda precisa entender.

Mais do que um exercício de estilo, The Fifth Chakra reflete a maturidade espiritual e estética de um criador que nunca operou por conveniência. O que poderia soar como ruptura se revela, na verdade, como desdobramento — um gesto de continuidade por outras vias. McBean, hoje com mais de 50 anos, fala com orgulho sobre ter alcançado o “lugar meditativo” com o qual sempre sonhou, ainda que por muito tempo não se achasse capaz de chegar lá. O resultado é um disco de ambient music projetado não somente para relaxamento, mas para confrontos internos, construído com o mesmo esmero de frequência, peso e intencionalidade que sempre orientaram seu trabalho na música de pista.

A escuta do álbum sugere isso com clareza: há resquícios da estética Mr. G em samples vocais quase imperceptíveis, loops hipnóticos e passagens que flertam com o dub e o hi-tech jazz — mas a estrutura geral está organizada a partir do silêncio, da suspensão e do contraste entre luz e sombra. The Fifth Chakra propõe uma ambiência de tensão e cuidado que  amplia o vocabulário musical do artista e lança pistas sobre o tipo de liberdade que só se alcança depois de muita estrada — e muita escuta.

Por volta de Outubro, mês do lançamento do álbum, surgiu a possibilidade de uma entrevista com Mr. G, que o Alataj aceitou prontamente e agora publica o resultado deste Q&A exclusivo conduzido por um velho conhecido de Colin: o jornalista britânico Dave Beamson, parceiro de longa data, testemunha próxima e sensível à trajetória de Mr. G. O que se lê a seguir é uma conversa entre amigos que compartilham trabalho, música, história, perdas e aprendizados — e que sabem que, às vezes, o som mais importante é aquele que fica:

Oi Colin, como você está e onde está no momento?

Acabei de chegar em casa, voltando da Austrália — Sydney, Melbourne e Tasmânia — numa viagem em família com a Cath, minha esposa. Apesar do clima ter sido meio instável, estou me sentindo revigorado e é bom estar de volta em casa.

Em outubro, você lançou seu último álbum, The Fifth Chakra (Ambient Space Tek), que foi uma grande mudança em relação ao seu trabalho voltado para as pistas. O que te motivou a fazer algo tão diferente?

Estava ouvindo muita música nova — coisas mais pesadas de grave, mais ambient e distorcidas — e pensei: adoraria fazer algo nessa pegada.

O projeto do Sato, em especial, mexeu muito comigo, os elementos de grave e os sons retorcidos… isso meio que abriu a porta, e em determinado momento pensei: preciso entrar nesse universo.

Então, com o tempo, fui pesquisando, refletindo, e eventualmente dei o passo à frente pra me jogar nisso.

Você comentou em outros lugares que precisou de confiança pra escrever o álbum. Achei interessante saber que um artista com sua reputação e história ainda possa sentir insegurança ao tentar algo novo. Como você lidou com isso até se sentir confortável pra seguir em frente?

Confiança é uma palavra grande. E “confiante” não é algo que eu usaria pra me descrever, pra ser honesto. Então, além de pensar em criar algo totalmente fora da curva, vindo do coração, ainda tem que ter coragem pra lançar isso pro mundo, deixar que os outros interpretem do jeito deles… é uma coisa estranha.

Mas desde o começo, não pensei nisso como uma questão de confiança — foi mais uma curva de aprendizado em som e música. Se eu tivesse encarado como uma questão de confiança, nunca teria feito.

Minha filosofia na música, desde o início, sempre foi “nunca desista”, então era só questão de tempo até eu chegar nesse ponto, porque eu não desisto.

Uma olhada rápida em entrevistas e sets seus mostra sua paixão por uma gama enorme de música. O quanto você acha importante os artistas ouvirem estilos variados?

Essa é uma ótima pergunta. Música nova é o sopro de vida pra mim — e provavelmente pra Cath também — porque é isso que a gente faz com frequência: tira um tempo pra ouvir sons novos. Bons, ruins ou indiferentes, tiramos nossas próprias conclusões, mas sempre buscamos essa nutrição musical. Então sim, isso é super importante em tudo o que eu faço, porque só dá pra seguir em frente conhecendo o que veio antes e o que está vindo agora.

Voltando ao álbum, o termo “soundsystem electronica” tem sido usado pra descrevê-lo, e realmente faz sentido quando ouvimos. Li também que os shebeens foram muito importantes na sua formação — isso influenciou o LP?

Sim, essa conexão faz bastante sentido. Antes de tudo, sempre fui um homem do som. Minha cena desde o começo sempre teve a ver com graves pesados. Desde pequeno, indo pros shebeens, vendo os caras mais velhos com sistemas de som incríveis detonando com os graves… se você começa sua vida com essa imagem, esse som, você só consegue seguir pra frente a partir daí — nunca pra trás.

Esse álbum demorou bastante pra chegar no ponto certo do grave — na “redondeza”, no tom. Isso era essencial porque, se você quer representar de onde veio, que é a cultura dos soundsystems, precisa conseguir se sustentar nesse território. O grave, nesse álbum, foi fundamental.

O que você aprendeu sobre si mesmo e sobre seu processo criativo enquanto escrevia esse álbum?

Simples: a arte da contenção, haha. Pra alguém que sempre foi de arrebentar a pista de dança, colocar groove, swing e ritmo em tudo o que faz… ter que desfazer tudo isso e aprender a esperar, com paciência… foi a lição da minha vida. O álbum só cresceu por causa disso. Se eu não tivesse aprendido essa lição, nunca teria chegado ao resultado final.

Paciência — a arte de ter paciência. Eu rio, porque provavelmente nunca vou fazer outro projeto como esse. Saber o quanto demorou pra eu aprender a esperar e sentir… foi algo totalmente estranho pra mim. Não faria de novo, haha.

Quanto desse aprendizado você acha que vai levar para suas produções mais voltadas para a pista?

Como eu disse, esse foi um desafio e uma guinada. Cheguei onde cheguei e tô muito feliz — mas deu trabalho. Paciência não é minha praia. Funcionou pra esse projeto, mas não acho que vá levar nada disso pra minhas outras músicas. Eu ainda sou o Mr. G — com o pé no acelerador!

Talvez eu faça um álbum de hip hop, talvez um de pop, talvez algo distorcido. Cada projeto começa do zero, então não quero trazer coisas de um pro outro, nem cortar caminho. Quero aprender com a dor, como aprendi com a paciência.

Você é conhecido por seus lives. Consideraria apresentar o álbum ao vivo — claro, num lugar com um soundsystem à altura?

Sabe de uma coisa? Eu adoraria. Mas com todos os álbuns que faço, vejo como uma obra de arte, então não salvo as partes, não salvo os sons. São gravados em uma, duas, três tomadas e depois deletados.

Então, na real, não tem como voltar atrás. Meu lance é capturar o momento, ou aquele momento, de uma forma que viva pra sempre — mas que não dá pra repetir. Por mais que eu adorasse ter salvado tudo, e tocar isso ao vivo num soundsystem dub/reggae pesado… seria incrível, mas não acho que conseguiria. São momentos únicos, aconteceram como tinham que acontecer — e o álbum é o reflexo disso.

Quanto mais escuto The Fifth Chakra (Ambient Space Tek), mais percebo um lado cinematográfico nele. A ideia de compor trilhas pra cinema te atrai? E se sim, tem um diretor ou ator dos sonhos?

Acho que tudo o que faço tem esse lado cinematográfico, de alguma forma. Vejo cores, visões, imagens na minha mente o tempo todo, então quase tudo que crio tem uma espécie de “visão” ligada a ele, às vezes que só percebo depois.

Adoraria trabalhar com alguém do cinema — animação japonesa, por exemplo, seria épico. Meu som não seria algo pra um público mais velho… queria fazer algo pra molecada, algo jovem e cinematográfico ao mesmo tempo, algo diferente — fora do comum. Então sim, no futuro é algo que eu gostaria muito de explorar.

Um traço constante nos seus álbuns são os nomes das faixas. Sempre parecem muito pessoais: nomes, lugares — pequenos insights que talvez passem batido pro ouvinte comum. De onde vêm esses nomes? São coisas que influenciam diretamente a música ou são mensagens pra alguém, pra você mesmo?

Todos os nomes que escolho são reais — são coisas que me influenciaram ou que influenciam tudo o que faço. Nunca esqueço onde estava ou o que estava fazendo quando ouço um título, porque eles são pessoais pra mim, e pra quem está no título também.

“Distant Mories Tassie”: Cath e eu no interior da Tasmânia, nos divertindo demais. “Cath’s Vision (Dougie’s with an ovenproof pini)”: Jamaica, uma trilha sonora de um lugar que visitamos lá.

Todos são reais. Toda música que faço tem um título totalmente pessoal — pra mim ou pra alguém envolvido — e ele permanece. Quando você pensa nesse nome, nunca esquece onde estava: seja bom, ruim ou indiferente.

Você sempre falou muito sobre yoga e o quanto isso foi positivo pra você. Existe um elemento espiritual no álbum que vem dessas práticas?

Sem dúvida. Yoga é uma parte enorme desse projeto todo — essa espiritualidade que corre pelo corpo, seja nos exercícios, nas meditações, nos mantras… é um estilo de vida aqui em casa, tanto pra mim quanto pra Cath.

Somos espirituais nesse sentido, então sim, o álbum tem essa vibe meditativa, com batidas naturais que fazem parte do nosso dia a dia. Os graves estão lá porque amamos graves, as partes viajadas estão lá porque curtimos psicodelia — são emoções reais, um estilo de vida mesmo. A espiritualidade do yoga tem tudo a ver com esse trabalho.

Você acha que às vezes falta espiritualidade, alma ou sentimento na música eletrônica atual?

Não sou a pessoa pra criticar os outros. Eu faço do meu jeito, você faz do seu. Se funciona pra você, funciona pra mim. Espiritualidade é algo muito pessoal — cada um tem a sua. Nunca fui de julgar ninguém, de forma alguma. É sobre o que funciona pra você.

Quais desafios (se houver) você está se propondo pra 2025?

Isso aqui é uma forma de arte — não tem prazo de validade. Então, sabe… 2024 foi um ano incrível, 2023 foi um ano incrível, 2022 também foi — e, se Deus quiser, 2025 vai ser um ano incrível pra mais música nova.

Tenho pensado, lá no fundo, num álbum de pop — algo cru e diferente, poderia ser…

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